POR QUE DEVEMOS ADORAR A DEUS COM AMOR E VERDADE

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Por Que Devemos Adorar a Deus com Amor e Verdade: Uma Resposta Vaishnava à Brochura Testemunha de Jeová sobre o Hinduísmo

Bhagavan Dasa

Uma busca filosófica é estabelecida pelas Testemunhas de Jeová para determinar qual escritura registra a verdadeira revelação de Deus. Em sete fatores, contrastam a Bíblia e as escrituras hindus e concluem que a Bíblia é genuína e integralmente inspirada por Deus, ao passo que as escrituras sagradas da Índia ficam aquém disso, apesar da sinceridade dos buscadores indianos. Estarão certos em relação ao hinduísmo? Mais especificamente, suas críticas recaem sobre o vaishnavismo? A Bíblia realmente é a revelação que melhor atende os sete fatores estabelecidos pelas próprias Testemunhas de Jeová para averiguação de uma obra como legitimamente divina? Investiguemos.

Foi com prazer que li a brochura publicada pelas Testemunhas de Jeová Por Que Devemos Adorar a Deus com Amor e Verdade, das editoras Watchtower Bible and Tract Sociedade of New York e Associação Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, São Paulo, publicada no ano 2000[1].
capa
Capa original, em inglês, da brochura Testemunha de Jeová sob análise.
Diferentemente de alguns correligionários meus que conheço, não tomei como uma afronta o presente de uma brochura que eu pensava – acertadamente – ter por conteúdo a invalidação de minha crença e exaltação da Bíblia, por dois motivos. O primeiro porque já leitor das publicações Testemunhas de Jeová, sabia que não seria um texto com argumentação meramente teológica ou dogmática, mas teria algum fio condutor filosófico, o que permite um debate são. O segundo porque desenvolvi a postura de tentar entender se um ato é de amor ou violência tomando os pressupostos de quem faz o ato e não os meus. Por exemplo, se alguém me diz que devo abandonar minha dieta vegetariana por ter o pressuposto de que adoecerei, isso é um ato de amor, mesmo que, a partir do meu pressuposto, o consumo de carne e outros produtos de origem animal seja um fator de risco para câncer e outras doenças. Da mesma forma, do meu ponto de vista, o abandono de minha crença seria um afastamento de Deus, mas se, do ponto de vista do outro, isso é aproximar-me de Deus, sua tentativa de converter-me é um ato de amor, ao menos em intenção. Portanto, aceito como um ato de amor e convite à filosofia a publicação Testemunha de Jeová que agora respondo.
Conteúdo Introdutório
A brochura começa expondo que os pensadores que aparecem nas escrituras antigas da Índia, como o Brahma Purana, não são pessoas sem sinceridade que adoraram falsos deuses, ídolos etc. por malícia ou rejeitando o Deus verdadeiro depois de tê-lO conhecido, mas são, antes, pessoas cuja sinceridade podemos asseverar por seus questionamentos a expressarem a busca por uma Divindade única, “o deus dos deuses”. O conteúdo introdutório também expõe que alguns desses pensadores fundamentais das religiões da Índia antiga concordavam no amor a Deus como a meta última e no entendimento de que se agrada a Deus obedecendo-Lhe, e não Lhe oferecendo coisas que já Lhe pertencem. (p. 3-4)
Com tudo isso concordamos nós vaishnavas, que temos por base para nossa teologia as obras Bhagavad-gita e Bhagavata Purana[2] (a segunda, também conhecida como Srimad-Bhagavatam). No Bhagavad-gita, Krishna é tratado como Deus dos deuses duas vezes, nos versos 10.15 (deva-deva) e 11.13 (deva-devasya). Inclusive, a palavra Deus vem do sânscrito, a língua do Bhagavad-gita e do Bhagavata Purana. “Deus” vem do sânscrito deva, assim como a palavra “divino” vem do sânscrito divya. Krishna, o deva-deva, Deus dos deuses, exige a adoração exclusiva (eka) para Si (bhagavad-gita 18.66) e com entrega completa: “Pensa sempre em Mim e converte-te em Meu devoto. Adora-Me e oferece-Me tuas homenagens. Assim, virás a Mim impreterivelmente. Eu te prometo isso porque és Meu amigo muito querido”. E em Bhagavad-gita 9.26, Krishna diz que qualquer oferenda de flor ou algo similar feita a Ele é meramente simbólica, sendo-Lhe importante apenas o “amor e devoção” (bhaktya bhakti-upahritam), pois, como diz em diversos momentos, Ele é “o senhor de tudo o que existe” (bhuta-mahesvara).
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O Bhagavad-gita, diferentemente de outras obras da Índia antiga, é conclusivo nos assuntos que aborda e traz apenas a opinião de Krishna.
Nossa intenção ao citar os versos acima não é dizer que Krishna é o Deus verdadeiro e Jeová o falso. Nossa intenção ficará clara mais adiante.
Primeiras Problematizações
“Será que nossa própria pessoa nos revela a verdade?” (p.4) é o primeiro problema exposto na busca de quem é Deus e de como adorá-lO. Por “nossa própria pessoa”, os responsáveis pela brochura se referiam à prática da meditação ióguica e canto de mantras.
O canto de mantras não recebeu uma apropriada divisão dos tipos de mantras, o que é muito importante. Há mantras com fins encantatórios, como é comum no Yajur Veda, e há mantras que nada são senão louvores à semelhança dos louvores cristãos porém em sânscrito. Alguns mantras dessa segunda categoria são: “Jaya Jagannatha” e “Om Namo Narayanaya”, que significam, respectivamente, “Todas as glórias [jaya] ao Senhor [natha] do Universo [jagat]” e “Respeitosas reverências [om namah] àquele que é o sustentador [ayana] da humanidade [nara]”. Deste modo, não é possível dizer que o canto de mantras é uma busca pessoal, pois os mantras de culto ou adoração têm por fim receber a misericórdia de Deus mediante o louvor para que Ele Se revele.
Back to Godhead - Volume 12, Number 10 - 1977
A.C. Bhaktivedanta Swami Prabhupada entrega a um recém-iniciado seu jogo de contas, no qual o iniciado promete cantar o mantra Hare Krishna, cuja tradução é: “Ó Senhor Supremo e Sua energia, por favor, ocupai-me a Vosso serviço”.
Uma tentativa de descreditar até mesmo os mantras de adoração a Deus, como o canto de Seus nomes e hinos, é feita em um quadro com a seguinte citação:
Não devemos confundir o gauni bacti [gauni-bhakti, o bhakti misturado com os gunas] com os mesmos rituais, como a repetição dos nomes de Deus, dos hinos, das orações e do culto prestado pelos seguidores do Caminho do Desejo… Eles querem algo tangível em troca do culto que prestam. O amor não pode desenvolver-se por meio desse tipo de transação.
Parece que os autores da brochura não entenderam que esse dizer está dizendo que existe um tipo de bhakti que é contaminado [gauni]. Logo, se existe bhakti, ou devoção, contaminada por gunas, que produzem os desejos de obtenção de coisas tangíveis, tem de existir bhakti pura, que se chama, em sânscrito, de shuddha-bhakti. O Bhagavata Purana explica isso dizendo que bhakti deve ser “imotivada” (ahaituki). A imotivação que o Bhagavata Purana (7.9.42-44) promove não chega apenas ao nível de rejeitar a obtenção de saúde, riquezas e semelhantes em troca da adoração prestada a Deus, senão que chega ao ponto de rejeitar até mesmo a salvação! Enquanto alguns cristãos, sim, louvam a Deus sem pedir bênçãos materiais em troca, esperam ainda a reciprocação de poderem viver no reino de Deus posteriormente. O Bhagavata Purana, no entanto, ensina o indivíduo a adorar a Deus sem nem mesmo achar que Deus deve retribuir permitindo-lhe viver em Seu reino.[3]
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Prahlada Maharaja é um dos exemplos nos Puranas de devotos que alcançaram o estágio de moksha-laghuta-krita, isto é, o estágio de devoção a Deus tão abnegado que não apenas não se esperam dádivas materiais em troca do serviço prestado como também não se exige ou se espera nem mesmo a recompensa espiritual de poder viver em Seu reino paradisíaco.
