SOBRE A TOXICOMANIA E A PSICANÁLISE : O SUJEITO ADICTO NA CLÍNICA E AS INTERVENÇÕES - RONEY ARGEU MORAES

Sobre A Toxicomania e Psicanálise: O Sujeito Adicto na Clínica e as Intervenções



Resumo: Segundo artigo “Psicanálise: A mente segundo a teoria de Sigmund Freud” (Noções básicas de Psicanálise - Charles Brenner - Editora Imago 5ª Edição), o método se popularizou de tal forma que suas teorias são, muitas vezes, veiculadas de modo errôneo, como tudo que passa por um processo de grande divulgação, em especial numa sociedade de massas como a nossa. Assim, é preciso esclarecer o significado dessa expressão. O que é psicanálise? Em primeiro lugar, uma teoria que pretende explicar o funcionamento da mente humana. Além disso, a partir dessa explicação, ela se transforma num método de tratamento de diversos transtornos mentais. Há uma dificuldade do público leigo em diferenciar os profissionais psi. A princípio, mesmo que outros utilizem teoricamente o termo, o psicanalista é o único terapeuta que trabalha considerando a presença e ação do Inconsciente. E para fazer um curso de formação, na maioria das escolas, bem como ser membro Pesquisador ou Profissional, o candidato tem que ter nível superior, além da formação em Psicanálise, que dura cerca de dois anos. Porém, a Psicanálise não se resume ao consultório. Pretendo, nesta tese, apresentar situações em que a Teoria Psicanalítica pode ser utilizada e adequada a cada situação, inclusive, que foge às quatro paredes da clínica.A vida diária é tão complexa quanto o inconsciente, portanto, para cada ato encontramos respostas na Psicanálise, obtendo assim um diálogo com a Filosofia. Pensar e agir conforme a Teoria Psicanalítica pode ser a chave para grandes questões e paradigmas que afligem o ser humano nos tempos atuais. O problema com a drogadicção é amplamente dissertado na tese e ainda pontuo situações onde o poder público não se faz eficaz e o que deveria fazer com relação à dependência química. A internação de curta duração é um caminho viável.
Palavras-chave: Teoria, Psicanálise, Terapia, Toxicomania, Educação.

