A MEDONHA FACE DO ÓDIO

 
''Se examinarmos nossas vidas, veremos que
a real insatisfação, angústia e mal-estar que experimentamos não são causados por condições externas, mas pela forma como reagimos interiormente a elas. Não podemos negar que as condições externas ...difíceis existem, mas precisamos reconhecer que alguém com algum controle sobre os processos internos da mente não vivencia a mesma impotência e sofrimento face às perdas, adversidades e doenças, comparado a uma pessoa cuja mente não foi treinada.''
Chagdud Tulku Riponche


A MEDONHA FACE DO ÓDIO

A raiva negativa, que precede o ódio, obedece ao impulso de afastar violentamente quem quer que se coloque como obstáculo para as exigências do eu, sem qualquer consideração pelo bem-estar alheio. Ela aparece também na hostilidade que sentimos quando o eu é ameaçado e no ressentimento que se instaura quando ele é ferido, desprezado ou ignorado.

A maldade é menos violenta que o ódio, mas é mais insidiosa e igualmente perniciosa. Ela se inflama no ódio, que é tanto o desejo de fazer mal a alguém quanto o ato em si. O ato de prejudicar alguém direta ou indiretamente, acaba destruindo as possibilidades de felicidade da pessoa.

O ódio amplifica os defeitos daqueles que são seu objeto e ignora suas qualidades. Como observa Aaron Beck: “Percepções e pensamentos distorcidos se estabelecem na mente, em resposta a uma ameaça, seja ela real ou imaginária. Esse enquadramento rígido, a prisão da mente, é responsável por grande parte do ódio e da violência que nos assola”.

A mente, obcecada pela animosidade e pelo ressentimento, fecha-se na ilusão e persuade-se de que a fonte da sua insatisfação reside fora dela. Ao pensarmos que estamos sendo tratados com injustiça ou ameaçados, concentramo-nos apenas nos aspectos negativos de uma pessoa ou de um grupo. Não conseguimos ver as pessoas e os eventos no contexto de uma rede muito mais ampla de causas e efeitos inter-relacionados. Ao formarmos a imagem do “inimigo” como alguém vil ou desprezível, generalizamos até incluir a pessoa ou o grupo inteiro. Solidificamos os atributos “maus” ou “repugnantes” que enxergamos naquele momento como sendo traços permanentes e intrínsecos da pessoa e nos afastamos da possibilidade de reavaliar a situação. Temos, assim, justificativa para expressar a nossa animosidade e nos vemos no direito de retaliar.

A hipocrisia também pode fazer com que sintamos a necessidade de “limpar” nosso entorno, a nossa sociedade, ou o mundo em geral, desse “mal”. Daí vem a discriminação, a perseguição, o genocídio, a retaliação cega e também a pena de morte – a suprema retaliação legal. Chegando a esse ponto, obscureceu-se a benevolência básica que faz com que apreciemos a aspiração, comum a todos, de evitar o sofrimento e obter a felicidade.

Meu mestre Dilgo Khyentse Rimpoche explica:

O ódio ou a raiva que podemos sentir por uma pessoa não são inerentes a ela, existem apenas na nossa mente. Assim que vemos alguém que consideramos como inimigo, todos os nossos pensamentos se fixam sobre a lembrança do mal que ela nos fez, sobre os seus ataques no presente e aqueles que poderia vir a ter no futuro. A irritação, e depois a exasperação, nos dominam, a ponto de não podermos mais suportar ouvir seu nome. Quanto mais permitimos que esses pensamentos sigam livremente o seu curso, mais nos invade a fúria e, com ela, a gana irresistível de pegar uma pedra ou um pedaço de pau. É assim que uma lufada de raiva pode conduzir ao paroxismo do ódio.

O ódio não se expressa unicamente pela raiva, mas esta explode assim que as circunstâncias permitam. Ela está ligada a outras emoções e atitudes negativas: agressividade, ressentimento, amargura, intolerância, calúnia, rancor, fanatismo e, acima de tudo, ignorância. A raiva pode também derivar do medo, quando sentimentos que algo nos ameaça ou ameaça aqueles que amamos.