No que diz respeito à meditação ióguica, concordamos que “a meditação sem conhecimento prévio de Deus” dá margens para tomarmos as fantasias mentais por Deus, sobretudo quando acompanhadas do mencionado uso de drogas, daí o vaishnavismo se enquadrar no que descrevem em seguida da aceitação de que “a escritura é o meio pelo qual Deus revela a sua verdade”. (p. 5) Eles mesmos fornecem a citação do Bhagavad-gita de como a escritura sagrada é a referência. Na tradução de R.C. Zaehner, utilizada por eles, lê-se assim: “Seja a Escritura sua norma para determinar o que é certo e o que é errado. Ao chegar a saber o que a escritura pede que execute, deve realizar neste mundo as obras prescritas nela”.
Qual Escritura Seguir?
Depois de descreditar as visões ou experiências em transe e o poder do intelecto pessoal e estabelecer a necessidade de buscar uma revelação de uma autoridade superior, especificamente o Ser Supremo, apresenta-se o problema de que há muitas escrituras na humanidade. Como saber qual é a verdadeira, por exemplo, entre a Bíblia e o Bhagavad-gita?
Uma busca filosófica é estabelecida na página sete, atribuindo sete fatores que devem estar presentes em uma escritura genuinamente revelada: “1. Magnificar a Deus e responder a nossas perguntas a respeito dele, 2. Estar disponíveis a todos, 3. Ser fáceis de entender, 4. Ensinar doutrinas certas e boa moral, 5. Estar livres de mitos, 6. Estar livres de demonismo, 7. Fornecer soluções para nossos problemas e produzir um bom efeito em nossa vida”.
As perguntas não são respondidas explicitamente, senão que, ao longo das exposições feitas, o próprio leitor deve ponderar acerca disso. Alguns pontos que pude ver na apresentação da literatura hindu[4] como falha nesses sete pontos são estes:
1. Ela não magnifica a Deus nem responde a nossas perguntas a respeito dEle porque os Vedas e as Upanishads demonstram que os sábios não sabem quem é Deus, se Ele existe ou se é pessoal ou impessoal. 2. A literatura hindu não está disponível a todos por causa do sistema de castas, que excluía os shudras e outras classes de seu estudo. 3. Não são fáceis de entender porque contêm muitas opiniões e carecem de uma conclusão clara. 4. Não ensina doutrina certa ou boa moral, uma vez que o Bhagavad-gita ensina inclusive que as mulheres são “escravas servis” e que o Bhagavata Purana descreve Krishna tendo encontros românticos com ordenhadoras (gopis) que eram mulheres alheias. 5. Não está livre de mitos, pois ensina, por exemplo, que o Ganges veio do céu em vez de traçar sua verdadeira origem até os Himalaias. 6. Não é livre de demonismo, tendo a busca por poderes místicos no yoga, comunicação com espíritos e questões similares. 7. Não fornece soluções para nossos problemas nem produz um bom efeito em nossa vida uma vez que as próprias divindades não são virtuosas.
Discutiremos a partir de agora os sete pontos apresentados e as respectivas análises da literatura hindu a partir do prisma vaishnava.
Primeiro Ponto
O primeiro ponto diz que a literatura hindu “não magnifica a Deus nem responde a nossas perguntas a respeito dEle porque os Vedas e as Upanishads demonstram que os sábios não sabem quem é Deus, se Ele existe ou se é pessoal ou impessoal”.
O vaishnavismo tem o Bhagavad-gita e o Bhagavata Purana como a conclusão de todo o pensamento védico, logo concordamos que as obras anteriores não são conclusivas. Deste modo, não nos opomos ao argumento de que os Vedas e as Upanishads são inconclusivos. Krishna mesmo critica os Vedas no Bhagavad-gita e diz que, embora a meta do conhecimento seja encontrá-lO (15.15), não é possível vê-lO através do estudo dos Vedas (11.53), mas apenas pelo caminho da rendição a Ele, bhakti (11.54), caminho este apenas insinuado nos Vedas. A escritura que Krishna exorta é o Vedanta-sutra, dizendo que é o autor da mesma (Bhagavad-gita 15.15), daí a predileção dos vaishnavas pelo Bhagavata Purana, que é, como Jiva Gosvami apresenta em seu Tattva-sandarbha, o comentário ao Vedanta-sutra por parte do próprio autor. Que os ensinos da Índia antiga e contemporânea, tirante o Vedanta-sutra (e consequentemente, o Bhagavata Purana) e o Bhagavad-gita e alguns outros, são apenas um amontoado de opiniões, aparece em Bhagavata Purana (11.14.5-9):
Dos antepassados encabeçados por Bhrigu Muni e outros filhos de Brahma, apareceram muitos filhos e descendentes, que assumiram diferentes formas como semideuses, demônios, seres humanos, guhyakas, siddhas, gandharvas, vidyadharas, charanas, kindevas, kinnaras, nagas, kimpurushas e assim por diante. Todas as muitas espécies universais, bem como seus respectivos líderes, apareceram com diferentes naturezas e desejos gerados dos três modos da natureza material [gauni]. Por isso, em virtude das diferentes características das entidades vivas dentro do Universo, existe grande quantidade de rituais, mantras e recompensas védicos. Dessa maneira, devido à grande variedade de desejos e naturezas entre os seres humanos, há muitas diferentes filosofias teístas de vida, que são transmitidas através de tradição, costumes e sucessão discipular. Existem outros mestres que diretamente sustentam pontos de vista ateístas. A inteligência dos seres humanos é confundida pela potência ilusória, e, destarte, segundo suas próprias atividades e caprichos, falam de inúmeras maneiras sobre o que é de fato bom para as pessoas.
O Bhagavad-gita e o Bhagavata Purana, no entanto, não carecem de uma conclusão sobre Deus. O Bhagavad-gita (10.15) diz que Deus é a pessoa última [purusha-uttama, dois cognatos sânscritos] e que (8.9), apesar de ter uma personalidade [rupa], é ilimitado como o mantenedor de tudo [sarvasya dhataram], em virtude do que Sua personalidade é inconcebível [acintya], uma vez que, ao cogitarmos personalidade, pensamos em limites. Quanto à impessoalidade, ou Brahman, Krishna diz que essa é subordinada a Ele, sendo a refulgência de Sua forma transcendental (Bhagavad-gita 14.27). Apenas alguns versos a título de exemplo.
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Assim como há diferenças no entendimento das escrituras por parte de vários estudiosos hindus, o mesmo acontece entre os cristãos, cuja opinião católica sobre a ontologia de Jesus, por exemplo, difere da opinião das Testemunhas de Jeová.
Vale apontar que não é apenas entre os hindus que há dificuldade em determinar questões sobre Deus, haja vista que entre os cristãos há muitas diferentes conclusões acerca de Deus e acerca de variados tópicos também. Com efeito, é maior o número de cristãos que acreditam que Jesus é Deus, uno com o Pai sob todos os aspectos, do que aqueles que concordam com as Testemunhas de Jeová. Portanto, assim como o hinduísmo é inconclusivo sobre Deus com suas várias opiniões, o mesmo se dá no mundo cristão, onde alguns acham que Jesus é Deus e outros não, onde alguns acham que o reino de Deus é uma metáfora, como na teologia da libertação, e outros não etc.
