SABER CUIDAR : A ÉTICA DO HUMANO E A COMPAIXÃO PELA TERRA - RESENHA DO LIVRO DE LEONARDO BOFF



Saber Cuidar,a Ética Do Humano
e a Compaixão Pela Terra





O livro faz um convite à reflexão sobre o cuidado e a compaixão.  Leva a um despertar
do homem para uma reflexão crítica sobre os problemas do mundo, onde a falta de atitudes de cuidado são os sintomas dos maiores problemas da humanidade. A degradação ambiental do planeta, as relações entre as pessoas e a falta de conhecimento de si mesmo, leva a falência da Terra.             O autor apresenta através de fábulas e mitos a origem do homem e o significado do cuidado. Sendo a essência do ser humano, o saber cuidar, sendo preciso em primeiro lugar, voltar-se  e olhar para si mesmo e respiritualizar-se .A proposta é uma nova ética para a conduta humana nas relações com o meio e com o outro, partindo para uma nova ótica. Apresenta caminhos para a cura e o resgate da essência humana, quando o homem deve passar por uma alfabetização ecológica, revendo os hábitos de consumo, aprendendo a conviver, a tocar, a mostrar seu carinho e sua generosidade, alimentar o amor, o contato humano, aumentar a capacidade de sentir, viver e conviver, aprendendo a cuidar
do planeta, sempre envolto em uma ética de cuidado.             Saber cuidar, a essência da vida humana está dentro de cada um, e todas
as respostas estão dentro do ser humano,
basta querer achá-las.                            Neste mundo tecnológico, com o avanço cada vez maior das produções e conseqüentemente do consumismo desenfreado, é árduo o trabalho de realizar um cuidado específico para que não aumente e até se controle o número cada vez maior de excluídos, espoliados, empobrecidos, condenados a uma vida cega de conhecimentos, solitária de amor e ternura, e praticamente abandonados. O homem está cada vez mais só e, com certeza, se deixando fechar-se em si mesmo, esquecendo-se de cuidar de si, das coisas ao seu redor, do outro e do mundo onde vive. O livro ?Saber Cuidar, traz os conceitos de cuidado, inerentes ao ser humano, como crítica à civilização que, agonizante, pede para superar os desafios e através do cuidado. Como suporte real da criatividade, da liberdade e da inteligência, precisa urgentemente renascer do fundamental do humano.             O cuidado nasce quando se conhece a essência de todas as coisas, quando se descobre os propósitos e finalidades da vida, quando o homem se compromete e assume a responsabilidade de zelar, atender e preocupar-se com o outro.             O livro demonstra uma evolução de idéias em um crescente, trazendo a idéia do cuidado em relação às formas de cuidar; a falta de cuidado no mundo atual; o que seria necessário para amenizar esse mal, resgatando a respiritualização como um dos remédios da humanidade; os caminhos para se encontrar o local de origem da essência do ser humano. Envolve a filosofia como elemento de aprendizado em busca das origens do cuidado com a Terra, com o homem, com o Universo e com os outros homens, trabalhando a sustentabilidade da sociedade.             Ao envolver o homem no cuidado, faz renascer diversos modos de cuidado; as ressonâncias do cuidado em diversas atitudes, como o amor a justa medida, a ternura, a carícia, a cordialidade, a convivibilidade e a compaixão, resgatando os modos de ser essenciais ao ser humano. Abordando a importância do cuidado com as pessoas, sobretudo com os diferentes culturalmente, com os penalizados pela natureza, com os espoliados, os pobres, os excluídos, as crianças, os velhos, os moribundos. Ressalta, ainda o cuidado com as plantas, os animais, as paisagens e principalmente com a Terra.     Resta ao homem a interiorização da complexidade do pensamento do saber cuidar e frente a esse entendimento tomar a atitude de cuidar, como prioridade.

