ESTERILIZAÇÃO EM MASSA NA ÍNDIA : TRÊS IRMÃS E TRÊS DESTINOS


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Nandini segura um dos filhos de Rekha, ao lado de Anjani: irmã morreu após cirurgia de esterilização

Três irmãs e três destinos: esterilizações em massa na Índia matam 15


Há uma semana, a casa da família das irmãs indianas Anjani, Rekha e Nandini, no vilarejo de Amsena, a cerca de 17km da cidade de Bilaspur, estava em clima de festa pelo reencontro das três.
No sábado, Rekha, de 22 anos, submeteu-se a uma cirurgia de esterilização numa clínica do governo num vilarejo próximo dali, em Pendari. À noite, em casa, tomou o remédio que lhe fora indicado. Começou, então, a vomitar.
"Eu não sei como Rekha morreu", diz Anjani. "Assim que ela tomou a pílula, ela começou a vomitar".
Ao menos 15 mulheres morreram no Estado de Chhatisgarh após terem se submetido a cirurgias de esterilização em duas clínicas do governo.

Acredita-se que 83 mulheres teriam sido submetidas a operações desse tipo que, segundo moradores, foram realizadas por apenas um médico em apenas seis horas.
Rekha só chorava, diz Anjani. "Rekha dizia, 'Vou morrer. Não vou viver. Me salve, por favor, me leve ao médico'".
"Ela, então abraçou seu bebê de quatro meses, me entregou ele e pediu para que eu cuidasse dele".

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Anjani disse ter sido esterilizada há três anos e não enfrentou nenhuma complicação
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Nandini também deveria ter sido submetida à cirurgia, mas escapou após aviso da avó

Agentes de saúde disseram a Rekha que ter uma família grande não era bom, diz Anjani. "Eles disseram que é melhor ser esterilizada agora, com apenas dois filhos".
"Não entendo como isso aconteceu. Eu fiz essa mesma cirurgia três anos atrás e eu estou bem".
A outra irmã, Nandini, deveria ter ido com Rekha para fazer a mesma operação. Mas a avó disse que seria trabalhoso cuidar das duas ao mesmo tempo.
"Por isso eu não fui com a minha irmã. Eu também poderia ter morrido. Agora, após a tragédia, estou tão assustada que não posso nem pensar nessa operação, pelo menos nos próximos quatro ou cinco anos", disse Nandini.
"Só vou pensar na esterilização se eu tiver quatro ou sete bebês".
Ela disse que Rekha colocou o filho no seu colo e disse: "cuide dele até eu voltar".
Agora, as crianças serão criadas pela bisavó, já que a avó - mãe das irmãs - também já morreu.

Esterilização em massa de programa do governo provoca 11 mortes na Índia


Pacientes em Bilaspur
Outras 50 mulheres foram internadas após a cirurgia, sendo que 20 estão em estado grave

Ao menos 11 mulheres morreram após se submeterem a esterilizações durante uma campanha promovida pelo governo em Chhattisgarth, no centro da Índia.
Outras 50 estão foram parar no hospital local, no distrito de Bilaspur, sendo que ao menos 20 se encontram em estado grave.
Autoridades locais negam que houve negligência, mas quatro funcionários da área de saúde foram suspensos.
Campanhas de esterilização em massa são promovidas pelo governo indiano para tentar reduzir a população do país, que chega a 1,3 bilhão de habitantes e pode ultrapassar a da China em 2030.
A maioria dessas cirurgias é feita em mulheres – muitas delas são pobres e não poderiam pagar por uma laqueadura.
Segundo moradores, foram realizadas laqueaduras em 83 mulheres (entre 26 e 40 anos) em apenas seis horas. Apenas um médico e um assistente faziam as cirurgias.

'Condições horrendas'

As mulheres começaram a reclamar de dor e febre logo após serem operadas. Um parente de uma das mulheres disse que as condições na clínica eram "horrendas" e que não havia infraestrutura.
Investigações preliminares mostraram que as mortes foram causadas por infecção ou por hemorragia, de acordo com o vice-diretor de Saúde Amar Singh.
Correspondentes da BBC na Índia disseram que as vítimas eram de famílias muito pobres.
A decisão de se submeter a uma esterilização é voluntária, mas em alguns casos as mulheres são pressionadas pelos funcionários do governo.
Há relatos de que funcionários em Bilaspur receberam o equivalente a R$ 80 por cada paciente que levavam à clínica.
Esterilizações malfeitas não são novidade na Índia.
Em janeiro de 2012, três homens foram presos no estado de Bihar por operarem 53 mulheres em duas horas. Eles faziam as cirurgias em um campo e sem o uso de anestesia.

'Me sentia suja' - o tabu de menstruar na Índia


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Mitos associam menstruação à impureza e maldição feminina

"Nunca vou deixar minha filha sofrer como eu sofro quando fico menstruada. Minha família me trata como uma intocável", diz a indiana Manju Baluni, de 32 anos.
"Eu não posso ir à cozinha, não posso entrar no templo, não posso sentar com os outros", afirma a mãe de uma menina de 9 anos, moradora de um vilarejo distante em Uttarakhand, um estado montanhoso no norte da Índia.
No país, há geralmente um silêncio em torno da questão da saúde das mulheres - especialmente em torno da menstruação. Um tabu arraigado alimenta a criação de um mito risível em torno da menstruação: mulheres ficam impuras, imundas, doentes e até mesmo amaldiçoadas durante este período.


