SOBRE O AMOR E A SOLIDÃO - RAINER MARIA RILKE

 
 
“E mesmo mais tarde, mesmo agora, mesmo nestas últimas semanas, não acedi à consciência de minha natural solidão, o único meio de me tornar senhor de mim mesmo. Meu coração deslocou-se do meio de seus círculos em direção à periferia, para o lugar mais perto de ti – por mais que aí ele seja grande, sensível, jubiloso ou timorato, não se acha em sua constelação, não é o coração da minha vida. Em nossos momentos mais doces e talvez mais justos, amada, asseguraste-me que podias abarcar todos os tipos de amor por mim. Ah,…, resume-te àquela que, tenha o nome que tiver, assegura a minha vida, fortalece-me como pode. Não posso escapar de mim mesmo. Pois se eu desistisse de tudo, tudo, e me atirasse cegamente a teus braços, como por vezes desejo, e aí me perdesse, terias contigo alguém que houvera desistido de si mesmo: não seria a mim que terias, não a mim. Não sou capaz de dissimular e me transformar. Exatamente como na minha infância, diante do violento amor de meu pai, ajoelho-me no mundo e peço indulgência àqueles que me amam. Sim, que me poupem! Que não me consumam para a própria felicidade, mas me assistam a fim de que se desenvolva em mim aquela felicidade mais funda e solitária. Sem a grande demonstração dessa felicidade, por fim, não me haveriam de ter amado”.
 
 
                     Rainer Maria Rilke*
 
 
*Rainer Maria Rilke, em seus últimos escritos condensados em um livro chamado “O testamento”, anota em seus diários algo rico, que escreve depois de pensar e pensar e se revirar sobre o amor e a solidão:

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