Fonte:http://www.netsaber.com.br/resumos/ver_resumo_c_40695.html





Saber cuidar - Ética do humano - compaixão pela terra


Por  
Acadêmica de Psicologia do CEULP/ULBRA e voluntária do (En)Cena

 


BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano-compaixão pela terra. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
 
No livro Saber cuidar: ética do humano-compaixão pela terra, o autor Leonardo Boff que é professor de teologia, filosofia, espiritualidade e de ecologia e autor de inúmeras obras, busca detalhar o cuidado em suas várias concretizações: cuidado com a Terra, com a sociedade sustentável com o corpo, com o espírito, com a grande travessia da morte. A ótica do cuidado funda uma nova ética, compreensível a todos e capaz de inspirar valores e atitudes fundamentais para a fase planetária da humanidade.
Boff inicia o livro retratando a relação de cuidado que remontamos a um chaveirinho eletrônico chamado tamagochi, uma invenção japonesa de 1997, de um bichinho virtual que precisava de cuidado (ser alimentado, de carinho, de dormir, entre outras necessidades) para que não morresse. A partir daí o autor começa a analisar que tipos de relações se constroem na atualidade, nas quais investimos tempo e cuidado a seres virtuais para superar a solidão.
Dentre os 11 capítulos que compõem o livro, retrata-se o descuido com o ser humano e de que forma ocorre em nossa civilização atual, descreve sobre a historicidade dos mitos e fábulas na sociedade, discorre sobre as dimensões, natureza, concretizações e patologias do cuidado, e por último exemplifica modelos de vivências acerca deste ato de cuidar.
A fábula-mito do cuidado faz uso de várias figuras mitológicas (Júpiter, Terra, Saturno), para nos mostrar que o cuidado é antes de tudo uma atitude, como nos fala o autor:
“Cuidar é mais que um ato, é uma atitude. [...] Representa uma atitude de ocupação, preocupação, de responsabilização e envolvimento afetivo com o outro.” (BOFF, 1999, p.33)
Enfim, o ser humano como ser social e histórico, é fruto de suas relações entre seus pares e também com a natureza em geral, essa troca de afeto, de experiências de vida, é fundamental para o movimento de construção e desconstrução de nossa identidade.
Para você leitor que se preocupa com a construção de suas relações afetivo-sociais, e os efeitos que elas acarretam não somente para sua vida, mas para todo o Universo, recomenda-se a leitura deste livro que propõe uma nova visão, acerca do cuidado com o sujeito homem e seu meio ambiente.

 
Leonardo BoffSaber Cuidar. Ética do Humano – Compaixão pela Terra
Petrópolis, Ed. Vozes, 1999
Excertos adaptados
I. Saber Cuidar. Ética do Humano – Compaixão pela Terra – L. Boff
II. 
Saber Cuidar – Sintomas da crise – L. Boff
III. Saber Cuidar – Figuras exemplares de cuidado – L. Boff

