REFÚGIO ALÉM DAS DUALIDADES - INDRADYUMNA SWAMI

Indradyumna Swami

Esta é a história da minha vida. Ou melhor, a história de duas vidas: daquela da qual meu mestre espiritual me salvou, e daquela que ele me deu. Ambas se referem à mesma pessoa, mas uma vida é temporária, ignorante e cheia de sofrimento, enquanto a outra é eterna e plena de conhecimento e bem-aventurança. Esta é a história do milagre, ao menos para mim, de como eu fui liberado do oceano da vida material.
Talvez dissessem que minha história começa dentro do ventre. Sei, no entanto, que ela remonta a muitas e muitas vidas – remonta a um passado distante demais para ser conhecido ou compreendido por mim. Se máquinas fotográficas existissem há tanto, imagino que veríamos nas páginas desse álbum fotografias de reis e indigentes, animais e homens, famosos e infames – todos morrendo e nascendo novamente. Mas este capítulo da minha história começa, como todas as histórias de vida, quando me foi dado um novo nascimento, com um pai e uma mãe, irmãs e irmãos, primos e sobrinhos.
A vida era difícil desde seu início… um tapa no traseiro. Mas, com a idade de quatro anos, veio meu primeiro saborear amargo da realidade: contraí meningite espinhal. Os médicos experimentavam novas drogas, mas nenhuma se revelava eficaz. Lembro-me da visão da minha mãe chorando quando disseram a ela o que eu tinha. Tudo o que eu tinha na vida era uma febre avassaladora e meses solitários na ala hospitalar, onde os médicos desesperadamente tentavam salvar a minha vida. Lembro-me de uma vez ter ouvido as enfermeiras conversando baixo sobre minha inevitável morte. Ansioso por abrigo, eu me perguntei: “Onde está minha mãe, agora?”.
Contudo, transcorridos alguns meses, os medicamentos se revelaram efetivos. Eu deixei o hospital um pouco mais sábio. Eu tinha apenas quatro anos, mas eu sabia melhor o que esperar. A vida não seria como contam os livros de história.
Quando eu tinha seis anos, Old Yellar morreu. Ele era o perdigueiro do bairro, o melhor amigo de todos os garotos do quarteirão, nossa companhia constante até o dia em que atravessou a rua um pouco atrasado. O carro que o atropelou sequer parou. Alguns dos garotos correram atrás do carro atirando pedras nele. O restante de nós chorava ao lado do Old Yellar enquanto víamos sua vida desvanecer. Suplicamos ao Sr. Franklin, que passava por ali com seu caminhão de sorvete, que salvasse o Old Yellar. Ele, contudo, apenas permaneceu ali parado, porque era tarde de mais. Mais uma vez, um pensamento distante visitou minha mente: “A quem podemos recorrer por ajuda?”.
Enquanto eu crescia, eu aprendi, em geral, como sobrevir. A escola parecia irrelevante. Eu rapidamente tornei-me desiludido, com minha mente ponderando acerca das dualidades do nascimento e da morte, da felicidade e da aflição. Nada iria durar – nada do que eu havia visto, o obrigo do ventre, o Old Yellar e nem mesmo eu.
Comecei a notar que outros também estavam perplexos e em sofrimento. Não apenas as pessoas, mas também os animais.
Mas nem todos apreciavam o modo com que eu via as coisas. Quando eu tinha doze anos, na escola, a professora pediu que desenhássemos o que gostaríamos de ver na mesa da próxima ceia do dia de Ações de Graças. Eu desenhei legumes e verduras, e não peru ou carne. Meus colegas de sala acharam isso hilário; meus professores consideraram estranho. E, no dia em que me recusei a comer carne, meu pai considerou isso uma grande falta de educação e me mandou ir para o quarto sem jantar. Ao me deitar, considerei como a vida é difícil, mesmo que você tente fazer a coisa certa.
Aos dezesseis, decidi agir. “Talvez não seja assim em todo lugar”, eu pensei. Talvez, em outro lugar, eu possa encontrar uma vida verdadeiramente satisfatória. Algumas vezes, eu sentia como se estivesse chegando onde eu queria, especialmente quando eu e meus amigos surfávamos nas ondas da praia de Stinson, próxima de São Francisco. Lá fora, éramos livres.
Com grande esperança e muitas expectativas, fizemos nossas malas naquele verão e rumamos para o sul. Talvez no México encontrássemos a onda perfeita. Mas, mesmo antes de chegarmos, meus amigos me advertiram: “Mas isso não durará para sempre”.
Em San Blas, ficávamos extremamente empolgados ao pegarmos ondas que nos permitiam surfar um quilômetro e meio. O verdadeiro desafio, entretanto, encontrava-se na baía Rodger. Lá, as ondas quebravam em uma formação perfeita. O tubo era impecável. Embora perecesse perfeito, havia um problema – as ondas quebravam em um recife de corais.
Eu não sei ao certo o que me impeliu a remar naquele dia em direção ao recife. Alguns dos garotos me desafiavam, outros imploravam que eu não fosse. Talvez eu estivesse desesperado.
Sem dificuldades, peguei a onda. Ela era grande, linda e longa. Eu rapidamente fiquei de lado, agachei e subitamente me vi surfando para dentro do tubo. Eu estava empolgado e satisfeito – era isso! Porém, em meio à minha empolgação, perdi minha concentração e escorreguei… exatamente em direção ao recife mortal.
