A TIRANIA DO EGO E O PROCESSO DE INDIVIDUAÇÃO DE JUNG

 

A TIRANIA DO EGO


 
Há ainda muita confusão sobre o processo de “individuação” de Jung, talvez porque a palavra “individuação” nos faz pensar em indivíduo, e indivíduo significa pessoa, sujeito, que também pode ser uma individualidade , ou seja, aquilo que constitui o indivíduo, o caráter ou personalidade. Talvez porque esse processo seja também equivalente ao processo de desenvolvimento espiritual, e os teósofos sempre se referiram ao Espírito ou Centelha como “eu superior”, termo esse inadequado pra designar o Espírito, o atemporal. Fato é que, por causa dessa confusão, muitos igualam/equiparam o “ego” com a consciência, algumas vezes Jung escreveu de forma ambígua a esse respeito, por isso, interpretam esse processo de individuação como uma “identificação” do ego com a Centelha/Espírito.
Tem sido muito difundido ultimamente por modalidades diferentes de psicoterapia e psicanálise que o processo de individuação ou realização espiritual se refere como uma “espiritualização do ego”, da conexão do ego com o divino, da identificação do ego com o Espírito, da ligação do ego com a Essência/Centelha, fonte última de força, de onde o ego conectado expressa essa força (poder) e retira dela (força) resultados concretos, como “sacudir as fundações do mundo” ou “grandes reformas sociais”, e que o “ego é uma gloriosa manifestação do Espírito”. Isto posto, fica claro que o objetivo dessa postura/interpretação é colocar os poderes do plano espiritual subordinados ao “grande ego” que expandiu seus limites ao ponto de abarcar essas forças. Essa postura que vem sendo muito difundida, confundindo em muito a mente das pessoas, também pode ser descrita como “fortalecimento do ego”, e que, esse processo, visa a plena adaptação à vida tal qual ela é, ou seja, a adaptação ao que aprendemos a chamar de “realidade”. Essa adaptação, é exatamente o que contribui para manter as pessoas acorrentadas ao sistema de dominação, ou sístase.
Em total oposição a essa interpretação, sempre se mostraram as religiões e filosofias, especialmente as orientais, que sempre enfatizaram a “transcendência do ego”, pois o ego é o principal obstáculo à realização espiritual. Alguns místicos também se referem a essa mesma transcendência do ego, de forma “simbólica e metafórica”, como sendo a morte do ego, ou seu aniquilamento.
E aqui surge um novo problema, porque segundo essas modalidades de psicoterapia, a transcendência do ego implica em “incluir” o próprio, e a ausência do ego acarretaria em psicose, ou seja, delírios e alucinações, além de perda cognitiva – escolhas, julgamentos e decisões – e não em “iluminação”.
Obviamente, em portadores dessa patologia tal coisa é assim, e os hospitais psiquiátricos podem comprovar, mas isso não significa que tais pessoas possuem tal patologia em consequência de suas buscas espirituais, muito menos podemos comparar um Krishnamurti, um Ramana Maharshi , ambos grandes sábios iluminados de nosso tempo, com os portadores de psicose. Essa interpretação não parece satisfatória.
A realidade: Os neurocientistas descobriram que todos os nossos cinco sentidos são percebidos no cérebro como sinais elétricos, desta forma, o cérebro durante nossa vida, jamais se confronta com a fonte original do objeto existente fora de nós, mas apenas com uma cópia elétrica do mesmo, formada dentro de nosso cérebro. Além disso, esse mecanismo do cérebro que transforma os sinais elétricos em percepções/sensações, cria uma memória de todas as experiências que temos como reação a um dado estímulo. Quando um estímulo semelhante é reapresentado, o registro clássico do cérebro reproduz a velha memória. Toda reação previamente experimentada, aprendida, reforça a probabilidade de que volte a ocorrer a mesma resposta. Essas memórias são os condicionamentos.
Segundo o físico Amit Goswani, em seu livro “O Universo Autoconsciente”, com o aprendizado, as respostas condicionadas começam a ganhar mais peso sobre as outras, pois uma vez aprendida uma tarefa, em todas as situações que a envolvam, há quase 100% de probabilidade de que uma memória correspondente desencadeie uma resposta condicionada. Esses numerosos programas são aprendidos no desenvolvimento do indivíduo, conforme a família, cultura, sociedade no qual ele está inserido, e se acumulam dominando o comportamento do cérebro-mente. Ainda, segundo Goswani, esses condicionamentos são nada mais, nada menos, que o ego.
Portanto o eu não é uma coisa, mas uma relação entre experiência consciente e ambiente físico imediato. Na experiência consciente, o mundo parece dividir-se entre sujeito e objeto. Ao ser refletida no espelho da memória, essa divisão produz a experiência dominante do ego. Na teoria quântica da autoconsciência, o colapso da superposição coerente dos estados quânticos do cérebro-mente, cria a divisão sujeito-objeto no mundo. A “consciência identifica-se” com o processador aparente das respostas aprendidas (condicionamentos), isto é, o ego.
Verificamos que é a consciência que alienada de sua verdadeira natureza se identifica com o ego, não o contrário. Percebemos que consciência e ego são coisas completamente distintas, portanto não podem ser equiparadas.
Essa proposta que a física quântica apresenta, vêm bem de encontro ao que as religiões ocidentais e orientais também apresentam, ou seja, sendo o ego equivalente aos condicionamentos que distorcem a percepção do real, nada mais coerente, quando na chegada do tempo, ou amadurecimento da consciência, esta como a Borboleta, irrompa o casulo e voe para a liberdade, se desvinculando/desconstruindo (que seja aniquilando/matando, somente palavras que indicam transcender) totalmente (d)os condicionamentos (ego).
Consciência/Inconsciência: “Não podemos escapar ao fato de que o mundo que conhecemos é construído a fim de ver a si mesmo” G. Spencer Brown