O TAMAGOCHI E O CUIDADO


A sociedade contemporânea, chamada sociedade do conhecimento e da comunicação, está cada vez mais a criar, contraditoriamente, incomunicação e solidão entre as pessoas. A Internet pode conectar-nos com milhões de pessoas sem precisarmos de encontrar alguém. Pode-se comprar, pagar as contas, trabalhar, pedir comida, assistir a um filme, sem se falar com ninguém. Para viajar, conhecer países, visitar pinacotecas, não precisamos de sair de casa. Tudo vem a nossa casa via on line.
A relação com a realidade concreta, com os seus cheiros, cores, frios, calores, pesos, resistências e contradições, é mediada pela imagem virtual, que é somente imagem. O pé já não sente o macio da relva verde. A mão já não pega num punhado de terra escura. O mundo virtual criou um novo habitat para o ser humano, caracterizado pelo encapsulamento sobre si mesmo e pela falta do toque, do tacto e do contato humano.
Essa anti-realidade afecta a vida humana naquilo que ela possui de mais fundamental: o cuidado e a compaixão. Mitos antigos e pensadores contemporâneos dos mais profundos ensinam-nos que a essência humana não se encontra tanto na inteligência, na liberdade ou na criatividade, mas basicamente no cuidado. O cuidado é, na verdade, o suporte real da criatividade, da liberdade e da inteligência. No cuidado encontra-se o ethos fundamental do humano. Quer dizer, no cuidado identificamos os princípios, os valores e as atitudes que fazem da vida um bem-viver e das ações um reto agir.
O tipo de sociedade do conhecimento e da comunicação que temos desenvolvido nas últimas décadas ameaça a essência humana. Porventura, não ignorou ela as pessoas concretas com as feições dos seus rostos, com o desenho das suas mãos, com a irradiação da sua presença, com as suas biografias marcadas por buscas, lutas, perplexidades, fracassos e conquistas? Não colocou sob suspeita e até difamou como obstáculo ao conhecimento objectivo, o cuidado, a sensibilidade e o enternecimento, realidades tão necessárias, sem as quais ninguém vive e sobrevive com sentido? Na medida em que avança tecnologicamente na produção e serviço de bens materiais, será que não produz mais empobrecidos e excluídos, quase dois terços da humanidade, condenados a morrer antes do tempo?
A nossa meditação procura denunciar semelhante desvio. Ousamos apresentar caminhos de cura e de resgate da essência humana, que passam todos pelo cuidado.
 Alimentamos a profunda convicção de que o cuidado, pelo facto de ser essencial, não pode ser suprimido nem ignorado. Ele vinga-se e irrompe sempre por algumas brechas da vida. Se assim não fosse, repetimos, não seria essencial. Onde é que o cuidado aparece na nossa sociedade? Em algo de muito vulgar, de quase ridículo, mas extremamente indicativo: no tamagochi.
O que é o tamagochi ? É uma invenção japonesa dos inícios de 1997. Um porta-chaves electrónico, com três botões abaixo do écran de cristal, que alberga dentro de si um bichinho de estimação virtual. O bichinho tem fome, come, dorme, cresce, brinca, chora, fica doente e pode morrer. Tudo depende do cuidado que recebe ou não do seu dono ou dona. O tamagochi dá muito trabalho. Como uma criança, a todo momento deve ser objecto de cuidado; caso contrário, reclama com o seu bip; se não for atendido, corre risco. E quem é tão sem coração a ponto de deixar um bichinho de estimação morrer? O brinquedo transformou-se numa mania e tem mudado a rotina de muitas crianças, jovens e adultos, que se empenham em cuidar do tamagochi, dar-lhe de comer, deixá-lo descansar e fazê-lo dormir. O cuidado faz até o milagre de o ressuscitar, caso tenha morrido por falta de atenção e de cuidado.
Bem disse um perspicaz cronista carioca: “Solidão, o seu cognome é tamagochi“. O cuidado pelo bichinho de estimação virtual denuncia a solidão em que vive o homem/a mulher da sociedade da comunicação nascente. Mas anuncia também que, apesar da desumanização de grande parte da nossa cultura, a essência humana não se perdeu. Ela está aí na forma do cuidado, transferido para um aparelho electrónico, em vez de ser investido nas pessoas concretas à nossa volta: na avó doente, num colega de escola deficiente físico, num menino ou menina da rua, no velhinho que vende o pão matinal, nos pobres e marginalizados das nossas cidades ou até mesmo num bichinho vivo de estimação, seja um hamster, um papagaio, um gato ou um cachorro.
O cuidado serve de crítica à nossa civilização agonizante e também de princípio inspirador de um novo paradigma de convivialidade. É o que vamos propor no presente livro.
Sonhamos com um mundo ainda por vir, onde não vamos precisar mais de aparelhos electrónicos com seres virtuais para superar a nossa solidão e realizar a nossa essência humana de cuidado e de gentileza. Sonhamos com uma sociedade mundializada, na grande casa comum, a Terra, onde os valores estruturantes se construirão em redor do cuidado com as pessoas, sobretudo com os culturalmente diferentes, com os penalizados pela natureza ou pela história. Cuidado com os espoliados e excluídos, as crianças, os velhos, os moribundos, cuidado com a nossa grande e generosa Mãe, a Terra. Sonhamos com o cuidado assumido como o ethos fundamental humano e como compaixão imprescindível para com todos os seres da criação.
Por toda a parte surgem sintomas que sinalizam grandes devastações no planeta Terra e na humanidade. O projecto de crescimento material ilimitado, mundialmente integrado, sacrifica 2/3 da humanidade, extenua recursos da Terra e compromete o futuro das gerações vindouras. Encontramo-nos no limiar de bifurcações fenomenais. Qual é o limite de suportabilidade do super-organismo Terra? Estamos a rumar na direcção de uma civilização do caos?
Na sua biografia, a terra conheceu cataclismos inimagináveis mas sempre sobreviveu. Sempre salvaguardou o princípio da vida e da sua diversidade. Supomos que agora não será diferente. Há hipóteses de salvação. Mas, para isso, devemos percorrer um longo caminho de conversão dos nossos hábitos quotidianos e políticos, privados e públicos, culturais e espirituais. A degradação crescente da nossa casa comum, a Terra, denuncia a nossa crise de adolescência. Importa que entremos na idade madura e mostremos sinais de sabedoria. Sem isso, não garantiremos um futuro promissor.
 Formalizando a questão, podemos dizer: mais do que o fim do mundo, estamos a assistir ao fim de um tipo de mundo. Enfrentamos uma crise civilizacional generalizada. Precisamos de um novo paradigma de convivência que funde uma relação mais benfazeja para com a Terra e inaugure um novo pacto social entre os povos, no sentido do respeito e da preservação de tudo o que existe e vive. Só a partir desta mutação, faz sentido pensarmos em alternativas que representem uma nova esperança.