1. Introdução

O que a psicanálise pode fazer para combater esse “mal” contemporâneo? O profissional logo transforma em patologia a obsessão e compulsão. Sintomas que levam o indivíduo a usar substâncias psicoativas ou ter outros males como consumo exagerado, anorexia, bulimia, obesidade mórbida e, fatalmente, a toxicomania.
Santiago (2001) postula que a toxicomania, sob o ponto de vista psicanalítico, é efeito de um discurso. No quadro delineado pela psiquiatria parece não existir sujeito em questão, contudo, algo que resulta de uma determinada e bastante específica influência mútua entre o organismo e ambientes distintos. Diante de tal configuração, torna-se viável a leitura da toxicomania segundo uma maneira discursiva, catalogada à operação realizada pela ciência moderna relativo à descoberta e ao concomitante rechaçamento do próprio indivíduo, o olhar que a psicanálise lança para o fenômeno traz o convite para verificar a plausibilidade da inclusão do mesmo no próprio campo psicanalítico (GIANESI, 2012).
Esse é um sintoma do homem moderno, que por estar imerso no discurso capitalista, buscaria sua forma particular de obter a satisfação. O individualismo, estresse e outras complicações do cotidiano fazem com que o indivíduo busque adequação no modismo ou um escapismo que o leva a fugir da realidade em que vive e as drogas são ótimas nesse sentido.
Segundo Nogueira (1999, p. 14)
“o toxicômano é um desistente do jogo de linguagem, é um desistente da simbolização. O toxicômano é aquele que encontrou um meio (a droga) para o prazer que aniquila, com o passar do tempo, o próprio prazer.Assim, dentro desse discurso é oferecida uma “prótese imaginária”, mantendo-os identificados a um significante – “eu sou alcoólatra, dependente de...”, frequentemente observados em suas falas. Os sujeitos ficam identificados no lugar de objeto e não ao lugar de objeto-causa, permanecendo atados ao seu “parceiro-sintoma”.
Ao discorrer com Freud (1930) em um mais além, pode-se sugerir que os sujeitos, quando incluem essas experiências em seus dizeres na análise, estão tentando lidar com sua já instituída relação com o mal-estar, com o gozo fálico e, portanto, com a castração.
A particularidade de cada sujeito é descartada e os afetados tornam-se apenas portadores de uma “doença incurável”, onde os tipos de drogas utilizadas são hipervalorizadas, classificando-os pelo uso, abuso ou dependência. Nesse campo, de tratamento convencional, a cura passa primeiramente pela exigência da abstinência e, em seguida, pela introdução de medicamentos e orientações dentro do enfoque comportamental e cognitivo.
Lacan (1998) estabelece uma concisa relação entre a repetição, o saber e o gozo. Acompanhando e ordenando as repetições está um saber, meio de gozo. Quanto a esta menção ao saber, diz-se que assim se chama o conjunto dos significantes que se repercutem e reedita, de modo não semelhante, o reprimido. Toda a vida dos indivíduos, por meio dos sintomas, de outras constituições do inconsciente e da estrutura do fantasma, está ordenada por esse saber que trabalha em cada um.
A seu modo a psicanálise demonstra que pelo inconsciente existe tendência à repetição. A repetição relaciona-se à falta, e, portanto, ao objeto. Na repetição o sujeito castrado busca o domínio da ausência. Porém, também é característico da repetição o fracasso da tentativa de reencontrar o perdido. Assim, a psicanálise diz que não há repetição total. A repetição não é uma reprodução (GIANESI, 2012).
Os toxicômanos, por sua vez, não se apresentam à clínica, divididos e desejosos de saber sobre o seu “mal”, sedentos por uma interpretação. Desejam apenas amenizar a angústia e, talvez, aprender a fazer algo com seu corpo devastado por essa forma de prazer além de manejar a castração.
Assim, no campo da toxicomania, caracterizada pela atuação dos sujeitos, exigiria, também, um ato por parte dos psicanalistas que, ao assumirem a posição de analista, ofereceriam um lugar para o particular (o Ser) de cada sujeito.