As pessoas acreditam que as mulheres menstruadas não devem tomar banho e que ficam anêmicas.
Um estudo recente realizado por um fabricante de absorventes descobriu que 75% das mulheres que vivem em cidades ainda compram os produtos envoltos em embalagens marrons ou jornais por causa da vergonha associada à menstruação.
Elas também quase nunca pedem a um homem para comprar absorventes.
Cresci em uma casa cheia de mulheres, mas a gente nunca discutia abertamente um dos ritos de passagem mais naturais do mundo.
Minha mãe costumava cortar lençóis velhos e esconder os pedaços em uma caixa, pronta para ser usada por suas quatro filhas.

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Mãe de uma menina de 9 anos, Manju diz que não deixará a menina sofrer por preconceito

O maior desafio era secar esses pedaços de pano. Tenho lembranças claras de me sentir tensa e preocupada com o processo.
Minhas irmãs me ensinaram o truque para manter aquelas tolhas manchadas sob outras roupas para que nenhum homem percebesse. Não podíamos arriscar colocá-las sob o sol para secar completamente.
O resultado era que elas nunca secavam completamente, deixando um fedor horrível. Essa toalha pouco higiênica era usada várias vezes.
A falta de água tornava o processo ainda mais difícil e pouco higiênico. E isso não mudou muito para a maioria das mulheres indianas.
Estudos recentes mostram que essa práticas constituem um perigoso risco para a saúde das mulheres.
Dados também mostram que uma em cada cinco garotas deixa a escola por causa da menstruação - são mais de 3 milhões de mulheres na Índia que deixaram as salas de aula.
Margdarshi, de 15 anos, ama ir à escola e nunca perde aulas - exceto no ano passado, quando ela quase desistiu de estudar após ficar menstruada pela primeira vez.

Indianas aprendem a esconder toalhas suja de menstruação de homens, conta Rupa Jha

"Me sinto envergonhada, brava e muito suja. Eu parei de ir à escola no início", conta. "Estou sendo com medo de que alguém perceba, que vaze", diz.
Ela quer ser médica e questiona por que os garotos da sua turma riem tanto na aula de biologia quando o professor explica a menstruação.
"Eu odeio isso. Queria que pudéssemos ser mais tranquilos e ficássemos confortáveis falando sobre isso. Todas as mulheres passam por isso, o que há de engraçado?"
Anshu Gupta, fundador da organização não governamental Goonj, acha que o problema é a questão ser tratada como um "assunto de mulher".
"Não é um problema de mulheres. É uma questão humana, mas acabamos isolando isso. Precisamos sair dessa cultura de vergonha e silêncio. Precisamos quebrar isso."
Tentando acabar com o silêncio em torno da questão, Goonj é um dos vários grupos que estão executando campanhas para educar as pessoas sobre a menstruação e os mitos em torno dela.
Ele funciona em 21 dos 30 Estados da Índia.
A organização também faz absorventes baratos a partir de panos reciclados para ajudar as 70% de mulheres indianas que não têm acesso a absorventes seguros e higiênicos.

Quebrando mitos

Outras iniciativas também estão tentando quebrar os tabus em torno da menstruação.

Credito: BBC
Diversos projetos usam panos reciclados para fazer absorventes

Menstrupedia, um site dirigido por quatro indianos, visa "estremecer os mitos e entendimentos que cercam a menstruação" e apresenta histórias em quadrinhos e guias simples sobre puberdade, menstruação e higiene. Ele recebe mais de 100 mil visitantes por mês.
Uma mulher que abandonou a escola no Estado indiano de Tamil Nadu foi uma dos primeiras a começar a fazer absorventes baratos usando máquinas simples.
Arunachalam Muruganatham diz que o absorvente tinha que "sair do armário".
É difícil ser uma mulher pobre na Índia, e isso não vai mudar tão cedo.
Mas, gradualmente, as mulheres começaram a assumir o controle de suas vidas. Muitas delas não ficam mais presas em casa durante a menstruação - eles podem optar por sair, trabalhar, ou continuar com seus estudos.
Mais importante, eles estão começando a falar sobre isso. Sem vergonha.
Entre os dias 27 e 29 de outubro, a BBC promoveu o debate "100 Women", que reúniu 100 mulheres que tiveram destaque em suas áreas. O projeto traz uma série de reportagens mostrando a vida de diferentes mulheres pelo mundo. Participe do debate no Facebook e no Twitter usando a hashtag #100Women.

Estado da Índia oferece prêmios a casais que aceitarem esterilização


Casal examina Tata Nano em concessionária da Índia (AP)
Autoridades de saúde do Estado indiano do Rajastão, no oeste do país, lançaram uma campanha na qual oferecem prêmios a casais que se submeterem a um procedimento de esterilização.
Para tentar reduzir as altas taxas de natalidade, as autoridades estão estimulando homens e mulheres a se submeter às cirurgias de forma voluntária. Em troca, eles podem participar de uma loteria que sorteia carros, motos, aparelhos de televisão, entre outros prêmios.
Entre os prêmios oferecidos está o Tata Nano, o carro mais barato do mundo.
O chefe do setor médico de Jhunjunu, Sitaram Sharma, espera que estes prêmios possam levar pelo menos 20 mil homens e mulheres a fazer a esterilização.
E a oferta não está aberta apenas a moradores da região, todos os indianos poderão ir até o Estado para fazer o procedimento e ganhar os prêmios.
Segundo o correspondente da BBC em Nova Déli Mark Dummett, muitos no governo indiano temem o aumento da população do país, que deve ultrapassar a população da China em 2030.
Outras regiões também já ofereceram incentivos para casais que se oferecem para o procedimento de esterilização.
A Índia já tentou fazer campanhas de esterilização. Uma destas campanhas, nos anos 70, teve que se encerrada depois de reclamações de que milhares de homens e mulheres tinham sido obrigados a fazer o procedimento.
Fonte:http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/11/141112_india_esterilizacoes_hb

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