Os verdadeiros revolucionários
Precisamos, sociologicamente,
de uma revolução radical e fundamental. Precisamos de uma transformação total.
Ora, uma técnica, que representa um método, uma maneira, operará a
transformação? Ou é necessário que haja indivíduos — você e eu — que compreendam
o problema e estejam, em si mesmos, num estado de revolução? Em tais condições,
é revolucionária a influência desses indivíduos na sociedade, porquanto não
estão meramente aprendendo uma técnica de revolução, mas eles próprios,
revolucionados. Estou sendo claro?
(...) Não é mais importante,
mais essencial, que você esteja revolucionado, em vez de apenas procurar uma
técnica revolucionária? Mas, por que você não está revolucionado? Por que não há
em você o novo processo da vida? Por que não há em você uma nova maneira de
considerar a vida, uma chama, um tremendo descontentamento? Por que? Um homem
que está completamente insatisfeito, não só com certas coisas, mas inerentemente
insatisfeito, não necessita de técnica alguma para ser revolucionário. Ele mesmo
é uma revolução, uma ameaça à sociedade, e o chamamos revolucionário. Mas, por
que você não é um homem assim? Para mim, o que importa não é a técnica, mas,
sim, fazer de você um revolucionário, ajudá-lo a despertar, para perceber a
importância da completa transformação. E quando você estiver
transformado, poderá então agir, porque haverá aquele constante fluir de seiva
nova, que é, afinal de contas, revolução.
Consequentemente, para mim, a
importância da revolução interior, da transformação psicológica, é muito maior
do que a da revolução exterior. A revolução exterior é mera modificação, que
significa continuidade modificada, mas a revolução interior não tem pouso de
descanso, não tem parada, está em constante renovação. E é disto que
necessitamos no momento atual: um povo completamente descontente e capaz,
portanto, de discernir a verdade das coisas. O homem complacente, o homem que se
satisfaz com dinheiro, com posições, com uma ideia, é incapaz de perceber a
verdade. Só o homem que está descontente, o homem que investiga, que pergunta,
que duvida, que observa, só esse homem descobre a verdade; ele é uma revolução
em si mesmo e, portanto, nas suas relações. E, consequentemente, aquilo que
constitui o seu mundo — ou seja as suas relações com o outro — ele começa a
transformar. E influencia, desse modo, o mundo compreendido na esfera de suas
relações. Assim sendo, se você meramente procura uma técnica, ou indaga qual é a
minha técnica para a nova revolução, isso me parece fora de propósito, ou
melhor, parece indicar que você não percebe a importância de estar revolucionado
em si mesmo; e, para você ser uma revolução em si mesmo, é necessário que
desperte para o ambiente, para o meio em que vive.
Senhores, toda sociedade nova,
toda civilização nova, deve ser começada por você. Como foi que começou o
cristianismo, o budismo, e todo movimento significativo? Pela iniciativa de uns
verdadeiramente inflamados pela ideia e pelo sentimento. Tinham eles os corações
abertos a uma vida nova. Constituíam um núcleo, não tinham crença numa
determinada coisa, mas tinham em si próprios a experiência da
realidade — a realidade daquilo que viam. E o que nos cabe fazer, a você
e a mim, é, se posso sugeri-lo, vermos as coisas por nós mesmos e não através de
uma técnica. Senhor, você pode ler um poema de amor, mas se você não houver
sentido, como experiência, o que é o amor, por mais que você tenha
lido, por melhor que tenha aprendido a técnica , não conhecerá o perfume do
amor. E como não possuímos esse amor, andamos em busca da técnica. Estamos
exaustos e famintos, e estamos, por isso, superficialmente, à procura de uma
técnica. Um homem faminto não procura técnica alguma. O que lhe interessa é o
alimento e ele não fica à porta do restaurante a aspirar o cheiro da comida.
Assim, pois, a quando você pede uma técnica, denota isso que você não tem fome.
" "como" não é importante, mas a razão por que você pede esse
"como" é muito importante.
Nessas condições, só pode haver
revolução, só pode haver a contínua renovação interior, quando você compreender
a si mesmo. Você só pode se compreender na vida de relação, e não no isolamento.
Visto que nada pode existir no isolamento, a compreensão de si mesmo, o
conhecimento de si mesmo, em qualquer nível que seja, só pode ser aprendido na
vida de relação. E como a vida de relação é dolorosa e está em movimento
constante, desejamos dela fugir e encontrar a realidade fora das relações. Não
existe realidade alguma fora da vida de relação. Quando compreendo a vida a vida
de relação, esta mesma compreensão é realidade. Por conseguinte, é necessário
nos mantermos extraordinariamente vigilantes, despertos, vigilantes a todo
momento, abertos a todo desafio e a toda sugestão ou alusão. Mas tal coisa
existe um certo alertamento da mente e do coração, mas nós, em geral, vivemos a
dormir, vivemos desiludidos e, embora jovens, já temos um pé no túmulo. Por que
só pensamos com propósitos de sucesso, com propósitos de ganho, nunca vivemos
verdadeiramente; só nos preocupa o fim a que visamos; e porque só andamos a
demandar um fim, somos gente sem vida. Por isso, nunca somos revolucionários. Se
você estiver interessado diretamente na vida e no vier, e não na ideia relativa
ao viver, não poderá então deixar de ser uma revolução em si mesmo. Você mesmo
será uma revolução, porque estará enfrentando a vida diretamente, e não por
detrás de cortinas de palavras, de preconceitos, intenções e fins. E o homem que
enfrenta a vida diretamente é aquele que se acha num estado de descontentamento;
e você precisa estar nesse estado de descontentamento, para encontrar a
realidade. E a realidade é que liberta, que nos faz livres; é a realidade que
liberta a mente de suas ilusões e criações. Mas achar a realidade, estar aberto,
significa estar descontente. Você não pode procurar a realidade, ela tem de vir
até você; mas, só pode vir quando a sua mente estiver de todo insatisfeita e
pronta para recebê-la. Mas, em geral, temos medo de ficar descontentes, pois
sabe Deus onde esse descontentamento nos levaria. Por essa razão nosso
descontentamento é circundado de segurança, de proteção, de ações sempre
cuidadosamente planejadas. E um tal estado mental é incapaz de compreender a
verdade. A verdade não é estática, porquanto a verdade está fora do tempo, e a
mente não pode acompanhar a verdade, porque a mente é produto do tempo; e aquilo
que depende do tempo não pode conhecer, como experiência, o que é
o eterno. A verdade se manifesta ao homem que se acha naquele estado de
descontentamento, mas não anda em busca de um fim; porquanto, todo aquele que
busca um fim está em busca de satisfação; e satisfação, aprazimento, não é a
verdade.
Krishnamurti — 16 de janeiro de
1949 — O que te fará feliz?
Fonte:http://nossaluzinterior.blogspot.com.br/2013/06/
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