Leite (2000, p.56) diz que “para a psicanálise, o sintoma só existe quando falado pelo paciente e, portanto tem como paradigma o ato-falho”. Isto se dá pelo fato porque está estruturado como uma linguagem, também em termos de significante e significado, o sintoma caracteriza o signo. Não é aquilo que aparece no concreto e pode ser observado de imediato. Como metáfora, altera a maneira da língua, modifica de valor e sentido, assume diferentes formas; ressignifica-se ao longo do tempo, embora sempre se relacione com a castração.
Conforme Nogueira (p. 84, 1999):
“A paixão pelo gozo, primário e fundamental, des-situa o significante e o sujeito e faz com que este ser embriagado e enamorado procure um tratamento apenas quando a ilusão na qual acredita com enlevo a devoção prega-lhe algumas peças. E, quando procura, procura com a esperança de que o significante e o sujeito continuem quietos. A luta pelo bem-estar do toxicômano é, paradoxalmente, nada mais que a luta para o mal-estar na civilização seja reconhecido e que o gozo do corpo possa receber algum obstáculo. É, portanto, uma batalha contra o prazer sem mediação, o prazer com o qual todos devaneiam”.
O que é comum para todos os toxicômanos é que no lugar do objeto de desejo (que é simbólico e faz parte de uma eterna busca...) eles o substituem pelo objeto de necessidade. Estes são imperativos. O objeto de necessidade é aquele no qual o dependente é escravo.
De acordo com Nunes (1999) a droga seria como uma tentativa de preencher a falta Simbólica do sujeito. A instalação da falta Simbólica introduz, no sujeito, a possibilidade inconsciente de almejar, o que rompe com uma idéia de completude. Consistindo em qual for o objeto, ele não restaura essa falta. Para o sujeito toxicômano, a falta inaugural não é passível de metaforização ao ser inscrita no Simbólico. Ela atende à cobrança de um recobrimento Real, de um objeto, como a droga, para na fantasia de preencher a falta, restaurar uma completude imaginária, evidenciando sua própria vivência.
Costa (2004) complementa destacando que o toxicômano procura repor a incompletude com objetos idealizados; tenta defender-se da ansiedade com um objeto postiço. As drogas instituem uma promessa irrecusável de tapar esse buraco, impreenchível. É a falta significante, pela castração, que permite o sujeito dessa necessidade postiça de completude.
No toxicômano, tal procura de completude nos objetos (como as drogas) se reproduzirá infinitamente, na ansiedade do indivíduo para localizar o objeto que a causa. Essa busca totalizada escusa o falante de confrontar-se com o desejo, isto é, o que ele não almeja é, justamente, pagar o preço da castração (COSTA, 2004).
As colocações de Conte (2001) vão ao encontro destas ideias. Quando o bebê distingue-se da mãe pela intervenção da função paterna, esta separação provoca-lhe uma falta, que funcionará como castração simbólica. É a falta que consente que apareça o desejo. A droga desempenha, então, uma função na vida psíquica, como diz Conte (2001), de anteparo à castração. Ela é utilizada, para que o indivíduo não se encontre com a falta.
A impulsividade de ter alguma coisa produz um vazio e este a adesão aos baratos. Tudo fica chato. Então a pergunta é: “o que é que me falta que eu preciso estar grudado o tempo todo nesse objeto que me complete?”
O toxicômano, com a ajuda da psicanálise, teria que chegar a entender que o que lhe falta não é a droga, mas algo que carece a todo o ser humano. Desde o nascimento somos faltantes de alguma coisa. E essa necessidade de busca, mesmo inconsciente, é que nos faz pensarmos, conversarmos, criarmos e aprendermos a lidar com a dor de viver.
Freud (1930) traz a definição do uso de drogas como sendo uma tentativa de suspensão da existência frente à dor de viver. A cada desequilíbrio, as substâncias tóxicas atuariam como um amparo contra a aflição. A intoxicação seria um modo de aguentar o mal estar necessário imposto ao ser humano que existe em uma determinada civilização.