Segundo Ponto
O próximo ponto que detectei tentando expor a superioridade da Bíblia é que o sistema social (supostamente) promovido na literatura hindu, o corrupto sistema de castas, não tem parentesco na obra sagrada dos cristãos.
Concordamos que Deus, sendo o pai de todos nós, como Ele diz no Bhagavad-gita (14.4) e também na Bíblia, deve ser equânime para com Seus filhos, dando a todos igual oportunidade de conhecê-lO e adorá-lO.
No Bhagavad-gita e no Bhagavata Purana, há o sistema de classes em que cada indivíduo assume uma posição na sociedade de acordo com sua natureza, mas não há nada sobre assumir uma posição de acordo com sua descendência, a característica do sistema de castas. No Bhagavata Purana (9.2.7), por exemplo, encontramos kshatriyas [a classe bélica e administrativa] assumindo a posição de brahmanas [a classe sacerdotal e intelectual]: “A partir dos filhos de Manu chamados Dhrista, veio uma casta kshatriya chamada Dharsta, cujos membros atingiram a posição de brahmanas”. A questão de a natureza da pessoa ser mais importante do que seu nascimento foi expresso na mesma obra anteriormente: “Se alguém demonstra os sintomas de ser brahmana, kshatriya, vaishya ou shudra, mesmo se tiver nascido em uma classe diferente, deve ser aceito de acordo com os sintomas de classificação”. (Bhagavata Purana 7.11.35) Ou seja, o filho de um rei que demonstra natureza para a adoração a Deus e ensino das escrituras deve ser assim ocupado, ao passo que o filho de um religioso que demonstre interesse em ficar rico e dominar terras deve ser considerado como distinto da classe de seu pai.
No quesito de aproximar-se de Deus, o Bhagavad-gita é bem claro e diz que as classes comumente rejeitadas pela sociedade não O são a Deus: “Todos os que se refugiem em Mim [Krishna, Deus], mesmo que sejam de nascimento inferior ou mulheres, ou vaishyas ou shudras podem alcançar o destino supremo”. A tradução deste verso às vezes é apresentada assim: “Todos os que se refugiem em Mim, mesmo que sejam de nascimento inferior – as mulheres, os vaishyas e os shudras –, podem alcançar o destino supremo”, como se mulheres, vaishyas e shudras fossem de nascimento inferior, mas não é o caso, senão que Krishna está apresentando quatro categorias, como podemos ver no texto sânscrito[5]. Dr. Howard J. Resnick, Doutor em Sânscrito e Estudos Indianos pela Universidade de Harvard, responde uma pergunta sobre isso:
Pergunta: No verso 9.32 do Bhagavad-gita, por que Krishna menciona especificamente essas categorias de seres humanos (mulheres, trabalhadores, etc.) como também aptos a alcançarem a meta mais elevada? Esse verso me transmite uma ideia do tipo “embora seja uma mulher, ou comerciante etc., tal pessoa, mesmo nessa posição desfavorável, pode Me alcançar.” O que tornaria qualquer uma dessas classes de indivíduos menos qualificada ao avanço espiritual?
Resposta: Krishna faz exatamente o contrário. Ele disse que esses grupos também alcançam a mesma perfeição. Inevitavelmente na sociedade em que Krishna apareceu, os brahmanas (sacerdotes) e kshatriyas (aristocracia) iluminados tinham mais prestígio… Krishna está frisando o ponto de que os outros grupos também podem alcançá-lO. Ao mesmo tempo, as gopis, mulheres de comunidade vaishya (agricultores), são reconhecidas como os devotos mais avançados. Trata-se de equilíbrio. Não podemos cegamente aplicar atitudes modernas a uma cultura antiga.[6]
Que a discriminação da mulher e dessas classes não é de Krishna, mas da sociedade em que estava, pode ser comprovada no fato de que Krishna diz adiante no Bhagavad-gita 10.34 que, nas mulheres, Ele é “a fama, a fortuna, a linguagem afável, a memória, a inteligência, a firmeza e a paciência” e no fato de que Ele mesmo atuou como vaishya.
Krishna, depois de dizer que, para alcançá-lO, a posição mais elevada, não importa se alguém é de nascimento inferior [pária] ou de alguém que gozava de menos prestígio na sociedade em que falou o Bhagavad-gita, diz que (18.45-46): “Sujeitando-se às qualidades de seu trabalho, cada um pode tornar-se perfeito. Agora, por favor, ouve enquanto falo como isso pode ser feito. Prestando adoração ao Senhor, que é a fonte de todos os seres e que é onipenetrante, o sujeito pode atingir a perfeição através da execução de seu próprio trabalho”. Deste modo, todos podem adorar a Deus e alcançá-lo, independente de seu nascimento e independente de sua ocupação social.
É claro que o ensino do Bhagavad-gita e de obras devocionais ainda é sobretudo dos brahmanas e kshatriyas, mas isso se faz por natureza do indivíduo e não por nascimento. Isso é o mesmo, com efeito, entre as Testemunhas de Jeová, que não permitirão que um membro da congregação sem raciocínio lógico, mínimo de oratória, domínio da escritura e vivência da mesma seja um ancião ou membro do corpo governante, embora todos tenham liberdade de falar o pouco que entendam em situações não oficiais, adorar a Deus, atingir a perfeição etc. Considerando os cristãos como um todo, e não apenas as Testemunhas de Jeová, muitos já fizeram o esforço de não permitir acesso popular à Bíblia, de modo que isso ter acontecido na Índia entre alguns hinduístas não é um fator de distinção para os fenômenos religiosos sob comparação.
Deste modo, concordamos que o sistema de castas não representa Deus, que pressupostamente deve dar a todos igual oportunidade de adorá-lO e conhecê-lO. O vaishnavismo e suas duas escrituras canônicas, assim como alguns outros setores do hinduísmo, no entanto, rejeitam o sistema de castas e as obras que o fomentam.
O ensinamento vaishnava, diferente dos ensinamentos Testemunha de Jeová, contudo, vai além de transcender apenas as diferenças entre os humanos ao apresentar uma ética sofisticada que inclui os animais e outros seres vivos como igualmente queridos a Deus e como possuidores do mesmo status espiritual que os humanos.
Terceiro Ponto
Ser de fácil compreensão é o próximo quesito para uma obra ser revelada por Deus. De fato é muito difícil compreender a literatura hindu. As obras compostas durante o período da corrupção bramânica usavam um sânscrito de difícil entendimento com o propósito de não permitir o acesso a pessoas de pouca intelectualidade. Os quatro Vedas não apenas são difíceis de serem entendidos pelas já mencionadas muitas opiniões como também por não existirem mais em sua totalidade, além de pouquíssimas pessoas, incluso os próprios indianos, dominarem a língua original da escritura para uma análise direta da obra, sem o viés inevitável de tradutores. Outra dificuldade é que muitas traduções foram feitas por cristãos, como Max Muller, com o propósito expresso de diminuir a cultura da Índia para a implantação do cristianismo, como sabemos a partir das cartas dele.Muitas outras questões poderiam ser apontadas, como a baixa escolaridade da população como um todo na história da humanidade, desde analfabetismo completo a analfabetismo funcional, ou falta de treinamento filosófico e histórico intencionalmente fabricado por líderes da sociedade.
Fora as questões que são alheias às obras em si, como inaptidão intelectual por parte das pessoas, o Bhagavad-gita não figura entre as obras com diversas opiniões, haja vista que tem um só orador, e também está disponível em sua integridade. Com efeito, sintetizando os assuntos essenciais em um sânscrito simples e claro e em apenas setecentos versos, pode se revelar um livro de mais fácil estudo do que a Bíblia, sobretudo mais fácil do que o Velho Testamento. Os devotos de Krishna, também desde sempre muito liberais, sempre se deram ao trabalho de apresentar esses ensinamentos em paráfrases simples em sua oratória e, com a facilidade da imprensa, apresentar traduções em línguas locais e em um meio-termo ideal entre norma culta e linguagem acessível. O Bhagavad-gita (3.34), assim como a Bíblia (Atos 8:27-38), recomenda Seu estudo com pessoas abalizadas no assunto, o que facilita bastante seu entendimento.
