A compreensão do que sois
pela auto-observação
É possível ver-se a totalidade
da vida, a qual semelha um rio, a rolar infinitamente, sem descanso, cheio de
beleza, impelido pelo enorme volume de suas águas? Pode-se ver totalmente essa
vida? Pois só vendo totalmente uma coisa, a compreendemos; mas não podemos vê-la
totalmente, completamente, se há alguma atividade egocêntrica a guiar, a moldar
a nossa ação e os nossos pensamentos. E a imagem egocêntrica que se identifica
com a família, com a nação, com conclusões ideológicas, com partidos — políticos
ou religiosos. É esse centro que, dizendo-se em busca de Deus, da Verdade,
impede a compreensão do todo da vida. E o compreender esse centro, tal como
realmente é, necessita uma mente que não esteja repleta de conceitos e
conclusões. Devo conhecer realmente, e não teoricamente, o que sou. O que
penso, o que sinto, minhas ambições, minha avidez, inveja, meu desejo de
sucesso, de preeminência, de posição, prestigio, ganho, minhas aflições — tudo
isso constitui o que eu ou. Posso pensar que sou Deus, que sou "outra coisa',
mas isso faz ainda parte do pensamento, parte da imagem que se "projeta" através
do pensamento. Assim, a menos que se compreenda essa coisa, não segundo Sankara,
Buda ou outro mais, a menos que vejais o que realmente sois, em cada dia — vossa
maneira de falar, de sentir, de reagir, não só consciente, mas também
inconscientemente — a menos que seja lançada essa base, que possibilidade tereis
de ir muito longe? Podeis ir longe, mas isso será imaginação, fantasia, ilusão,
e sereis um hipócrita.
Esta base vos tendes de lançar:
Compreender o que sois. Mas só sereis capaz de compreender o que sois pela
auto-observação, não tentando corrigir ou moldar o que observais, não dizendo
que isto é certo ou errado, porém vendo o que de fato se passa. Isso não
significa tornar-se mais egocêntrico. Pelo contrario, uma pessoa só se torna
egocêntrica quando esta a corrigir o que vê, a traduzi-lo de acordo com seus
gostos e aversões. Mas, quando simplesmente se observa, não há fortalecimento do
centro.
E o ver a totalidade da vida
requer grande afeição. Estamos tornando entes insensíveis, e pode-se ver porque.
Num país superpovoado, num país interior e exteriormente pobre, num país que
sempre viveu de ideias e não de realidades, que sempre venerou o passado e
sempre seguiu a autoridade radicada no passado — num tal país, naturalmente, os
entes humanos são indiferentes aos fatos reais. Se observardes a vós mesmo,
vereis o pouco que tendes de afeição, da afeição que é zelo. Afeição significa
percepção da beleza e não unicamente da "decoração" exterior. Mas, a percepção
da beleza só pode existir quando, há brandura, consideração, zelo — a essência
mesma da afeição. E, se está seca essa fonte, nosso coração também seca e, por
conseguinte, tratamos de enche-lo com palavras, ideias, citações; e,
tornando-nos cônscios dessa confusão, tentamos ressuscitar o passado, cultuamos
a tradição: retrocedemos. Não sabendo clarificar a confusão da presente
existência, dizemos "Voltemos atrás, volvamos ao passado, vivamos em
conformidade com uma certa coisa morta". Eis porque, quando nos vemos frente a
frente com o presente, nos refugiamos no passado ou numa certa ideologia ou
Utopia, e, estando vazio o nosso coração, tratamos de enche-lo de palavras,
imagens, fórmulas e slogans. Observai-vos, e sabereis de tudo isso.
Assim, para se promover,
natural e livremente, essa mutação. Mas nós não desejamos prestar atenção,
porque temos medo do que possa acontecer se realmente começarmos a pensar nos
fatos reais, diários, de nossa vida. E, porque temos medo de examina-los a
sério, preferimos viver como cegos, sufocados, aflitos, desditosos, triviais.
Por conseguinte, nossas vidas se tor- nam vazias, sem significação. E, sendo a
vida sem significação, tratamos de inventar uma significação para ela. Mas a
vida não tem significação. A vida é para ser vivida, pois nesse próprio viver é
que se descobre a realidade, a verdade, a beleza da vida. Para descobrir a
verdade, a beleza da vida, é necessário compreender o seu movimento total. E,
para compreender esse movimento total, temos de cessar todo o nosso pensar
fragmentário e nossas maneiras de vida; tendes de deixar de ser hinduísta, não
apenas no título, porém interiormente; tendes de deixar de ser muçulmano,
budista ou católico, abandonar todos os vossos dogmas, porque essas coisas estão
separando os entes humanos, dividindo vossa própria mente e coração.
E — fato estranho — após terdes
escutado uma hora inteira o que se esteve dizendo, voltareis a casa para repetir
o mesmo padrão. E a repeti-lo continuareis, infinitamente, esse padrão que se
baseia essencialmente no prazer. Tendes, pois, de examinar vossa própria vida,
voluntaria- mente, e não por influência do governo ou de alguém. Tendes de
examina-la voluntariamente, sem dizer que isto esta certo ou que isto esta
errado: tendes de olha-la! E se olhardes dessa maneira, vereis que o fareis com
olhos cheios de afeição; não com condenação, com julgamento, porem com zelo e,
por conseguinte, com imensa afeição. Só quando há grande afeição e amor pode-se
ver o movimento total da vida.
Krishnamurti – Viagem por um
mar desconhecido
Fonte:http://nossaluzinterior.blogspot.com.br/2013/07/
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