Lembro de minha pessoa gritando por ajuda enquanto o coral rasgava minha pele. Todavia, no íntimo da minha mente, eu novamente pensei: “Quem pode me ajudar, agora?”.
Eu caí e rolei pelas pedras até ir parar na praia. Alguns habitantes dali se aproximaram e me pegaram. Eu tive sorte; exceto por um grande corte na minha perna esquerda, eu tinha, em geral, apenas pequenos cortes e hematomas. Mas minha prancha estava acabada, bem como minha busca pela onda perfeita.
De volta aos Estados Unidos, considerei que, se eu não podia salvar a mim mesmo, talvez eu pudesse salvar outras pessoas. Eu então me alistei no corpo de fuzileiros navais, a maior unidade de guerra da América. Meu país guerreava contra o Vietnã para impedir a difusão do comunismo. Eu pensei que, se pudéssemos vencer o Vietnã, talvez pudéssemos trazer paz e felicidade para o mundo.
É dito que podemos ver tanto o céu como o inferno mesmo nesta vida. Naquele ano, eu vi o inferno enquanto provava a terrível experiência de ser um assassino. Contudo, frequentemente, quando fixávamos nossas baionetas para praticarmos duelos, minha mente objetava: “Você não acredita mesmo na guerra, acredita? Seja honesto consigo mesmo – você está aqui apenas por nome e fama; e você acabará perdendo sua vida por isso”.
Um dia, eu me aproximei das minhas autoridades e me recusei a guerrear. Os próximos vários dias na prisão me deram tempo para refletir. “Matar é fácil; difícil é saber a razão de viver”.
Depois que eu havia recebido meus papéis de exoneração, eu não sabia se virava para a esquerda ou para a direita. Eu perambulava em desespero, apenas pensando em como toda vez que eu dava um passo na vida eu me encontrava com frustração e desesperança. Um dia, na privacidade do meu quarto, eu chamei por Deus. “Meu Senhor, eu estou em um mundo de angústia e aflição! Se Você realmente está aí, por favor, dê-me Seu refúgio”.
Na tarde seguinte, eu vagueei até um museu, objetivando esquecer-me de mim por meio da observação de antiguidades. Uma exposição da cultura e das tradições da Índia saltou aos meus olhos. Enquanto eu olhava as pinturas e artefatos, meus olhos foram levados a contemplar a mais bela das pinturas, a qual trazia a legenda: “Krsna e Suas vaqueirinhas”. A imagem cativou minha atenção, e eu me aproximei para ler o texto:
“Esta cena retrata o paraíso, onde Deus desfruta da vida eterna”.
“Sim!”, eu pensei. “É isto que estou buscando – vida eterna, um local além das dualidades do mundo. Mas seria assim? Quem é Krsna, e o que é, afinal, uma ‘vaqueirinha’?”
Eu olhei ao redor buscando por alguém que pudesse explicar a pintura com mais profundidade. Um guarda, entretanto, anunciou que o museu estava sendo fechado. Desapontado, caminhei até a entrada principal e me deparei com uma visão completamente maravilhosa. Sentados no gramado, próximos de mim, encontravam-se monges em vestes alaranjadas com várias coisas volumosas em suas mãos. Eles falavam atentamente com a multidão ao redor deles.
Eu dei um passo à frente para ouvir melhor e fiquei estupefato ao ouvir o monge mais alto falar sobre Krsna e o mundo espiritual. Aprendi posteriormente que o que ele dizia se encontra na antiga escritura védica Brahma-samhita:
“Krsna é a Suprema Personalidade de Deus. Ele vive eternamente no mundo espiritual, além das dualidades da vida material. Sua morada transcendental de Vrndavana é povoada por deusas da fortuna, que aparecem como vaqueirinhas e amam Krsna acima de tudo. As árvores ali satisfazem todos os desejos, e as águas da imortalidade fluem pela terra composta de pedras filosofais. Ali, todo falar é canção, todo caminhar é dança, e a flauta é a companhia constante do Senhor. As vacas inundam a terra com leite em abundância, e tudo é luminoso como o Sol. Uma vez que todo instante em Vrndavana é utilizado em amor a Krsna, não há passado ou futuro”.
“É isso!”, eu exclamei alto.
Surpreso, o monge se voltou para mim. “É isso o que?”, ele perguntou.
“É isso que eu estou buscando!”, eu respondi. “Eu orei ontem. Então vi a pintura no museu… e agora eu encontrei vocês!”.
“Ele provavelmente usou LSD”, comentou uma mulher à minha esquerda.
Eu me recompus, um pouco constrangido pelo fato de toda a multidão estar olhando para mim. Eu, contudo, estava determinado. Eu jamais ouvira tão grandioso conhecimento, menos ainda apresentado de maneira tão concisa. Eu me apresentei ao monge.
“Meu nome é Visnujana Swami”, ele disse, “e viemos levá-lo para casa”.
E assim, naquele ano de 1971, tudo começou – esta nova vida, minha vida novamente como um devoto de Krsna. Se eu pudesse mostrar tudo o que aconteceu desde então, veríamos muitas fotos nesta página – fotos com dançar e cantar dos santos nomes, com festivais e com palestras iluminadoras excessivamente numerosas para serem mencionadas ou explicadas. Tenhamos como suficiente dizer que, naquele dia, dei início ao meu retorno ao lar, além das dualidades do nascimento e da morte, de volta ao refúgio do reino eterno.

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