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As próprias Testemunhas de Jeová concordam que “muitos que possuem uma Bíblia acham difícil de entendê-la”.
Atendidos os requisitos de a pessoa não ser analfabeta ou analfabeta funcional, nem por inteiro destreinada em raciocínio lógico, e acompanhada de pessoas mais entendidas, dizer que a Bíblia ou o Bhagavad-gita é mais fácil de ser entendido é uma questão subjetiva. As próprias Testemunhas de Jeová concordam que “muitos que possuem uma Bíblia acham difícil de entendê-la”.[7]
Eu pessoalmente considero o Bhagavad-gita de maior clareza. É claro que a brochura não está avaliando apenas o Bhagavad-gita, mas toda a literatura hindu, ou a literatura religiosa da Índia antiga. Nesse caso, concordo pessoalmente que a Bíblia é mais clara em desenvolvimento e conclusão, sobretudo em contraste com as quatro samhitas originais, hoje indisponíveis em sua totalidade.
Quarto Ponto
Nos argumentos de que a literatura religiosa da Índia antiga não ensina doutrina certa ou boa moral, são utilizados tanto o Bhagavad-gita como o Bhagavata Purana para exemplificar. Na página 15, encontramos:
Sabia o leitor que os escritores do Mahabharata adotaram o conceito prevalecente na época, de que as mulheres foram criadas só para corromper os homens castos, com o fim de impedi-los de ganhar a salvação? (Mahabharata 13:40) Até mesmo o Gita considera as mulheres como sendo de nascimento inferior e as classifica como escravas servis. Crê nisto? Parece-lhe isto justo e razoável? — Bagavat Gita 9:32.
Em geral, assim como não sentimos caber-nos explicar as alegações dos Vedas e das Upanishads por não terem sido preservados ao longo do tempo e não serem da natureza de uma revelação, ou ao menos não de uma revelação conclusiva, dentro de nossa compreensão, com o Mahabharata procedemos igualmente. O Mahabharata de fato tem muitos valores do tempo e do local da versão que acaso leiamos. Bhaktivinoda Thakura, em sua introdução ao Sri Krishna-samhita, diz que “no Mahabharata, há descrições de reis como Janamejaya, que regeram após Yudhisthira [Yudhisthira foi quem deu a Vyasadeva o nome de Vyasadeva, logo Vyasadeva era seu contemporâneo]. Há referências específicas sobre as escrituras de Manu [que são posteriores ao Mahabharata] no Mahabharata”, diante do que o Mahabharata certamente tem muitas adições. É possível, inclusive, ver características regionais em cada manuscrito do Mahabharata em cada região em que foi copiado, com textos mais conservadores em regiões conservadoras e o contrário em regiões liberais, entre outras coisas. Uma parte do texto que recebe bastante versões diferentes são os discursos de Bhisma em seu leito de morte.
No que diz respeito à mulher ter sido criada apenas para tentar o homem, isso não é fundamentável nem no Bhagavad-gita nem no Bhagavata Purana. Com efeito, dos quatro ouvintes primários do conhecimento expresso por Krishna, que fundam as quatro escolas vaishnavas, um dos ouvintes é Lakshmi, que é mulher. No Bhagavata Purana, também encontramos que Krishna condena Duryodhana à pena de morte por ter tocado nos cabelos de Draupadi contra o consenso dela, mostrando que a violação do direito de uma mulher de não ser tocada mesmo apenas em seus cabelos é punível com a perda de todo o corpo do homem que faz isso. (Bhagavata Purana 3.1.7 em diante).
No Bhagavata Purana de fato encontramos uma passagem que diz que a mulher pode tentar o homem: “Aquele que aspira a alcançar o cume do yoga e ter realização de seu eu pela prestação de serviço a Mim jamais deve se associar com uma mulher atrativa, pois tal mulher é descrita nas escrituras como o portão para o inferno para o devoto que está avançando”. (Bhagavata Purana 3.31.39) Contudo, isso não é um discurso sexista, pois diz o mesmo para a mulher dois versos adiante: “Uma entidade viva que recebeu a forma de uma mulher tolamente olha para maya [a ilusão] na forma do homem, seu esposo, como o outorgador de riquezas, progênie, casa e outros bens materiais”. (Bhagavata Purana 3.31.41) Deste modo, o Bhagavata Purana não recomenda a atração por mulheres por serem bonitas nem pelo marido por achar que ele é o fornecedor, e não Deus. O Bhagavata Purana, no entanto, louva a união entre homem e mulher com a adoração a Deus no centro da vida.
Assim, a mulher não apenas podia adorar Deus e fazer todas as demais atividades, como foi uma das receptoras das quatro revelações diretas de Deus, e em nenhum momento é promovida como ontologicamente inferior, mas como um obstáculo subjetivo para quem está em um caminho específico de não se atrair por belezas temporárias. Também vale apontar que Deus não é uma figura masculina no Bhagavata Purana, mas simultaneamente masculina e feminina, ou Radha e Krishna[8].
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Deus não é uma figura masculina no Bhagavata Purana, mas simultaneamente masculina e feminina.
Quanto ao texto do Bhagavad-gita (9.32) que diz que a mulher é uma escrava servil, isso é uma tradução deveras impossível do verso, que diz:
māṁ hi pārtha vyapāśritya
ye ’pi syuḥ pāpa-yonayaḥ
striyo vaiśyās tathā śūdrās
te ’pi yānti parāṁ gatim
“Ó filho de Pṛthā [pārtha], certamente [hi] aqueles que se refugiam [vyapāśritya] em Mim [mam], inclusive [api te api] aqueles que [ye] são [syuḥ] de nascimento em famílias de valores baixos [pāpa-yonayaḥ] e [tatha] mulheres [striyaḥ], comerciantes [vaiśyāḥ] e trabalhadores comuns [śūdrāḥ] alcançam [śūdrās] o destino [gatim] supremo [param]”.
Na verdade, sabemos seguramente pela descrição de Megástenes em Indika[9] que pelo menos desde 300 a.C. a Índia já não tinha escravidão, se é que teve em algum momento de sua história, ou seja, não havia escravidão na Índia muito antes da escravidão ser abolida no mundo helênico ou cristão.
Mesmo a famosa cena de que Yudhisthira aposta sua esposa em um jogo de dados, como se a esposa fosse escrava do marido, não aparece no Bhagavata Purana quando este conta essa história. Assim como as descrições, por exemplo, de Adão e Eva são diferentes na Torá, na Bíblia cristã e no Alcorão, as descrições do deturpado Mahabharata que sugerem ideias de escravidão estão inteiramente ausentes do Bhagavata Purana. E mesmo no Mahabharata, muitas referências à escravidão são uma má tradução ou uma tradução maliciosa do termo dasa, que pode significar apenas “servo” e, com efeito, é a palavra que se usa em relação a Deus e às almas, que é de serviço voluntário.
Quinto Ponto
O argumento de que uma obra revelada por Deus deve ser livre de mitos seria um bom argumento se partisse de um ateísta, mas, de um cristão, torna-se algo sem sentido, haja vista que os acadêmicos não cristãos e acadêmicos cristãos não tendenciosos que dizem que a literatura védica tem histórias contrárias à arqueologia e outras ciências modernas certamente pensam o mesmo da Bíblia, como é de se esperar de qualquer estudioso acadêmico imparcial analisando um livro em que cobra fala, mortos ressuscitam, humanos vivem centenas de anos, um homem caminha sobre as águas, virgem engravida do Espírito Santo, casais de animais em um barco povoam o mundo, anjos têm filhos gigantes com terráqueos, pragas acometem um povo por força de um poder sobrenatural, o mar se abre etc. Cabem aqui os dizeres do estudioso norte-americano de religião comparada Joseph Campbell: “Mitologia é o nome que damos às religiões dos outros”.
