MÃO-DE-OBRA ESCRAVIZADA COMO FORÇA DE TRABALHO COLONIAL : NUNCA MAIS ?






"Há algumas décadas atrás, ao analisar o uso da mão-de-obra escravizada como força de trabalho no Brasil Colonial, Fernando Novais, um de nossos mais importantes historiadores, dizia que sua escolha esteve intimamente ligada ao papel que cabia às colônias na economia das potências europeias metropolitanas. Trocando (simplificadamente) em miúdos: estando a produção de gêneros coloniais específicos destinada à exportação em larga escala em benefício de suas metrópoles, diante da grande quantidade de terras disponíveis pelas Américas, a opção pelo trabalho livre acabaria por estimular o desenvolvimento de pequenas propriedades voltadas para o próprio consumo, exportando pouco e não atendendo ao papel esperado da empresa colonizadora. Desta forma, dizia ele, "os colonos metamorfosearam-se em senhores de escravos, assumindo a personagem que lhes destinara o grande teatro do mundo; nem é de admirar que desenvolvessem aquela volúpia pela dominação de outros homens - era apenas a miséria da condição humana prêsa às malhas do sistema".

Apesar de rompidas as malhas do antigo sistema colonial no início do século XIX, mantivemos no Brasil o trabalho escravo até 1888; e, passado mais de um século de abolição legal da escravidão, continuamos a cultivar uma mentalidade profundamente escravocrata. Aí estão as empregadas domésticas e babás (e não apenas elas), tantas vezes verdadeiras mucamas travestidas de trabalhadores assalariados. Introjectamos tão profundamente, como disse Novais, aquela personagem a nós destinada no "grande teatro do mundo" que ainda hoje, no século XXI, o Brasil mantém, para nossa desgraça, uma cabeça profundamente senhorial. Pior, "naturalizamos" isso, ao ponto de encontrarmos quem ache um absurdo que empregados domésticos tenham hora para entrar e sair e direitos trabalhistas semelhantes às demais categorias trabalhistas.

Tal qual a superação do mimimi superficial de combate à corrupção (no qual a sociedade brasileira reveste-se da aura de trabalhadora-e-honesta-pagadora-de-impostos, jogando a responsabilidade exclusivamente sobre a classe política e oportunamente esquecendo-se do "jeitinho", esse, sim, o verdadeiro grande esporte nacional), a construção de uma sociedade melhor e mais justa também passa inevitavelmente pelo urgente abandono desse arcaico e enraizado papel senhorial."

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