Torossian (2004) coloca que o psicanalista não trata a dependência química, contudo trata de um sujeito que sofre de toxicomania. As correntes que aderente a incurabilidade assinalam para a cronicidade do sintoma. Na maioria das vezes, nas toxicomanias tem-se um desenvolvimento sintomático, no qual existe uma cristalização da posição do indivíduo numa relação de exclusividade com a droga. Dando ênfase às demandas do sujeito é imaginável o alheamento do paradigma da dependência química, para ponderar a relação do sujeito com o tóxico.
Não se considera qualquer consumo de drogas como toxicomania. As toxicomanias se edificam enquanto sintoma quando o sujeito entra em uma relação tóxica com a droga, isto é, quando sua ingestão passa a ser saída para seus conflitos psíquicos (TOROSSIAN, 2004).
Nesse sentido, o processo de cura aposta numa mudança de posição subjetiva, no qual o analista precisa abster-se de sugerir qual a melhor saída para o sujeito. Diferentemente de outras correntes, para a psicanálise, a recomendação de cura não significa abstinência ou não-abstinência, porém sim a escuta do desejo inconsciente (TOROSSIAN, 2004).
De acordo com Conte (2001) existem dois modos distintos de conceber a toxicomania, que falam da posição subjetiva do toxicômano: pela lógica da suplência, referindo-se às toxicomanias mais graves e pela lógica do suplemento, associada às menos graves.
O papel da toxicomania de suplência é funcionar como prótese do interesse simbólico, resistindo à invasão do Outro. Este tipo de toxicomania demanda um trabalho de costura, que consinta a construção de um eu, de um objeto e de um endereçamento ao Outro.
Segundo Conte (2001), nessas toxicomanias o uso de drogas toma um espaço de manutenção de um possível Sinthoma. O tóxico (sinthoma) entra como suplência na falta do quarto elo do Real, Simbólico, Imaginário. Com isso, qualquer intervenção realizada necessita cuidar para não diluir a função da toxicomania antes que alguma coisa possa articular-se no lugar.
A orientação para a abstinência poderia causar tal desestruturação, induzindo a uma crise ou a um surto. Como nessas toxicomanias o “tóxico” beneficia uma entrega integral do sujeito ao Outro, só é possível sugerir uma troca da droga via transferência (CONTE, 2001).
Por isso a psicoterapia é mais indicada para o tratamento que qualquer medicação, pois atua nos valores pessoais, na filosofia de vida de cada um, resolvem os conflitos e modificam a postura do indivíduo perante a droga. Tudo isso favorece o entendimento do vício, de modo que o dependente tenha forças para enfrenta e solucionar a questão. Mesmo quando o tratamento é biológico (internação para desintoxicação), a ajuda das terapias psicológicas é importantíssima para que a pessoa compreenda tudo o que está acontecendo com ela.
Considerando o sujeito toxicômano, dependendo do tempo de uso da substância psicoativa, uma intervenção mais severa é o adequado. Ineficazes são as práticas adotadas hoje em Caps/ad, onde o sujeito não é assistido no período crítico de risco após às 18h00. Algumas unidades funcionam 24 horas, porém não são suficientes para uma real eficácia no tratamento. A internação de curta temporada seria o caminho mais adequado, nos moldes do novo modelo de cuidados mentais, entre 30 a 90 dias.
Torna-se necessário para embasar a ineficácia do Caps/ad o trabalho de campo em dependentes assistidos pela unidade em Cachoeiro de Itapemirim-ES. Oito em cada dez usuários continuam abusando de drogas mesmo durante o tratamento nas unidades.
Em entrevista realizada no bairro Coramara, em Cachoeiro de Itapemirim-ES, no dia 07 de agosto de 2013, quatro dependentes químicos, um do sexo feminino e três masculinos, integrantes do programa, afirmaram que participam das oficinas, terapias e alimentação durante o dia, porém, após saírem do Caps, continuam usando álcool e drogas ilícitas.