As correlações de fatos científicos na Bíblia apresentadas mais ao fim da brochura (p. 20) também podem ser apresentadas em favor da literatura védica, que também tem muitas predições realizadas, como apresentadas no livro The Vedic Prophecies, A New Look into the Future[10], de Stephen Knapp, e muitas informações precisas como as órbitas dos planetas, o tamanho da Terra, migrações de povos etc., como o mesmo autor apresenta em sua obra Advancements of Ancient India’s Vedic Culture: The Planet’s Earliest Civilization and How It Influenced the World.
Um exemplo dado pela brochura de predição bíblica concretizada é que, no tempo de sua escrita, foi dito que “nação se levantará contra nação e reino contra reino; e haverá grandes terremotos, e, num lugar após outro, pestilências e escassez de víveres”. (p. 22) No Srimad-Bhagavatam (12.3-4), encontramos uma descrição mais detalhada:
A lei e a justiça serão aplicadas apenas com base no poder do indivíduo. Homens e mulheres viverão juntos por causa da mera atração su­perficial. O sucesso nos negócios dependerá de fraudes. A feminili­dade e a masculinidade serão julgados segundo a perícia sexual da pessoa. Determinar-se-á a posição espiritual de alguém apenas em função de símbolos externos, e em base a este mesmo princípio as pessoas mudarão de uma ordem espiritual para outra. A dignidade do homem será seriamente questionada se ele não tiver um bom salá­rio. E considerar-se-á um estudioso erudito quem for muito perito em malabarismo verbal. Alguém será julgado profano se não tiver dinheiro, e a hipocrisia será aceita como virtude. O casamento será feito apenas por acordo verbal, e a beleza será julgada pelo penteado de cada um. Encher a barriga se tornará a meta da vida, e quem for audacioso será aceito como veraz. Aquele que conseguir manter a família será considerado hábil, e os princípios religiosos serão observados apenas por causa da reputação. Os homens serão atormentados pela fome e impostos excessivos. Atingidos pela seca, eles ficarão completamente arruinados. Os cidadãos sofrerão muito com o frio, vento, calor, chuva e neve. Serão atormentados ainda por desavenças, fome, sede, doen­ça e severa ansiedade. A dita religião será em sua maior parte ateísta. A maioria dos reis serão ladrões, a ocupa­ção dos homens será o roubo, a mentira e a violência desnecessária. Os laços familiares não se es­tenderão além dos vínculos imediatos do matrimônio. Os lares serão desprovidos de piedade, e todos os seres humanos parece­rão asnos.
A brochura também menciona que a Bíblia tem descrições de eventos importantes da história mundial, mas isso também se dá com a literatura védica. A famosa Batalha dos Dez Reis, a título de exemplo, descreve o conflito do rei Sudas contra os druhyus, parsus e alinas, respectivamente, druidas, persas e helenos (nomes cognatos com o português). Outro exemplo, do mencionado Advancements of Ancient India’s Vedic Culture, é este:
Uma pequena história que pode ajudar a apontar isso é como, com o uso de conhecimento védico, a fonte do rio Nilo foi encontrada. O explorador britânico John Hanning Speke, que, em 1862, descobriu o Nilo no lago Vitória, reconheceu que os próprios egípcios não tinham qualquer ideia de onde fosse a fonte do Nilo. Foi pela descrição do tenente-coronel britânico Wilford da intimidade dos hindus com o Egito antigo que Speke se viu levado até as Cataratas de Ripon, às margens do lago Vitória. Isso foi delineado no ensaio de Wilford sobre o Egito nos Puranas, ensaio esse de nome Ancient Book of the Hindus’ Asiatic Researches (Vol. III, 1792). O que foi mais útil foi que o tenente Speke construiu um mapa baseado nas informações dos Puranas, como descrito em seu livro Journal of the Discovery of the Source of the Nile (1863).
Sexto Ponto
Afirma-se também que a religião verdadeira não deve ter invocação de espíritos, desenvolvimento de poderes mágicos e coisas similares. Isso certamente está ausente no Bhagavad-gita e Bhagavata Purana. O Bhagavad-gita (17.3-4) diz que “conforme sua existência sob os vários modos da natureza, o homem desenvolve determinada espécie de fé. Conforme os modos com os quais conviveu, o ser vivo tem uma fé específica. Os homens no modo da bondade adoram os semideuses; aqueles que estão no modo da paixão adoram os demônios; e aqueles que vivem no modo da ignorância adoram fantasmas e espíritos”, e diz que o ideal é estar acima desses três modos, inclusive da bondade: “Torne-te transcendental a esses três modos” (Bhagavad-gita 2.45), no que resulta na fé de adorar exclusivamente a Ele, o deva-deva, ou “Deus dos deuses”, como já explicado. “Sempre cantando Minhas glórias, esforçando-se com muita determinação, prostrando-se diante de Mim, essas grandes almas adoram-Me perpetuamente com devoção”. (Bhagavad-gita 9.14)
No Bhagavata Purana (11.15.33), Krishna também desincentiva o envolvimento com poderes místicos, considerando-os obstáculos para a verdadeira meta da vida, assim como faz Patanjali, citado na brochura Testemunha de Jeová (p. 19). No referido verso do Bhagavata Purana, Krishna diz: “Peritos doutos no serviço devocional declaram que as perfeições místicas do yoga que mencionei [nos versos anteriores] são, na verdade, impedimentos e uma perda de tempo para quem está praticando o yoga supremo [bhakti-yoga, o serviço devocional a Deus], através do qual o sujeito obtém toda a perfeição da vida diretamente de Mim”.
Sétimo Ponto
O último critério para determinarmos uma obra como proveniente de Deus é “fornecer soluções para nossos problemas e produzir um bom efeito em nossa vida”. Esta é a questão cuja resposta fica menos clara no texto. Como eu disse, não há respostas cadenciadas para as perguntas, senão que cabe ao leitor encontrar as respostas subentendidas no texto. Acredito que a resposta a esta pergunta final seja que o hinduísmo não pode atender essas duas necessidades porque as próprias divindades são imorais, para a exemplificação do que citam o Bhagavata Purana: “Incomodado com relatos sobre as relações de uma deidade [a saber, Krishna] com as ordenhadoras locais, um rei no Bhagavata Purana pergunta: ‘Como pode o senhor divino, que nasceu para estabelecer a virtude e reprimir vícios, praticar o oposto, a saber, a corrupção das esposas de outros homens?’”. (p. 16)
Concordamos mais uma vez, com base no vaishnavismo, que há deidades de má conduta nas escrituras da Índia, como Indra, assim como na mitologia grega e outras, porém não é o caso de Krishna. O Bhagavata Purana é uma obra para ser estudada depois que o conteúdo do Bhagavad-gita foi assimilado. No Bhagavad-gita (5.29), Krishna diz que Ele é Deus, o único desfrutador, e que todos os demais são almas para o desfrute dEle e que todos devem abandonar seus deveres para agradá-lO exclusivamente. Com este código, podemos colocar a aparência da história em que Krishna sai com mulheres alheias em uma linguagem acessível a cristãos: Krishna é Deus, as vaqueirinhas são as maiores devotas de Krishna, seus esposos são os deveres separados de agradar a Deus, logo as vaqueirinhas negligenciarem seus esposos para ir ter com Krishna é como um devoto que rejeita as expectativas familiares de produzir renda e netos para dedicar-se exclusivamente a Deus. Prabhupada, em sua introdução ao Bhagavad-gita Como Ele É, diz que para entender as histórias de Krishna é preciso aceitá-lO como Deus ao menos hipoteticamente, pois só assim é possível analisar a coerência interna de Suas histórias. Aqui cabe reiterar a recomendação do Bhagavad-gita de que se deve tentar compreender Krishna aproximando-se daqueles que já estão ocupados em adorá-lO e em estudar Seus ensinamentos.
