CRÔNICA : BAGDAD CAFÉ...- CRIS CAMPOS

 


Lui Liu
 
 

Crônica: Bagdad Café…


 

“De tudo que existe, nada é tão estranho como as relações humanas, 

com suas mudanças, sua extraordinária irracionalidade.

(Virginia Woolf)
 
 
 
Normalmente o peso que levamos molda o que somos. O que obviamente não significa que não possamos buscar ou aceitar as mudanças que nos são impostas pela vida em suas ramificadas circunstâncias.  
Em Bagdad Café, filme atemporal, do cineasta alemão Percy Adlon temos a oportunidade de constatar o quanto as mudanças exercidas pela simples presença de algumas pessoas podem ser benéficas. As personagens principais Brenda (CCH Pounder)  e Jasmim (Marianne Sagebretch) são literalmente antagônicas. Brenda, negra, por volta dos quarenta anos, abandonada pelo marido, administra um pequeno hotel decadente de beira de estrada. Tem dois filhos e um neto que vivem com ela.  Vislumbra da vida apenas a paisagem desértica à que foi lançada, e a tem como uma condenação. Não nutre qualquer perspectiva de melhora.
Por mais que não se queira, as pessoas acabam por refletir no comportamento cotidiano o amargo que a vida lhes sopra. Brenda, pelos reveses, é estressada, impulsiva, desiludida, enérgica, sobrecarregada pela responsabilidade do sustento da família advindo apenas da espelunca decadente. Em razão das nossas lutas o sorriso, por vezes, nos é tirado do rosto. Somos tragados pelas consequências das atitudes e situações que em alguns momentos temos que tomar ou viver, sejam elas quais forem, uma separação, a perda de um filho, o desamor, o stress, a falta de perdão, a mágoa, as decepções.  
Jasmim, alemã, mais ou menos da mesma idade que Brenda, desprezada pelo marido, foi por ele abandonada na rodovia. Sozinha, com sobrepeso, culta, sensível, hospeda-se no hotel de Brenda e nesse momento duas realidades semelhantes de duas pessoas completamente opostas, colidem. Recebida com preconceito, Jasmim a ele ignora.  
Na convivência dessas duas etnias, Jasmim revela-se uma pessoa de sensibilidade extremada, em doces toques de amor. Mostra-se alguém capaz de amar o próximo, independente de quem ou como ele seja. Quase incapaz de descobrir seu próprio valor, mas enxergava com facilidade o dos outros. Identificava no cotidiano e local da vida de Brenda os problemas, propunha-se a resolvê-los e assim o fazia. Como hóspede absteve-se de ser servida para servir.  
Com as perceptíveis mudanças no local, implantadas aos poucos por Jasmim, as pessoas que por ali passavam começaram a observá-lo melhor. Com isso, Brenda começou lentamente a mudar também. O local que antes era tomado pela apatia, indiferença e sujeira resultante da falta de cuidado, passou a ser iluminado, espaçoso e alegre, onde ouvia-se boa música e viam-se espetáculos com pessoas leves de espírito,  dado o incentivo que Jasmim oferecia aos filhos de Brenda, e a ela própria. 
Cada um dos personagens do filme vai aceitando paulatinamente a pessoa de Jasmim, que por sua vez cobria cada um com o manto da dignidade que o ser humano precisa, o que acaba por trazer à tona novos ares e sorrisos de satisfação. O estreitamento amoroso provocado por Jasmim, em suas gentilezas, entre todos os envolvidos no filme confirma a premissa de que a felicidade é possível ser concretizada quando os pequenos detalhes cotidianos são evidenciados em seu valor.  A leveza no olhar, a diminuição das distâncias, o desabamento das resistências, a proximidade dos corpos.
Esta obra prima de cunho sócio-psicológico traz inúmeras reflexões àqueles que possuem olhos mais atentos, não há grandes explosões, mas doces olhares cruzados, nem tão pouco cenas impactantes com dublês, mas gestos tímidos, sorrisos acanhados, lágrimas e abraços. Recheado de metáforas que agregam juízo de valor aos intempéries da existência. Destaco em especial a capacidade que o filme tem de mostrar que a construção diária de vida é algo essencial para o crescimento pessoal e atinge diretamente quem nos cerca. Transcende espaços e condições. 
Nossa vida é via de mão dupla, respeitar a sinalização é fundamental, se ultrapassarmos em locais impróprios, choques serão inevitáveis. Atenção é algo imprescindível a fim de não se perder os detalhes preciosos da paisagem que corre pela janela. Ser esperto e passar pelo acostamento pode trazer sérias consequências, mas acima de tudo o respeito à velocidade deve ser o fator principal para que a viagem seja agradável e sem acidentes de percurso.  
Preciosíssimo esse filme! Vale a pena ver e rever!
 
 
  por Cris Campos
 
 
  ”Quando os ventos de mudança sopram, umas pessoas levantam barreiras, 
outras constroem moinhos de vento.”
(Érico Veríssimo)
 
A trilha sonora dispensa qualquer comentário, maravilhosa na voz de Jevetta Steele
 
 
 

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