TOMAR CONSCIÊNCIA DE QUE HÁ UMA PARTE EM VOCÊ ESCOLHENDO SOFRER - SRI PREM BABA


“Ao tomar consciência de que há uma parte em você escolhendo sofrer, você está próximo do ponto de virada. Durante uma fase do processo de cura, é importante identificar os seus sentimentos negativos e reconhecer que existe prazer no sofrimento. Na medida em que vai ampliando a consciência, você percebe que isso é apenas um sistema de defesa criado para te proteger das dores geradas pelos choques de exclusão e abando...no que viveu. Alguns se defendem através da arrogância, outros através da vaidade, da luxúria, da avareza, da gula... Tudo isso faz parte do processo de evolução da consciência humana, mas em algum momento você precisa compreender porque você precisou desenvolver determinada camada de proteção, pois também faz parte da cura entrar em contato com a dor primordial que está escondida por trás dela.”

“Al tomar conciencia de que hay una parte en ti eligiendo sufrir, estás cerca del punto de giro. Durante una fase del proceso de cura, es importante identificar tus sentimientos negativos y reconocer que existe placer en el sufrimiento. En la medida en que vas ampliando la conciencia, percibes que eso es solo un sistema de defensa creado para protegerte de los dolores generados por los shocks de exclusión y abandono que viviste. Algunos se defienden a través de la arrogancia, otros a través de la vanidad, de la lujuria, de la avaricia, de la gula…Todo esto es parte del proceso de evolución de la conciencia humana, pero en algún momento necesitas comprender por qué necesitaste desarrollar determinada capa de protección, pues también es parte de la cura entrar en contacto con el dolor primordial que está escondido por detrás de ella.”

“When we become aware that there is a part of us that chooses to suffer, we are close to a turning point. During one phase of the healing process, it is important for us to identify our negative feelings and to recognize the pleasure we feel in suffering. As our consciousness expands, we come to realize that this is merely a defense mechanism created to protect us from the pain generated by the shocks of exclusion and abandonment we experienced. Some people use arrogance to defend themselves, others use vanity, lust, greed, gluttony, and so forth. This is all part of the evolutionary process of human consciousness. At some point, we must understand why we needed to develop a certain layer of protection, because getting in touch with the primordial pain hidden behind it is also part of the healing work.”