Cabe apontar também que assim como o verso 9.34 do Bhagavad-gita foi mal apresentado, essa passagem do Srimad-Bhagavatam também o foi. Primeiramente, o rei que apresenta a pergunta, Parikshit Maharaja, não estava descontente, pois era devoto da deidade referida, Krishna, antes da pergunta e continuou sendo depois da pergunta. Nesse caso, ou ele fez a pergunta sinceramente por uma dúvida que lhe surgiu, ou fez a pergunta para esclarecer outros. A resposta dada também não foi bem apresentada. A resposta incluía questões como não haver nenhuma motivação pessoal ou egoísmo da parte de Krishna (iha svartho na, Srimad-Bhagavatam 10.33.32) e que a posição de Krishna tem que ser entendida antes de se tentar compreender Suas atividades (Srimad-Bhagavatam 1.33.33) e que de modo algum Suas atividades devem ser imitadas (Srimad-Bhagavatam 10.33.30). Na Bíblia também encontramos descrições de atividades que Deus faz e que os cristãos consideram que não podem ser imitadas, como matar indivíduos e povos. Em outras palavras, assim como se pode entender Krishna como imoral, isso também é possível com o conceito bíblico de Deus, onde Deus faz, por exemplo, a condenação de classes por erros de indivíduos. Se Deus faz isso, Ele é imoral ou injusto, de modo que a questão de imoralidade ou aparente imoralidade é inconclusiva para comparar a Bíblia e o Bhagavata Purana. Se Deus não faz isso e eu entendi errado, serve de exemplo de como é fácil entendermos errado a religião alheia se a estudamos com nossos pressupostos, sem a ajuda de seus próprios praticantes ou com uma indisposição prévia.
Para exemplificar boa conduta na Bíblia, estes exemplos são dados:
Outra diferença importante entre a Bíblia e outros livros sagrados é o poder que ela tem para ajudar-nos a levar uma vida melhor. Por exemplo, ela declara: “O gatuno não furte mais, antes, porém, trabalhe arduamente, fazendo com as mãos bom trabalho, a fim de que tenha algo para distribuir a alguém em necessidade. Não saia da vossa boca nenhuma palavra pervertida, mas a que for boa para a edificação, conforme a necessidade… Sejam tirados dentre vós toda a amargura maldosa, e ira, . . . junto com toda a maldade. Mas, tornai-vos benignos uns para com os outros.” (Efésios 4:28-32) Que conselho excelente! A superioridade do código moral da Bíblia é evidente também no fato de se fundamentar no amor da pessoa a Deus.
Concordamos que são exemplos de boa conduta, mas não concordamos que seja “outra diferença importante”, pois não há diferença entre os ensinos morais do Bhagavad-gita. Um bom exemplo são os versos finais (13-20) do capítulo 12 dessa obra, que dizem:
Aquele que não é invejoso, mas é um amigo bondoso para com todas as entidades vivas, que não se considera proprietário e está livre do falso ego, que é equânime tanto na felicidade quanto na aflição, que é tolerante, sempre satisfeito, autocontrolado e ocupa-se em serviço devocional com determinação, tendo sua mente e inteligência fixas em Mim – semelhante devoto Me é muito querido. Aquele que não põe ninguém em dificuldade e a quem ninguém perturba, que é equânime na felicidade e na aflição, no medo e na ansiedade, é-Me muito querido. Meu devoto, que não depende do curso em que as atividades habitualmente se desenvolvem, que é puro, perito, despreocupado, livre de todas as dores e não luta para obter algum resultado, é-Me muito querido. Aquele que não se alegra nem se magoa, que não se lamenta nem deseja, e que renuncia tanto às coisas auspiciosas quanto às inauspiciosas – semelhante devoto Me é muito querido. Aquele que é igual para com os amigos e inimigos; que é equânime na honra e na desonra, calor e frio, felicidades e aflição, fama e infâmia; que está sempre livre da associação contaminadora, sempre silencioso e satisfeito com qualquer coisa, que não se importa com nenhuma residência; que está fixo em conhecimento e se ocupa em serviço devocional – semelhante pessoa me é muito querida. Aqueles que seguem este caminho imperecível do serviço devocional e que se ocupam com plena fé, fazendo de Mim a meta suprema, são muitíssimo queridos a Mim[11].
Em relação à possibilidade de este quinto ponto ser utilizado contra a Bíblia, a revista Superinteressante publicou em junho de 2012 o artigo A Bíblia como você nunca leu, onde apresenta questões na Bíblia como pena de morte para virgens defloradas, permissão para cristãos terem escravos, incentivo ao consumo de bebidas alcóolicas e similares.[12]
A Posição do Guru
Findada essa parte das sete análises, fala-se do papel do guru e condenam-se dois pontos: o entendimento de que o guru é Deus, e o entendimento de que o guru é uma autoridade acima das escrituras. O vaishnavismo concorda com as duas críticas. O Bhagavad-gita ensina que existem dois tipos de almas, as puras e as impuras, mas que nenhuma das duas se iguala a Deus, que é superior a ambas, sempre: “Há duas classes de seres, os falíveis e os infalíveis. No mundo material, toda entidade viva é falível, e, no mundo espiritual, toda entidade viva se chama infalível. Além desses dois, há também a maior personalidade viva, a Alma Suprema, o próprio Senhor imperecível, que entra nos três mundos e os mantém. Porque sou transcendental, situado além do falível e do infalível, e porque sou o maior, sou celebrado tanto no mundo quanto nos Vedas como a Pessoa Suprema”. (Bhagavad-gita 15.16-18)
-02 (artigo - Cristianismo) I Por Que Devemos Adorar a Deus com Amor e Verdade (9005) (ta)8
A Sociedade Internacional para a Consciência de Krishna não aceita como fidedigno nenhum guru que se diga Deus ou que se coloque acima da revelação escritural.
Assim, o guru é tido pelos vaishnavas como o representante de Deus. É evidente que, como mero representante de Deus, não está acima de Suas palavras, mas antes é fidedigno na proporção em que não muda a revelação divina. O Bhagavad-gita tanto incentiva a busca de um guru (4.34) quanto diz que seguir as escrituras é o critério definitivo para a conduta correta no agrado a Deus (16.23-24). Somando essas duas instruções, o guru é aquele que apresenta as escrituras como elas são.
Conclusão
Concluímos, portanto, que os sete critérios estabelecidos para determinar uma obra como revelada ou não podem ser alguns usados contra a Bíblia e alguns contra o hinduísmo, mas que nenhum pode ser usado contra o vaishnavismo. O quinto ponto, em exceção, também pode ser usado contra o vaishnavismo, pois, ao pretender descrever questões ligadas a Deus, outros mundos etc. naturalmente partes de seus ensinamentos serão categorizados como mito.
Apêndice Primeiro
Concluída nossa exposição geral, usaremos este apêndice para tecer considerações a afirmações avulsas no texto, isto é, afirmações que não consideramos diretamente ligadas aos sete pontos acima discutidos porém que dizem respeito diretamente ao vaishnavismo ou a bhakti.