SINTOMAS DA CRISE CIVILIZACIONAL

O sintoma mais doloroso, já constatado há décadas por analistas e pensadores contemporâneos, é um difuso mal-estar da civilização. Aparece sob o fenómeno do descuido, da falta de atenção e do abandono, numa palavra, da falta de cuidado.
— Há um descuido e uma falta de atenção pela vida inocente de crianças, usadas como combustível na produção para o mercado mundial. Os dados da Organização Mundial da Infância de 1998 são aterradores: 250 milhões de crianças trabalham. Na América Latina 3 em cada 5 crianças trabalham. Na África, 1 em cada 3. E na Ásia 1 em cada 2. São pequenos escravos a quem se nega a infância, a inocência e o sonho. Não causa admiração se são assassinadas por esquadrões de extermínio nas grandes metrópoles da América Latina e da Ásia.
— Há um descuido e uma ignorância manifestos em relação ao destino dos pobres e marginalizados da humanidade, flagelados pela fome crónica, mal sobrevivendo à atribulação de mil doenças, outrora erradicadas e surgindo actualmente com redobrada virulência.
— Há um descuido e um descaso imensos quanto à sorte dos desempregados e aposentados, sobretudo dos milhões e milhões de excluídos do processo de produção, tidos como descartáveis e zeros económicos. Esses nem sequer ingressam no exército de reserva do capital. Perderam o privilégio de serem explorados a preço de um salário mínimo e de alguma segurança social.
— Há um descuido e um abandono dos sonhos de generosidade, agravados pela hegemonia do neoliberalismo, com o individualismo e a exaltação da propriedade privada que tal comporta. Menospreza-se a tradição da solidariedade. Faz-se pouco dos ideais de liberdade e de dignidade para todos os seres humanos.
— Há um descuido e um abandono crescente da sociabilidade nas cidades. A maioria dos habitantes sentem-se desenraizados culturalmente e alienados socialmente. Predomina a sociedade do espectáculo, do simulacro e do entretenimento.
— Há um descuido e uma falta de atenção pela coisa pública. Organizam-se políticas pobres para os pobres; os investimentos sociais em segurança alimentar, saúde, educação e habitação são, em geral, insuficientes. Há um descuido vergonhoso pelo nível moral da vida pública, marcada pela corrupção e pelo jogo explícito de poder de grupos que chafurdam no pantanal de interesses corporativos.
— Há um abandono da reverência, indispensável para cuidar da vida e da sua fragilidade. A continuar este processo, até meados do século XXI terão desaparecido definitivamente mais de metade das espécies animais e vegetais atualmente existentes. É o que nos informa o conceituado e recente relatório sobre o estado da Terra (The State of Environment Atlas) dos Estados Unidos. Com eles desaparece uma biblioteca de conhecimentos acumulados pelo universo no decurso de 15 biliões de anos de penoso trabalho evolutivo.
— Há um descuido e uma falta de atenção na salvaguarda da nossa casa comum, o planeta Terra. Os solos são envenenados, os ares são contaminados, as águas são poluídas, as florestas são dizimadas, as espécies de seres vivos são exterminadas; um manto de injustiça e de violência pesa sobre dois terços da humanidade. Um princípio de autodestruição está em acção, capaz de liquidar o subtil equilíbrio físico-químico e ecológico do planeta e de devastar a bioesfera.
— Há descuido e falta de atenção generalizada na forma como se organiza a habitação, pensada para famílias minúsculas, obrigadas a viver em habitações insalubres. Milhões e milhões são condenados a viver em bairros de lata e bairros sociais sem qualquer qualidade de vida, sob a permanente ameaça de aluimentos de terra, que fazem em cada ano milhares de vítimas. As formas de vestir de estratos importantes da juventude revelam decadência dos gostos e dos costumes. Recorre-se frequentemente à violência para resolver conflitos interpessoais e institucionais, normalmente superáveis mediante o diálogo e a mútua compreensão. Atulhados de aparatos tecnológicos, vivemos tempos de impiedade e de insensatez. Sob certos aspectos, regredimos à barbárie mais atroz.