Na física quântica, a realidade é criada pela nossa consciência, pois é a observação que provoca o colapso da função de onda, escolhe uma das possibilidades contidas na superposição coerente e a transforma na realidade concreta percebida pelo observador.
Mas o que é exatamente a consciência e o inconsciente?
Pesquisas recentes na ciência cognitiva, indicam que pensamentos e sentimentos (mas não a escolha) surgem como reação à percepção inconsciente de estímulos, como por exemplo testes de mensagens subliminares. Segundo esses dados, aparentemente não exercemos escolha, a menos que estejamos agindo conscientemente, – com percepção como sujeitos. Esse fato levanta a questão do que significa agir sem percepção ( o conceito do inconsciente). O que em nós é inconsciente? Para Goswani, o inconsciente é aquilo para o qual há consciência, mas não percepção. Há um paradoxo, porque a consciência é o fundamento do ser. A consciência é onipresente, mesmo quando nos encontramos em estado inconsciente. É a nossa parte consciente que permanece inconsciente de algumas coisas durante a maior parte do tempo, inclusive no sono sem sonhos, ou sob anestesia geral. Em contraste, o inconsciente parece permanecer consciente de tudo, durante todo o tempo. Ele jamais dorme. É o nosso eu consciente que está inconsciente de nosso inconsciente, e o inconsciente é o que permanece consciente – e temos os dois termos ao avesso.
Ele diz que quando se fala de percepção inconsciente, significa que os eventos são percebidos, mas não são reconhecidos pelo consciente. Apesar disso, há distinção entre percepção e consciência.
Devido a essa distinção, cabe perguntar: a opção/escolha ocorre também na percepção inconsciente? – se não escolhemos, não confessamos reconhecer nossas percepções. Em testes, um homem cego , nega ter visto alguma coisa quando evita obstáculos.
“Escolho, logo existo”, mas o sujeito que escolhe é um sujeito único, universal (Centelha), e não o ego pessoal, o “eu”.
Portanto a consciência é anterior às experiências, é anterior à separação de opostos. Ela não têm objeto nem sujeito, sendo anterior ela é incondicionada. Ela é tudo que há, nada mais existe, senão a Deus.
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Fontes e ref.: Amit Goswani , “O Universo Autoconsciente”; O Franco Atirador , “Consciência e ego”; Saindo da Matrix;
M.C.Escher – Autoretrato e foto de Hugo Tzauyang
http://anoitan.wordpress.com/2010/05/03/a-tirania-do-ego/

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