Outro exemplo de colaboração do poder público, mesmo que indiretamente, para o aumento dos usuários de substâncias psicoativas estão no abandono de obras que seriam utilizadas para o tratamento.
Em matéria publicada no jornal Espírito Santo de Fato na edição de 01 de outubro assinada pela jornalista Beatriz Caliman diz que o Centro de Tratamento ao Toxicômano (CTT) em Marataízes tinha a proposta de transformar o balneário em referência no atendimento à dependência de drogas no Espírito Santo. A obra começou em 2010, mas, antes de ser concluída, foi paralisada.
“Orçada em mais de R$ 1,2 milhão, a construção do CTT ofertaria, além de tratamento ao paciente dependente químico, atividades terapêuticas, lúdicas, esportivas e até de geração de renda. Porém, denunciam moradores, o abandono teve efeito contrário e o local passou a ser ponto de usuários de drogas”.
O que deixa a população ainda mais revoltada é a localização da obra. Erguida em terreno de quase mil metros quadrados, a estrutura fica ao lado do Ministério Público e atrás do Fórum.
A construção era realizada pela Prefeitura de Marataízes, em parceria com o governo do Estado. Mas, a falta de dinheiro teria provocado a sua paralisação. A reportagem entrou em contato com a assessoria de comunicação da Prefeitura, mas não obteve retorno até o fechamento da matéria.
No tratamento é essencial uma ressignificação da história particular, e não somente a oferta camuflada de um novo sistema de valores. Essa ressignificação induzirá a uma nova posição do sujeito na palavra e à instauração de novos trajetos simbólicos (CONTE, 2001).
Para concluir a respeito da paradoxal questão da autodestruição versus tentativa de autoconservação na toxicomania, Nunes (1999) diz que o toxicômano ao proferir “não posso viver sem a droga”, constitui uma relação, pela cadeia discursiva, na qual há uma impossibilidade da experiência de privação ou de abstinência da droga, pois, o objeto ao produzir o indivíduo por identificação, na sua falta, elimina-o.
O temor de que esteja ocorrendo um retorno aos antigos manicômios, proibidos pela Lei de Saúde Mental (10.216), sancionada em 2001, por alguns especialistas é um retrocesso às novas políticas públicas sobre drogas.
Para alguns profissionais da área, o anúncio do financiamento governamental às Comunidades Terapêuticas (CT’s) vai contra as diretrizes já consolidadas, porque as CT’s funcionam com isolamento do indivíduo, ou seja, contrário às normas do Sistema Único de Saúde (SUS), da Política de Atenção Integral ao Usuário de Drogas e outros.
Essa conclusão é baseada em visitas a centros de recuperação sem nenhuma estrutura e equipe técnica qualificada que, de fato, usam o nome “comunidade terapêutica” como fantasia, mas, na verdade, são clínicas sem qualquer condição de reabilitar ninguém, muito menos manter seu funcionamento. Felizmente há pessoas e entidades sérias trabalhando para que os resultados terapêuticos sejam positivos e, por isso, merecem sim financiamento do governo.
Ao contrário do que pensam esses “especialistas”, há comunidades terapêuticas que promovem o convívio social por meio da reinserção. Claro que estou falando de CT's para adultos. Um período curto de reclusão (no máximo três meses), mas com visitas familiares, é necessário em alguns casos, pois cada indivíduo apresenta um quadro único da dependência, embora conviva com outros.
No caso dos adolescentes, e da internação compulsória, é mais complicado. Uma nova forma de atuação deve ser debatida entre a sociedade e poder público. Não acredito em repressão, mas a educação de verdade deve ser severa em casos mais graves, quando o menor já começa a praticar delitos para manter o vício.
A comunidade terapêutica, no molde que acho eficaz, não é prisão, muito menos manicômio. O residente tem a liberdade de desistir do tratamento quando quiser, mas se continuar e conseguir passar pela Síndrome de Abstinência, já entra automaticamente no processo de reintegração em participação de grupos de autoajuda com a presença da família.