FIGURAS EXEMPLARES DE CUIDADO

O modo-de-ser cuidado só convence verdadeiramente quando se transforma em saga na biografia de pessoas e modela situações existenciais.

O CUIDADO DAS NOSSAS MÃES E AVÓS

Existem figuras que concentram e irradiam cuidado de maneira privilegiada: as nossas mães e as mães das nossas mães, as nossas avós. Não precisamos de pormenorizar essa experiência. Ela é fundamental em cada pessoa, pois o primeiro continente que a criança conhece é a sua própria mãe. Ser mãe é mais do que uma função; é um modo-de-ser que engloba todas as dimensões da mulher-mãe, o seu corpo, a sua psique e o seu espírito. Com o seu cuidado e carinho, a mãe continua a gerar os filhos e as filhas durante toda a vida. Mesmo que tenham morrido, sempre permanecerão no seu coração materno. Nos momentos de perigo, são invocadas como referência de confiança e de salvação. É através das mães que cada um aprende a ser mãe de si mesmo, na medida em que aprende a aceitar-se, a perdoar as próprias fraquezas e a alimentar o sonho de um grande útero acolhedor de todos. Representam também o modo de ser mãe as educadoras e os educadores que se devotam ao crescimento humano, mental e espiritual dos educandos, as enfermeiras que cuidam dos seus doentes e tantas outras pessoas que anonimamente se desvelam no cuidado de alguém.

JESUS, UM SER DE CUIDADO

Jesus de Nazaré, ao lado de Buda, é uma das figuras religiosas que mais encarnam o modo-de-ser-cuidado. Revelou à humanidade o Deus-cuidado, experimentando Deus como Pai e Mãe divinos que cuidam de cada cabelo da nossa cabeça, da comida dos pássaros, do sol e da chuva para todos (cf. Mt 5,45; Lc 21,18). Jesus mostrou cuidadoespecial com os pobres, os famintos, os discriminados e os doentes. Enchia-se de compaixão e curava a muitos. Facto inusitado para a época, associou a si várias mulheres como discípulas (Lc 8,2-3). Cultivou um amor terno para com as amigas Marta e Maria (Jo 11,20-28; Lc 10,38-42).
Fez da misericórdia a chave da sua ética. É pela misericórdia que os seres humanos chegam ao Reino da Vida; sem a misericórdia, não há salvação para ninguém (Mt 25,36-41). As parábolas do bom samaritano que mostra compaixão pelo caído na estrada (Lc 10,30-37) e a do filho pródigo acolhido e perdoado pelo pai (Lc 15,11-32) são expressões exemplares de cuidado e de plena humanidade.
Morrendo na cruz, cuida dos ladrões crucificados ao seu lado e cuida de sua mãe, entregando-a aos cuidados do discípulo predilecto João (Jo 19,26-27). Jesus foi um ser de cuidado. O evangelista Marcos diz com extrema finura: “Ele fez bem todas as coisas; fez surdos ouvir e mudos falar.” (Mc 7,37). Teve cuidado com a vida integral.