Na página 19, lê-se:
Muitos gurus promovem suas crenças pessoais, sustentando que se baseiam em escrituras confiáveis. Por exemplo, a [International] Society for Krishna Consciousness afirma que suas crenças se baseiam nas “escrituras védicas”. Por outro lado, The World of Gurus declara: “Não se faz nenhuma tentativa de estabelecer a autenticidade das escrituras… Se [os devotos] lessem as escrituras, saberiam que as histórias sobre Críxena e Rada [Krishna e Radha] não se baseiam em escrituras de peso, muito menos em fatos”.
Não é verdade que não se faz “nenhuma tentativa de estabelecer a autenticidade das escrituras”. Vale chamar a atenção que Prabhupada, o fundador da International Society for Krishna Consciousness, estabeleceu o Bhaktivedanta Science Instituite para pesquisas arqueológicas, linguísticas e similares para investigação das alegações escriturais através dos meios científicos. Bons livros já foram produzidos por pesquisadores devotos de Krishna, como Michael Cramo, autor de Arqueologia Proibida, A História Secreta da Raça Humana; Istaván Tasi, autor de Nature’s IQ, e Sadaputa Dasa, autor de Vedic Cosmography and Astronomy, para citar apenas alguns.
A teologia Hare Krishna não ser fundamentada em escrituras de peso é outra alegação infundada. O Bhagavad-gita é uma das obras mais respeitadas em toda a Índia e no mundo. Destacados mestres que reconhecem sua autoridade incluem Shankaracharya e Chaitanya Mahaprabhu, os principais representantes respectivamente da escola impersonalista e personalista da atualidade. A posição excelsa do Bhagavata Purana, por sua vez, foi minuciosamente exposta no já referido Tattva-sandarbha, e é um livro muito aceito, também estando entre as obras estimadas e citadas por Shankaracharya e Chaitanya Mahaprabhu. O valor do Vedanta-sutra – comentado pelo vaishnava Baladeva Vidyabhushana, além de seu comentário natural pelo próprio autor – dispensa apresentação.
O ponto de não ser baseada em fatos também é questionável. Além do ponto já mencionado de que esse argumento deveria partir de um ateísta para ser digno de ser confrontado, – e não de alguém que aceita a Bíblia como uma obra literal, a qual, obviamente, pesquisadores acadêmicos categorizarão junto do Bhagavata Purana como uma obra sem fatos no tocante a questões metafísicas, como anjos dando mensagens, o mar se abrindo porque Deus queria salvar o Seu povo etc. – é claro que há evidências básicas na ciência para a existência de Krishna, como a descoberta de Dvaraka por parte de oceanógrafos recentemente, como reportou o canal History Channel: “A cidade perdida de Dwaraka: a lendária cidade de Krishna, com 12 mil anos, foi encontrada sob sob [sic] as águas da costa do ponto ao extremo oeste da Índia”.[13]
Na página 25, encontramos um quadro com esta informação: “O surgimento dos Upanixades, com ênfase no conhecimento e na meditação, e da literatura Bacti, com sua ênfase no amor e na adoração, eram revoltas contra o formalismo do sistema védico [o caminho do carma]”. Essa informação é parcialmente verdade. Na verdade, a literatura propriamente de bhakti apenas enfatiza o que já estava nos Vedas e outras obras porém sem especial atenção. A.C. Bhaktivedanta Prabhupada, em seu comentário ao verso 10.8 do Bhagavad-gita, apresenta alguns versos anteriores aos Puranas que comprovam a presença de bhakti nos mesmos:
No Atharva Veda (Gopāla-tāpanī Upaniad 1.24), se diz que yo brahmāa vidadhāti purva yo vai vedāś ca gāpayati sma kṛṣṇa: “Foi Kṛṣṇa que, no princípio, instruiu Brahmā no conhecimento védico e que, no passado, disseminou o conhecimento védico”. E também o Nārāyaa Upaniad (1) diz que atha puruo ha vai nārāyao kāmayata prajā sjeyeti: “Então, a Suprema Personalidade, Nārāyaṇa, desejou criar as entidades vivas”. O Upaniad continua, nārāyaād brahmā jāyate, nārāyaād prajāpati prajāyate, nārāyaād indro jāyate, nārāyaād aṣṭau vasavo jāyante, nārāyaād ekādaśa rudrā jāyante, nārāyaād dvādaśādityā: “De Nārāyaṇa nasceu Brahmā; e de Nārāyaṇa os patriarcas também nasceram. De Nārāyaṇa nasceu Indra; de Nārāyaṇa nasceram os oito Vasus; de Nārāyaṇa nasceram os onze Rudras; de Nārāyaṇa nasceram os dozes Ādityas”. Este Nārāyaṇa é uma expansão de Kṛṣṇa.
Nos mesmos Vedas, afirma-se que brahmayo devakī-putra: “O filho de Devakī, Kṛṣṇa, é a Personalidade Suprema”. (Nārāyaa Upaniad 4) Então, se diz que eko vai nārāyaa āsīn na brahmā na īśāno nāpo nāgni-somau neme dyāv-āpthivī na nakatrāi na sūrya: “No princípio da criação só existia a Suprema Personalidade, Nārāyaṇa. Não havia Brahmā, nem Śiva, nem fogo, nem Lua, nem estrelas no céu, nem Sol”. (Mahā Upaniad 1.2) No Mahā Upaniad, também se diz que o Senhor Śiva nasceu da testa do Senhor Supremo. Assim, os Vedas dizem que é ao Senhor Supremo, o criador de Brahmā e Śiva, que devemos adorar.
Essas citações também sanam a questão apresentada na página 15 pelas Testemunhas de Jeová, onde se apresenta o Bhagavad-gita como “um discurso proferido pelo deus Críxena [Krishna]”, que, segundo continua a citação, era um “deus novo, sua suprema divindade não seria reconhecida senão séculos mais tarde”.
No mesmo referido quadro da página 25, aparece esta citação: “Tanto o Jñāna como o carma rejeitam a bacti, mas a bacti é inteiramente indiferente a esses. O Jñāna, por sua vez, rejeita o carma”, seguida por este comentário das Testemunhas de Jeová: “Os sábios que estabeleceram esses novos caminhos estavam em busca de um que fosse aceitável. Se pensassem que cada um dos caminhos existentes fosse certo e conduzisse a Deus, será que teriam achado necessário iniciar novos caminhos?”.
Não é precisa a análise de como cada um dos três processos principais se veem. Os jnanis, em geral, têm bhakti como prática acessória, e bhakti pode se misturar a jnana por exemplo no conhecimento dos gunas para melhor se entender como a alma se condiciona ao mundo material. O Bhagavad-gita é tradicionalmente dividido em karma, bhakti e jnana, cada assunto sendo discutido em um de três conjuntos de seis capítulos.
O comentário de que se buscou ir além dos Vedas e das Upanishads com os Puranas, no entanto, é bem atinado e está em harmonia com a história do Bhagavata Purana segundo ele mesmo. Ali, conta-se que o compilador da sabedoria védica, Vyasadeva, estava insatisfeito mesmo após ter escrito toda a tradição oral da Índia e mesmo após ter composto seu Mahabharata. Ele, então, recebeu da Pessoa Suprema o Bhagavata Purana, após o qual ficou satisfeito.[14]
O conceito de Sruti e Smriti na brochura também não é fundamentado. Sruti é definido ao longo da brochura como “as escrituras inspiradas por Deus” (p. 3), “revelação de Deus” (p. 10), “uma completa revelação da verdade de Deus” (p, 14), e Smriti como “escritura recebida por tradição humana” (p. 29). Obviamente essas definições não encontram respaldo, haja vista o quanto os vaishnavas e mesmo hindus não-vaishnavas aceitam muitos Smritis como relevados por Deus, especialmente o Bhagavad-gita.
Na página 21, aparece esta citação: “O Deus dos hebreus [Jeová] é de um tipo diferente. Ele é uma pessoa, atua na História e se interessa nas mudanças e oportunidades deste mundo em desenvolvimento. Ele é um Ser que se comunica conosco”.