Para repassar dinheiro público às CT’s, o governo decidiu, em 2011, revogar a Resolução 101/2001 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que estabelecia regras mínimas a serem seguidas pelas unidades de tratamento. A decisão de cassar a resolução visa atender à nova perspectiva de acolhimento das comunidades e incluir no quadro de entidades financiadas com recursos do governo aquelas que tinham “dificuldades” de infraestrutura e de equipe técnica. Decisão acertada.
Posteriormente, a Anvisa publicou uma norma para que um profissional de nível superior seja responsável técnico, sem que ele seja necessariamente da área de saúde, para ajudar na organização das comunidades terapêuticas, grande parte delas mantida por voluntários. Claro que quem presta este serviço logo busca capacitação, sem o qual não teria condições de ser responsável por uma entidade que cuide de dependentes químicos.
“O movimento da Reforma Psiquiátrica, iniciado no final dos anos de 1970, resultou na aprovação da Lei de Saúde Mental, que há dez anos prevê o tratamento aberto, com convívio comunitário, sem o isolamento (Artigo ‘Modelo Adotado em Comunidades Terapêuticas pode Significar volta aos Manicômios, segundo Especialistas’ - newspsicologado.com - publicado em 29 de agosto de 2012)”. Por isso a presença da comunidade (associação de moradores, igrejas, sindicatos e outros) onde está inserida a CT é fundamental até para amparar legalmente a instituição, além de manter o dependente no convívio social tanto enfatizado pelos críticos.
Pessoas que sucumbiram ao crack não conseguem largar o vício deixando doente, não só o dependente, mas toda a família. Sozinhos, os dependentes, muitas vezes, não têm forças para buscarem tratamento e, quando tentam, a grande maioria abandona por causa da abstinência.
Casos de familiares que, no desespero, tentam de várias formas “ajudar” seus entes queridos são frequentes hoje. Para se livrarem do “problema” ou o abandonam ou, literalmente, jogam o parente em qualquer lugar, como em clínicas para tratamento de doenças mentais. Não saber lidar com o dependente é uma falta de cultura e habilidade que deve ser superada com esforço e paciência.
Para isso, vale ressaltar, a importância na participação dos familiares nos grupos de autoajuda, como Alcoólicos Anônimos, Pastoral da Sobriedade, Amor Exigente, Narcóticos Anônimos, dentre outros. Isso se realmente quiserem ajudar. Além disso, prisão domiciliar e vigilância exacerbada com ameaças sem a devida orientação de um profissional só agrava o problema.
Quanto às pessoas que já foram abandonadas pelos amigos, pais, irmãos e outros. A situação é mais problemática. No momento, nesse e em qualquer outro caso, sou contra a internação compulsória e involuntária pelo simples fato de que nenhum desses lugares que propõem essa medida extrema (São Paulo, Rio de Janeiro e agora Vila Velha) estão preparados para receberem os andarilhos das cracolândias. A coisa não é tão simples quanto parece.
É mais lógico e razoável a construção e manutenção das clínicas e comunidades terapêuticas espalhadas pelo país. Aí sim não seria hipócrita em não concordar com a internação contra a vontade de um indivíduo que está doente. Enquanto isso não acontece, medidas repressoras são arbitrariamente tomadas pelos familiares e, agora, pelo poder público. 90% dos que são retirados à força das ruas voltam a usarem a droga.
Em artigo publicado na sua página pessoal, o reconhecido médico Drauzio Varela relata sua experiência com trabalho em dependentes químicos e garante que o uso da droga ilícita é modismo: vem e passa. Mesmo assim ele concorda com a internação compulsória.
Para ele, a cocaína não é tão aditiva como muitos pensam:
“se o usuário não tiver acesso a ela, nem aos locais em que a consumia, nem entrar em contato com companheiros sob o efeito dela, nada acontece. Ao contrário, a simples visão da droga faz disparar o coração, provoca cólicas intestinais, náuseas e desespero”.