Sri Prem Baba

SATSANG COMPLETO

Satsang, 07.10.14 - Alto Paraíso 2014


Pergunta: Guruji, estou bem consciente do meu processo. Entrei bem fundo na dor primordial do abandono e da rejeição. Pude ver como o medo da vida se formou ali. Estou tendo noites em claro e com todo o sentimento a flor da pele. Sinto que agora o medo está nas minhas células. Estou observando, mas é muito cansativo e desgastante. Isso tem tirado minha confiança e esperança. Você pode me dar uma luz?
Prem Baba: Saiba que isso vai passar. Mas também é importante compreender, o mais profundamente possível, o processo de cura e transformação do ‘eu’ inferior, o que equivale à transformação do sofrimento em alegria. Esse trabalho de cura às vezes eu também chamo de ABC da espiritualidade. Embora ABC já seja o nome de um dos instrumentos do método “O caminho do Coração”, é também uma forma de nomear determinado estágio do processo evolutivo, que é o momento da jornada onde temos que lidar com os aspectos negados da personalidade. Temos que lidar com sentimentos suprimidos, lidar com uma série de questões internas que, de alguma maneira, não chegamos a um acordo. E justamente pelo fato de não chegarmos a um acordo com essas partes de nós mesmos, e pelo fato, então, delas estarem relegadas ao plano da sombra, é que agem a revelia da vontade consciente. O que faz muitas vezes nos sentirmos vítimas indefesas de pulsões, de forças que não dominamos.
É fato É que muitas vezes atuamos; damos passagem para determinados impulsos que odiamos e não aceitamos; que gostaríamos muito que fossem diferentes. O que faz uma pessoa refém de um ciúme? Refém da inveja? Refém de uma insegurança? Refém de uma vingança? Refém de um ressentimento? É justamente a inconsciência a respeito das relações de causa e efeito. Você é tomado pelo impulso inconsciente porque não o conhece. Tudo aquilo que é suprimido e relegado no plano da sombra acaba ganhando força. Vamos supor que você esteja 99 por cento consciente do seu ciúme, do porquê ele age, porque ele é do jeito que é. Um por cento que está na sombra te derruba; você é pego pelo ciúme e não vê. Quando você menos espera, lá está você agindo da mesma forma estúpida, e depois se arrependendo, se sentindo culpado e entrando no ciclo vicioso de novo.
Portanto, essa fase da jornada que chamamos de ABC da espiritualidade, ou ainda, fase de cura e transformação da natureza inferior, envolve trazer para a consciência essas partes que negamos, essas partes de nós mesmos que não podemos chegar ainda a um acordo. Essa jornada de cura tem fases, e o primeiro estágio, o primeiro passo desse processo de cura, é a identificação dessas partes. Então, você vai seguindo os diversos passos até que entra nesse abismo de sentimentos negados, onde você tem que lidar com o medo, onde você tem que aprender a navegar nas águas turvas do mar do inferno do medo. Até que esses medos possam ser dissolvidos.
É verdade que esses medos encontram-se também em nível celular, e é verdade que, em determinado estágio do processo de cura, ocorre aí uma mutação celular. Mas existe um ponto que precisa ser mais bem compreendido aqui, que é a respeito de uma identificação muito profunda com este ‘eu’ que está assustado, sentindo medo. Então, se faz necessário agora aprofundar a observação, focalizar o observador, para identificar este ‘eu’ que está com medo. Se você pode observar o ‘eu’ que está com medo, verá o ‘eu’ que está dando passagem para o ‘eu’ do medo, porque é assim que funciona: um ‘eu’ inferior abre portas para outro ‘eu’ inferior e assim sucessivamente. Se você pode observar, já ganha distanciamento, se você pode observar, você já volta para seu centro de alguma maneira. Aí você já se sente mais seguro, se sente mais forte, porque toda essa desolação, todo esse desespero, todo esse sofrimento, é porque existe ainda identificação com o ‘eu’ que está sofrendo.
Nesse lugar você está próximo de um click, e esse ponto de virada está relacionado com a conscientização de que há alguém dentro de você escolhendo sofrer. E aqui cabe também compreender melhor outro ponto, que é a diferença entre sentimento negativos e destrutivos da intencionalidade negativa ou intencionalidade destrutiva. Durante uma fase do processo de cura, é muito importante você se conscientizar dos sentimentos negativos que passam por você; muito importante você reconhecer que é canal do sadomasoquismo.
E conforme você vai evoluindo, percebe que isso está relacionado com as dores criadas pelos choques que você viveu; o choque de humilhação, de exclusão, de abandono. E para se proteger, você criou um sistema de defesa, que é esse conjunto de sentimentos negativos. Tem pessoas que se defendem através da arrogância, da vaidade, da luxúria, da avareza, da gula, e assim sucessivamente. É importante, obviamente, você se conscientizar desse seu sistema de defesas e fazer a relação do porquê você precisou desenvolver esse sistema de defesa. Faz parte do processo de cura entrar em contato com essa dor primordial, chorar as lágrimas não derramadas, colocar a raiva para fora e etc. Mas não é suficiente para fazer com que você deixe de atuar nos sentimentos negativos, porque isso se tornou um vício, se tornou um hábito.
O que sustenta o hábito é a inconsciência a respeito de quem é você, no mais profundo, que escolhe ser canal desses sentimentos negativos; é você que escolhe segregar o veneno para se proteger. Talvez a percepção dessa escolha seja o um por cento que me referi há pouco. Enquanto você não toma consciência dessa intenção de soltar o veneno, você ainda se acredita uma vítima da negatividade, você ainda se acredita sem forças para fazer diferente. O que é também verdade, porque se você não pode se responsabilizar 100 por cento por essa atuação, ela ainda, realmente, pode te pegar.