No Bhagavad-gita 4.7, Krishna diz: “Sempre e onde quer que haja um declínio na prática religiosa, ó descendente de Bharata, e um aumento predominante da irreligião – nesse momento, Eu próprio desço”. Como é possível dizer que Krishna não é uma pessoa, não atua na História e não Se interessa nas mudanças e oportunidades deste mundo em desenvolvimento se há abundantes descrições das muitas vezes em que visita este mundo com variadas missões, como parar os sacrifícios de animais e estabelecer o teísmo disfarçado de ateísmo para atrair os ateus ao culto a Deus como Buda, falar o Bhagavad-gita como Krishna, dar o exemplo do rei ideal como Rama, conduzir a arca de Noé – digo, de Satyavrata – como o peixe Matsya, acabar com a ditadura militar como Parashurama, estabelecer o canto do santo nome de Deus como Chaitanya Mahaprabhu etc.? O próximo avatara aguardado é Kalki, que tem por objetivo estabelecer o reino de Deus na Terra. Este ponto dos avataras também serve para apontar como o conceito apresentado pelas Testemunhas de Jeová para Sruti e Smriti não faz sentido, pois, se Deus veio e continua a vir à Terra, assim como na tradição abraâmica há uma sucessão de profetas, como é possível que não surjam novos textos sagrados, como as biografias de tais avataras e o registro de Seus discursos?
Na página 20, encontramos: “Tanto os hindus como os siques devem a ela [a Bíblia] seu conceito sobre bacti, que, diz a obra Hindu World, resultou do ‘impacto do cristianismo nos primeiros séculos da era atual’”.
Há evidências arqueológicas satisfatórias para provar que o culto de bhakti, inclusive a Vishnu como o Deus dos deuses, antecede o cristianismo. Um exemplo é a famosa coluna de Heliodorus, datada de 113 a.C. Heliodorus foi um embaixador grego para a Índia convertido ao vaishnavismo. Em homenagem a Vishnu, erigiu a coluna com estes dizeres: “Esta coluna do Garuda de Vasudeva [o filho de Vasudeva], o Deus dos deuses [devadevasa], foi aqui erigida por Heliodorus, um adorador de Vishnu, filho de Dion e habitante de Taxila, que veio como embaixador grego do grande rei Antialkidas para o rei Kasiputra Bhagabhadra, o Salvador, então governando prosperamente no décimo quarto ano de seu reinado. Três importantes preceitos, quando praticados, levam ao paraíso: autodomínio, caridade e escrúpulo”.[15]
A. L. Basham diz que Heliodorus muito possivelmente não foi o primeiro grego a se converter[16], isso para não falar do número de bhaktas vaishnavas [adoradores do Deus dos deuses] que certamente existia entre os próprios indianos antes do nascimento de Jesus. De fato, se um oficial grego impressionou-se tanto com a filosofia do vaishnavismo a ponto de se converter em 113 a.C., isso significa que o vaishnavismo e o elemento de devoção espiritual a Deus, como encontrado na tradição de bhakti, tinha de ter-se originado muitos séculos antes, se não muitos milênios, para que houvesse se desenvolvido a um estágio em que os gregos pudessem ter-se impressionado tanto a ponto de se converterem.
Apêndice Segundo
Como dito ao começo desta dissertação, equivoca-se quem pensa que este material teria o objetivo de reverter a postura das Testemunhas de Jeová na tentativa de dizer que o “Deus verdadeiro” ou “o conceito de Deus verdadeiro” é o do vaishnavismo e que o conceito Testemunha de Jeová é falso. De fato usamos em alguns momentos os sete quesitos apresentados pelas Testemunhas de Jeová contra elas mesmas, mas apenas ofertando-lhes um exercício de como uma análise imparcial da própria tradição ou com a mesma severidade que se analisa outra tradição pode nos propiciar boa autocrítica e, consequentemente, maior consideração ou respeito por tradições alheias.
O ensinamento do vaishnavismo não discrimina as religiões sectariamente, senão que, com base no Srimad-Bhagavatam 1.2.6 – que diz que podemos mensurar objetivamente o nível de uma religião pelo quanto ela faz de seus seguidores verdadeiros amantes de Deus –, analisamos a nós mesmos em diferentes momentos históricos e analisamos diferentes tradições religiosas do mundo. E, com efeito, ao aplicar esse critério sobre os ensinamentos cristãos, Prabhupada e outros vaishnavas, como Bhaktivinoda Thakura, concluíram que os ensinamentos de Jesus são competentes para conduzir as pessoas à perfeição última do amor puro por Deus. Ao mesmo tempo, esses acreditavam poder contribuir com algo para os cristãos, como dar-lhes uma visão menos sectária da revelação de Deus ou sensibilizá-los em relação ao valor da vida não-humana na criação.
Acredito também que, com esta apresentação, os cristãos tenham percebido que o vaishnavismo tem mais em comum com o cristianismo do que muitas correntes hindus e que é uma religião, portanto, digna de aprofundamento por parte dos seguidores de Jesus.
A você que leu estas quase 10.000 palavras, agradeço-lhe pelo tempo dedicado. Que Deus seja adorado com amor e verdade. Hare Krishna!
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[1] Seu conteúdo integral também está disponível neste link: http://wol.jw.org/pt/wol/d/r5/lp-t/1101993136.
[2] A menos que haja outra indicação, as traduções aqui apresentadas do Bhagavad-gita e Bhagavata Purana são traduções nossas a partir das traduções em língua inglesa de A.C. Bhaktivedanta Swami Prabhupada.
[3] O devoto puro não aceita nenhuma espécie de libertação — salokya [viver no reino de Deus], sarsthi [compartilhar da opulência de Deus], samipya [ter a companhia de Deus], sarupya [ter uma forma eterna como a de Deus] ou ekatva [fundir-se em Deus] — mesmo que elas sejam ofereci­das pela Suprema Personalidade de Deus”. (Srimad-Bhagavatam 3.29.13)
[4] Usamos o termo “literatura védica” em lato sensu, abrangendo também os Puranas, que são chamados nas Upanishads de “quinto Veda”, bem como a literatura suplementar, como os itihasas.
[5] māṁ hi pārtha vyapāśritya ye ’pi syuḥ pāpa-yonayaḥ/ striyo vaiśyās tathā śūdrās te ’pi yānti parāṁ gatim.
[8] Embora a questão de antropomorfismo não seja levantada na brochura, cabem estas palavras introdutórias de Ravindra Svarupa para o caso deste questionamento surgir na mente do leitor: “Uma vez que a forma de Krishna se assemelha à nossa, os ignorantes chamá-la-ão de antropomórfica, mas a verdade é que o nosso corpo humano é teomórfico. Somos feitos à imagem de Deus. Naturalmente, a nossa cópia do corpo de Deus é uma réplica temporária e material, ao passo que o corpo de Deus é espiritual e eterno. Especuladores talvez julguem que um corpo é algo ruim, e, deste modo, negam que Deus possua forma. Todavia, apenas uma forma material que envelhece e que se subordina à velhice e à morte deveria ser rejeitada. O corpo eterno e sempre jovial de Krishna não se sujeita a tais condições. Rejeitar a forma de Deus pelo pressuposto de que, se Deus possuísse um corpo, este seria material como o nosso é ser culpado de antropomorfismo”.
[11] Esses versos foram musicalizados por Elba Ramalho, cuja música pode ser ouvida aqui: http://www.youtube.com/watch?v=ukLJzKmsUo8
[15] Archaeological Survey of India, Annual Report (1908-1909)
[16] A. L. Basham, The Wonder That Was India, 3rd ed. (Oxford: Taplinger Pub. Co., 1967), p. 60.0

Fonte:http://voltaaosupremo.com/artigos/

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