2. Pesquisa Sobre Crack

O Ministério da Justiça e Fiocruz divulgaram, em 2013, resultado da maior pesquisa sobre crack no mundo feita nas capitais brasileiras. O resultado é alarmante. “Os usuários regulares de crack e/ou de formas similares de cocaína fumada (pasta-base, merla e oxi) somam 370 mil pessoas nas 26 capitais brasileiras e no Distrito Federal”, segundo reporta a Agência Brasil.
Em relação aos locais de consumo da droga, o estudo identificou que oito em cada dez usuários usam crack em espaços públicos. O dependente que chega ao estágio de 'banalização' do uso não consegue, por si, procurar ajuda. Deve haver um programa de intervenção para o tratamento. Intervenção não significa repressão, muito menos prevenção. É algo mais profundo. O problema é sério. Não dá mais para ficar apenas no debate.
Não há tempo para a mesmice, para mais uma longa e interminável discussão. O problema do abuso e, consequentemente, a dependência é complexo. O que leva um sujeito à toxicomania? Esta é a questão que se deve debater no meio acadêmico ou fora dele. O que for além ou fora disso é conversa para boi dormir.
É importante saber que “apesar de o recurso às drogas ser universal, o modo como cada sujeito delas faz uso é singular, o que explica alguns se tornarem dependentes e outros não. Assim, a configuração da toxicomania remete a aspectos da subjetividade e da constituição psíquica de cada um”, diz a pesquisadora Sidineia Aparecida Pizzeti em artigo publicado no site Psicologado.
As drogas atuam como uma nova forma de responder ao sofrimento. O toxicômano é aquele que não quer saber, que não se submete a nenhum interdito, que se inscreve em um mais-de-gozar absoluto.  Outro problema está na negação do sujeito. Quando chega à clínica ele mesmo diz “sou drogado”, e agora?  Talvez, de acordo com Sidineia, haja que lhe dar todo seu valor. Quem sabe na experiência analítica seja importante perguntar menos pela toxicomania que pela droga em sua relação com o sujeito?
Pego carona no estudo da terapeuta que finda o artigo da seguinte forma: “vem vamos embora que esperar não é saber, quem sabe faz a hora não espera acontecer”, Geraldo Vandré.
Uma opinião formada sobre o assunto seria, no mínimo, irresponsabilidade neste momento, mas hoje, infelizmente, o Brasil não está preparado para tratar seus doentes. Quer mostrar ruas limpas, sem mendigos, pedintes e viciados para o mundo, sem, ao menos, ter a preocupação de tratá-los adequadamente.
Cabe salientar que "nada é tão difícil para o homem quanto abdicar de um prazer que já experimentou", Freud. E notamos que há esforços do poder público em promover centros especializados para tratamento de dependentes químicos, mas que ainda não são tão eficazes quanto o trabalho realizado por entidades filantrópicas e sem apoio governamental. A pesquisa também se embasa na teoria psicanalítica para entender o “mundo toxicômano”.

3. Conclusão

De acordo com a experiência, pesquisa de campo e bibliográfica. Posso concluir que a Teoria Psicanalítica pode ser empregada em qualquer situação que se faça necessária a profundidade e olhar diferenciado sobre determinado tema.
Na toxicomania e até no dia-a-dia, a psicanálise pode ser utilizada como forma de pensamento crítico e ponte para uma possível solução de situação problemática. Apontei neste trabalho inúmeros momentos em que a Teoria Psicanalítica serve como base para esclarecimento científico, usual ou corriqueiro fora do ambiente da clínica. É por meio da psicanálise que sabemos as drogas atuam como uma nova forma de responder ao sofrimento. Enfim, este trabalho consistiu em argumentar que a Psicanálise está em todo lugar e, como o inconsciente, é muito maior do que todos imaginam.

Sobre o Autor:

Roney Argeu Moraes - Psicanalista, jornalista, presidente da Associação Psicana-lítica do Estado do Espírito Santo (Apees), discente do curso de Psicologia da Unes Faculdade Espírito Santo. E-mail para contato: roneyamoraes@gmail.com

Referências:

Freud, S. A Psicoterapia da Histeria. In: Breuer, J.; Freud, S. Estudos sobre a Histeria [1895a]. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas. Rio de Janeiro: Imago,1987. v. II.
Santiago, J. (2001). A droga do toxicômano: uma parceria cínica na era da ciência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.
Durval Mazzei Nogueira Filho, & Manoel Tosta Berlinck. (1999).Toxicomanias (1a ed). São Paulo: Escuta.
Beneti A et al. Sobre as toxicomanias e o tratamento do toxicômano. Em: ANDRADE, C. S. (Org.), Subversão do sujeito na clínica das toxicomanias. Belo Horizonte: CMT, 1996.
Freud S. (1930). O mal-estar na civilização. Em: Obras Completas, vol XXI. Rio de Janeiro: Imago, 1980.
Lacan J. Jornadas de estudio de los carteles. Escuela Freudiana de Paris, Biblioteca de Psicoanálisis Oscar Masotta, 1975.

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