FRANCISCO DE ASSIS: A FRATERNIDADE DO IRMÃO UNIVERSAL

Na tradição ocidental, Francisco de Assis (1182-1226) é visto como uma figura exemplar de grande irradiação. Tudo na sua vida vem urdido de extremo cuidado com a natureza, os animais, as aves e plantas, os pobres e especialmente com a sua amiga e cúmplice, Clara de Assis. Com fina percepção, sentia o laço de fraternidade e de irmandade que nos une a todos os seres. Ternamente, chama a todos irmãos e irmãs: o Sol, a Lua, as formigas e o lobo de Gubbio. As coisas têm coração. Ele sentia o seu pulsar e nutria veneração e respeito por cada ser, por menor que fosse. Nas hortas, também as ervas daninhas tinham o seu lugar, pois, à sua maneira, elas louvam o Criador.
Os biógrafos do tempo, como os co-irmãos Tomás de Celano e São Boaventura, testemunham o impacto de tanta suavidade. Afirmam que Francisco “resgatou a inocência original”, que “é o homem novo, dado ao mundo pelo céu” e que, finalmente, representa “o evangelista dos novos tempos”. Efectivamente, face às demandas da nossa cultura ecológica mundial, reconhecemos a sua grande actualidade. Somos velhos, ainda aferrados ao modo-de-ser do trabalho-dominação-agressão da natureza. São Francisco, no entanto, é verdadeiramente alternativo pelo seu radical modo de ser-cuidado com respeito, veneração e fraternidade para com todas as coisas.
Num pergaminho do convento do Monte Alverne, onde recebeu no seu corpo os sagrados estigmas, conservou-se o seu último adeus às criaturas. Estava extremamente doente e prestes a morrer. Despede-se de Frei Masseo, do irmão rochedo e do irmão falcão. Por fim diz: “Io mi parto da voi con la persona, ma vi lascio il mio cuore”, quer dizer, “eu me aparto de vós como pessoa, mas deixo-vos o meu coração.” Com efeito, o coração de Francisco significa um estilo de vida, a expressão genial do cuidado, uma prática de confraternização e um renovado encantamento pelo mundo. Recriar esse coração nas pessoas e resgatar a cordialidade (cor coração em latim) nas relações poderá suscitar no mundo actual o mesmo fascínio pela sinfonia do universo e o mesmo cuidado com a irmã e mãe Terra, como foi paradigmaticamente vivido por S. Francisco.

MADRE TERESA DE CALCUTÁ: O PRINCÍPIO MISERICÓRDIA

Com certeza um dos arquétipos vivos do cuidado essencial é a religiosa católica Madre Teresa de Calcutá (1910-1997). Nascida na Albânia, trabalhou a partir de 1928 na Índia como missionária e professora num semi-internato. Tudo corria no ritmo normal de uma escola, quando, em 1946, viajando de comboio, disse ter escutado uma voz clara que lhe ordenava deixar o convento para ajudar os pobres, vivendo no meio deles. Entendeu-a como chamamento divino. Efectivamente, aos 38 anos de idade, saiu do mosteiro, trocou o seu pesado hábito negro por um prático e barato sari de algodão. Foi morar na periferia miserável de Calcutá, num casebre, vivendo à base de arroz e sal como os pobres, servindo os pobres. À medida que foram chegando seguidoras, fundou a Ordem das Missionárias da Caridade. Além dos três votos de pobreza, obediência e castidade, ela impôs-se um quarto: “Dedicar-se de todo coração e livremente ao serviço dos mais pobres dos pobres.”
Em Calcutá há milhares e milhares de miseráveis que nascem, vivem e morrem na rua. Madre Teresa cuidou logo de fundar a Casa dos Moribundos. Recolhia-os das ruas e levava-os para que pudessem morrer com dignidade. Começava assim uma obra de compaixão e misericórdia que se estendeu por muitas cidades da Índia, do Paquistão e de outros países, sempre com o fito de conferir dignidade e humanidade aos que iam morrendo.
A Ordem das Missionárias da Caridade cultiva um carisma, ligado directamente à ternura vital, o carisma de tocar as pessoas na sua pele, nos seus corpos e nas suas chagas. “Toca-os, lava-os, alimenta-os”, insistia Madre Teresa com as suas irmãs e os muitos voluntários que de todo o mundo acorriam para ajudar em suas obras. Outras vezes dizia: “Dá Cristo ao mundo, não o mantenhas para ti mesma e, ao fazê-lo, usa as tuas mãos.” A sua biógrafa, Anne Sebba, comenta: “A capacidade de tocar, com as suas implicações mais amplas, é especialmente importante na Índia, onde o conceito de “intocabilidade” é tão real; este é o verdadeiro espírito missionário em acção; é mais importante tocar que curar.” A mão que toca, cura porque leva carícia, devolve confiança, oferece acolhimento e manifesta cuidado. A mão faz nascer a essência humana naqueles que são tocados.
Em 1979 ganhou o Prémio Nobel da Paz. Deu-lhe o verdadeiro sentido: “Aceito o prémio em nome dos pobres… O prémio é um reconhecimento do mundo dos pobres.”