Voltemos ao exemplo do ciúme. Perceba como é sutil, profundo e complexo esse ponto do processo. Ciúme é um impulso que te pega; é quase impossível deter essa atuação. Por isso, é muito difícil, até no plano dos conceitos, você acreditar que é uma escolha, então eu te convido a ir além dessa crença e se abrir para a possibilidade de, no mais profundo, existir em você uma voz que diz: “eu quero sentir ciúme”, “eu quero ficar separado”, “eu quero permanecer isolado”, “eu quero continuar nesse inferno”, “eu quero!”. E aí, cada qual tem suas razões para isso. Mas se você identifica esse general do mal dentro de você, poderá também compreender as razões dele. Se você o identifica, pode conhecer o plano dele, a estratégia dele, como é que ele está construindo a sua destruição, como ele está fazendo você cair repetidamente no mesmo buraco, como ele faz você entrar no vale da sombra e da morte. Isso para repetir uma cena, para reafirmar para o mundo que você é mesmo uma vítima indefesa, para poder continuar repetindo a cena.
Lembre-se que estamos lidando com complexos autônomos, esses ‘eus’ psicológicos têm vida, são como entidades psicoespirituais que nos habitam, e tudo que é vivo quer continuar vivendo. Sofrimento se alimenta de sofrimento, o ‘eu’ sofredor precisa gerar sofrimento para continuar existindo. Então, nesse ponto do processo, é de fundamental importância que você possa identificar esse general, esse ‘eu’ que está aferrado ao mal, esse ‘eu’ que escolhe agir de uma forma destrutiva, porque é esta identificação; ou, a identificação com este ‘eu’, com essa intencionalidade negativa que ainda não foi identificada, não foi vista, não foi descoberta, é que faz você se sentir cansado, desgastado e sem esperanças. A inconsciência a respeito dessa identificação faz você cair no vale do ceticismo; você não vê saída para você.
Mas, como eu disse no início, isso vai passar, porque não é a sua realidade final, não é você ainda. É apenas a identificação com um pequeno aspecto da sua personalidade que está escondido e você não enxergou. Eu nunca disse que a batalha seria fácil; acho que ninguém nunca disse isso. Em todos os textos sagrados que falam sobre esse processo de cura está escrito que é desafiador mesmo. O Ramayana o Baghavagita, todos os textos que falam sobre essa batalha interna, mostram que você não compra um palácio pelo preço de um barraco.
Pois é, encarnamos aqui, nesse planeta que chamamos de Terra, nessa fase tão escura da sua evolução, onde existem regras muito duras. Você nasce aqui querendo receber amor exclusivo, aí apanha até perceber que tudo aquilo que você mais quer está dentro de você. E você só vai ser amado quando estiver amando, abundantemente amando! Mas, por alguma razão, estamos todos aqui encarnados; estamos no campo e nos cabe jogar o jogo. Então, mesmo sendo bastante desafiador, é possível ganhar o jogo, é possível vencer a batalha, mas requer muita determinação, muita firmeza, muita compaixão com a própria sombra. É preciso ter a consciência de que você cai, levanta, cai levanta, até que um dia você amadureça o suficiente para não ter que cair mais. O que significa, basicamente, identificar essa intencionalidade negativa e escolher fazer diferente. Porque é só nesse ponto que você pode realmente transformar, você pode virar, escolher dizer Sim.
Enquanto você não identifica, mesmo, essa intencionalidade negativa, pode ficar fazendo mil observações, que é tudo bobagem, filosofia da hipocrisia. Você só empurra o Não cada vez mais para o subterrâneo do inconsciente. E esse ponto de virada da intencionalidade negativa para a intencionalidade positiva não é algo pelo qual você passa facilmente. Não quero criar uma crença em você a respeito disso. Estou fazendo uma leitura objetiva da realidade. Porque existe todo um comprometimento com a negatividade, mas a única maneira que a entidade consegue sentir prazer é em ser rejeitada, é em rejeitar Dependendo da dimensão da identificação, ela tenta. Eu vejo alguns tentando, com tudo que podem, se mover em direção a uma relação positiva, de amor, de aconchego, mas o tesão está lá na miséria.
Como é que quebra esse pacto com o mal? Conhecendo o contrato. Admitindo que foi você quem o assinou. Fez a procuração com o capeta e renova a procuração de tempos em tempos. É assim! (risos) Enquanto não reconhecer isso e não tiver coragem de rasgar o contrato, você está à mercê dessas forças. E quando começa a querer descobrir: “Ah, então quer dizer que tem um contrato e eu assinei o contrato?”, você começa a descobrir e a querer rasgar o contrato. Você tem que saber que a outra parte vai reclamar. Ainda mais ela, que se acostumou a trabalhar para você, se alimentar do seu pagamento. E seu pagamento é energia vital; você paga com vida, você paga com a sua alegria, com a sua liberdade, com a sua atenção. Então, nessa hora tem uma briga boa! Você tem que ter bons advogados (risos), bons seguranças, ou seja, firmeza na oração, pedir ajuda para os céus para te ajudar a vencer essa prova, firmeza no seu sadhana, firmeza na sua meditação. Mas nesse caso, especialmente na oração mesmo, é evocar o Eu divino que te habita para não te deixar cair mais uma vez nessa armadilha da natureza inferior.
E tem um tempo para isso. Em cada um isso age de um jeito, alguns vão precisar de semanas, outros meses, outros anos, outros algumas vidas para conseguir completar essa mudança de eixo, da intencionalidade negativa para a intencionalidade positiva, poder sustentar o coração aberto e aprender a não dar ouvidos ao mal dentro de você. Você até reconhece os convites, mas não os atende, até que chega uma hora em que não recebe mais convites. “Não tentarás o Senhor teu Deus. Não tentarás o senhor teu Deus.” Se puder dizer de verdade, o mal não te tenta mais.
Perceba como é importante conhecer o mal para não ser dominado por ele. Você deixa de temer o mal quando o conhece. E um dos aspectos mais difíceis do mal a ser compreendido, e consequentemente não temido, é, precisamente, o próprio medo. Não é a toa que é a oitava matriz do eu inferior; acima dele só está a mentira, que é o esquecimento de si mesmo.
Vamos continuar nossa jornada de cura e transformação, o que possibilita a lembrança de si mesmo.
Abençoado seja cada um de vocês. Que possamos transformar o mal em nós mesmos.
Até nosso próximo encontro.
Namaste.

Sri Prem Baba

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