É preciso igualmente aprender a diferenciar o ódio “de todo dia” daquele que está ligado aos que estão perto de nós. O que fazer quando odiamos o nosso irmão, o nosso sócio ou o nosso ex-marido? Eles se tornam uma obsessão para nós. Ficamos ruminando o rosto deles, seus hábitos, seus gestos, até ficarmos doentes. A nossa obsessão converte incansavelmente a aversão em perseguição. Conheci um homem que ficava vermelho de raiva à menor menção da esposa, que o deixara havia vinte anos.

Os efeitos nefastos e indesejáveis do ódio são óbvios. Basta olhar um instante para dentro de si para percebê-los. Sob a sua influência, a nossa mente vê as coisas de maneira nada realista, o que dá origem a uma frustação incessante. O Dalai Lama nos dá uma resposta:

Quando cedemos à raiva, não estamos necessariamente fazendo mal ao nosso inimigo, mas com certeza o fazemos a nós mesmos. Perdemos a nossa paz interior, não fazemos mais nada direito, a nossa digestão fica ruim, não podemos mais dormir, expulsamos aqueles que vêm nos visitar, lançamentos olhares furiosos àquele que ousar estar no nosso caminho. Se temos um animal de estimação, esquecemos de lhe dar comida. Tornamos a vida impossível para aqueles que moram conosco e mantemos a distância até os amigos mais queridos. E como um número cada vez menor e pessoas simpatizam conosco, sentimo-nos mais e mais solitários. [...] Para que tudo isso? Mesmo se permitimos que a nossa fúria se manifeste totalmente, nunca eliminaremos nossos inimigos. Você conhece alguém que tenha conseguido alguma vez fazer isso?
Enquanto abrigarmos dentro de nós esse inimigo interno que é a raiva ou o ódio, por mais bem-sucedidos que sejamos hoje na destruição dos nossos inimigos externos, amanhã surgirão outros.

O ódio é claramente corrosivo, quaisquer que sejam a intensidade e as circunstâncias que estejam por trás dele. Uma vez dominados pelo ódio, não somos mais donos de nós mesmos e ficamos incapazes de pensar em termos de amor e compaixão. Seguimos cegamente as nossas tendências destrutivas. E, no entanto, o ódio começa sempre com um simples pensamento. Este é o momento preciso em que é necessário intervir e lançar mão de um dos métodos de dissolução das emoções negativas que descrevemos no capítulo 10*.

Trecho do Livro 'Felicidade a pratica do Bem Estar'. Os métodos de dissolução das emoções negativas foram postados aqui na pagina e serão postados novamente em breve.

De todos os venenos mentais, o ódio é o mais nefasto. Ele é uma das principais causas da infelicidade e também a força que motiva toda violência, todo genocídio, todos os atentados à dignidade humana. Sem ódio não haveria assassinatos, guerras, não haveria esses milênios de sofrimento que são a nossa história. Quando alguém nos atinge, o instinto nos impele a golpear de volta, e assim as sociedades humanas dão aos seus membros o direito de retaliar, em vários graus de justiça, dependendo do seu nível de civilidade.
Em geral, não damos muita importância à benevolência, ao perdão e à compreensão das razões do agressor. Raramente somos capazes de considerar o criminoso como vítima do seu próprio ódio. É ainda mais difícil compreender que o desejo de vingança provém basicamente da mesma emoção que levou o agressor a nos atacar. Enquanto o ódio de uma pessoa gerar o de outras, o ciclo de ressentimento, retaliações e sofrimento não terá fim. “Se o ódio responde ao ódio, o ódio nunca cessará”, ensinou o Buda Shakyamuni. Eliminar o ódio do nosso fluxo mental é, portanto, um passo crucial em nossa jornada para a felicidade.
 
 

Comentários

Postar um comentário