MAHATMA GANDHI: A POLÍTICA COMO CUIDADO COM O POVO

Uma figura que impressionou todo o século XX é seguramente Gandhi (1869-1948). Nascido na Índia, formou-se em Direito em Londres e trabalhou por mais de 20 anos na África do Sul (1893- 1915) defendendo os imigrantes indianos, vítimas da segregação racial. Em África, entrou em contacto com os ideais anunciados pelo grande escritor russo, Leon Tolstoi (1883-1945), autor dos famosos romances Guerra e Paz e Anna Karenina. Este via a essência da mensagem de Jesus no Sermão da Montanha, no amor, na recusa de toda a violência, na veneração aos pobres e no compromisso com uma vida simples. Tais ideias impressionaram profundamente Gandhi e ajudaram-no a formular a sua própria visão da não-violência e da actuação política como cuidado com o povo. Chegou a fundar uma comunidade rural “Tolstoi”, onde tentou viver esses ideais com outros amigos.
De volta à Índia, entregou-se à tarefa de organizar o povo contra a dominação inglesa. Começou por pregar o boicote aos produtos ingleses, especialmente aos tecidos. Incentivou o retomar da tradição familiar de tecer as roupas em casa. Convocou à desobediência civil. Foi preso inúmeras vezes. Famosa ficou a Marcha para o Mar em 1930. Por um decreto dos colonizadores, os indianos não poderiam comprar sal, a não ser aquele monopolizado pelos ingleses. Gandhi mobilizou milhares e milhares de pessoas que caminharam em direcção ao mar, para dele extrair o sal de que precisavam. Foi preso, mas conseguiu a liberação completa do sal.
Gandhi definia a política como “um gesto amoroso para com o povo”. Por outras palavras, política como cuidado com o bem-estar de todos e ternura essencial para com os pobres. Ele mesmo confessa: “Entrei na política por amor à vida dos fracos; morei com os pobres, recebi os párias como hóspedes, lutei para que tivessem direitos políticos iguais aos nossos, desafiei os reis, esqueci-me das vezes em que estive preso.”
Dois princípios básicos norteavam a sua prática: a força da verdade (satiagra) e a não-violência activa (ahimsa). Acreditava profundamente que a verdade possui em si uma força invencível contra a qual são inócuas as manipulações, as violências, as armas e as prisões. Tinha profunda convicção de que, por detrás dos conflitos, existe uma verdade latente a ser identificada. A função do político é crer nesta verdade, trazê-la à tona para todos e agir em coerência com ela, mostrando-se disposto a suportar os sacrifícios que tal postura comporta. Acreditava firmemente que a verdade, embora tardia, sempre venceria.
A crença na força da verdade levou-o à não-violência activa (ahimsa), que não significa cruzar os braços, mas usar todos os meios pacíficos para alcançar os objetivos almejados. Importa que os meios e os fins tenham a mesma natureza. Fins bons requerem meios bons. Pratica-se a não-violência activa, por exemplo, ocupando ruas, organizando manifestações multitudinárias, fazendo jejuns e preces, e oferecendo o próprio corpo para deter a violência.
Gandhi elaborou um pequeno credo em forma de oração, recitado todos os dias: “Não terei medo de ninguém sobre a terra. Temerei apenas a Deus. Não terei má vontade para com ninguém. Não aceitarei injustiças de ninguém. Vencerei a mentira pela verdade. E, na minha resistência à mentira, aceitarei qualquer tipo de sofrimento.”
Gandhi era profundamente religioso. Conhecia o cristianismo a fundo e tinha grande veneração por Jesus. Mas continuou na sua religião indiana, pois acreditava que todas as religiões, no seu coração, captam e expressam a mesma verdade divina. Tinha profunda convicção de que a prece e o jejum podiam modificar situações políticas. Por isso, sempre que havia algum impasse político maior, punha-se em prece e jejum por semanas. Convocava as multidões a praticar o mesmo. Fazia tremer o Império Britânico e demovia as forças contrárias.
Possuía um profundo cuidado para com todos os seres. Como um mandamento pregava: “Amarás a mais insignificante das criaturas como a ti mesmo. Quem não fizer isto jamais verá a Deus face a face.”

CONCLUSÃO

O CUIDADO E O FUTURO DOS ESPOLIADOS E DA TERRA

A categoria cuidado mostrou-se a chave decifradora da essência humana. O ser humano possui transcendência e por isso viola todos os tabus, ultrapassa todas as barreiras e contenta-se apenas com o infinito. Ele possui algo de Júpiter dentro de si; não sem razão, pois dele recebeu o espírito.
O ser humano possui imanência e por isso se encontra situado num planeta, enraizado num local e plasmado dentro das possibilidades do espaço-tempo. Ele tem algo da Tellus/Terra dentro de si; é feito de húmus, donde deriva a palavra “homem”.
O ser humano encontra-se sob a regência do tempo. Este não significa um puro correr, vazio de conteúdos. O tempo é histórico, feito pela saga do universo, pela prática humana, especialmente pela luta dos oprimidos, em busca da sua vida e libertação. Constrói-se passo a passo; por isso, é sempre concreto, concretíssimo. Mas, simultaneamente, o tempo implica um horizonte utópico, promessa de uma plenitude futura para o ser humano, para os excluídos e para o cosmos. Somente buscando o impossível se consegue realizar o possível. Em razão dessa dinâmica, o ser humano possui algo de Saturno, senhor do tempo e da utopia.
Mas não basta suster tais determinações. Elas, na verdade, dilaceram o ser humano. Colocam-no distendido e crucificado entre o céu e a terra, entre o presente e o futuro, entre a injustiça e a luta pela liberdade.
Que alquimia forjará o elo entre Júpiter, Tellus/Terra e Saturno? Que energia articulará a transcendência e a imanência, a história e a utopia, a luta pela justiça e a paz, para que construam o humano plenamente?
É o cuidado que enlaça todas as coisas; é o cuidado que traz o céu para dentro da terra e coloca a terra dentro do céu; é o cuidado que fornece o elo de passagem da transcendência para a imanência, da imanência para a transcendência e da história para a utopia. É o cuidado que confere força para buscar a paz no meio dos conflitos de toda a ordem. Sem o cuidado que resgata a dignidade da humanidade condenada à exclusão, não se inaugurará um novo paradigma de convivência.
O cuidado é anterior ao espírito (Júpiter) e ao corpo (Tellus). O espírito humaniza-se e o corpo vivifica-se quando são moldados pelo cuidado. Caso contrário, o espírito perde-se nas abstracções e o corpo confunde-se com a matéria informe. O cuidado faz com que o espírito dê forma a um corpo concreto, dentro do tempo, aberto à história e dimensionado para a utopia (Saturno). É o cuidado que permite a revolução da ternura, ao tornar prioritário o social sobre o individual e ao orientar o desenvolvimento para a melhoria da qualidade de vida dos humanos e de outros organismos vivos. O cuidado faz surgir o ser humano complexo, sensível, solidário, cordial, conectado com tudo e com todos no universo.
O cuidado imprimiu a sua marca registada em cada porção, em cada dimensão e em cada dobra escondida do ser humano. Sem o cuidado o humano far-se-ia inumano.
Tudo o que vive precisa de ser alimentado. Assim, o cuidado, a essência da vida humana, precisa também de ser continuamente alimentado. As ressonâncias do cuidado são a sua manifestação concreta nos vários aspectos da existência e, ao mesmo tempo, o seu alimento indispensável. O cuidado vive do amor primordial, da ternura, da carícia, da compaixão, da convivialidade, da medida justa em todas as coisas. Sem cuidado, o ser humano, como um tamagochi, definha e morre.
Hoje, na crise do projeto humano, sentimos a falta clamorosa de cuidado em toda a parte. As suas ressonâncias negativas evidenciam-se pela má qualidade da vida, pela penalização da maioria empobrecida da humanidade, pela degradação ecológica e pela exaltação exacerbada da violência.
Não busquemos o caminho da cura fora do ser humano. O ethos está no próprio ser humano, entendido na sua plenitude que inclui o infinito. Ele precisa de se voltar para si mesmo e de redescobrir a sua essência, que se encontra no cuidado. Que o cuidadoaflore em todos os âmbitos, que penetre na atmosfera humana e que prevaleça em todas as relações! O cuidado salvará a vida, fará justiça ao empobrecido e resgatará a Terra como pátria e mátria de todos nós.


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