NÃO,PRÁ PASÁRGADA ,NÃO - EDIVAL LOURENÇO

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Não, pra Pasárgada, não

E se por alguma razão eu fosse embora pra Pasárgada, onde seria amigo do rei, podendo ter as mulheres que quisesse na cama que escolhesse? E ainda com a primazia de fazer ginástica, andar de bicicleta, montar em burro brabo, subir em pau-de-sebo e tomar banhos de mar! E mais ainda, podendo usar telefone automático, me entupir de alcaloide e me esbaldar com as prostitutas mais bonitas do reino… porque lá sou amigo do rei.
Não. Não. Manuel Bandeira, me perdoe. Mas sinceramente não vejo a menor graça em integrar um paraíso em que para funcionar é preciso usar alcaloide, como cocaína, morfina, crack e outros derivados. Além de que subir em pau-de-sebo e montar em burro brabo são atividades que em nada me atraem. Por isso nem me pagando eu as faria. E ouvir as velhas histórias da infância, contadas pela mãe-d’água, confesso que até me assusta um pouco.
Mas voltando ao contexto social de Pasárgada, quantas pessoas teriam que se submeter à tirania do rei para que me fosse proporcionado o gozo da vida com as prostitutas de minha preferência na cama de minha escolha? Quanta gente não seria preterida em suas necessidades e pretensões para que eu, que nada fiz pelo povo de Pasárgada, pudesse usufruir dos prazeres mundanos, só porque tenho lá minhas peixadas com o tirano do lugar? Quantas crianças teriam que ficar sem escolas, quanta gente teria que ficar sem acesso à saúde de qualidade, sem segurança pública, sem estradas, sem pontes, sem eletricidade, sem saneamento básico, só para que os amigos do rei, como eu, pudessem gozar a vida adoidado.
Quantas pessoas não seriam cooptadas pelo tráfico, quanta gente não seria viciada para manter o esquema criminoso, quantas gerações não seriam enfraquecidas e alienadas, quanta gente não teria que morrer ou mesmo ficar paranoica pelo uso desregrado dos alcaloides para que os amigos do rei pudessem fazer uso de drogas recreativamente! Quanto a sociedade não seria corrompida, na convivência com o tráfico, quanta violência não seria espalhada pela ética perversa dos criminosos, infiltrando nas entidades públicas e privadas, a ponto de quase não cumprirem as finalidades para as quais foram criadas!
E para que eu, e também os outros amigos do rei, tivesse as mulheres mais bonitas e cobiçadas do reino, subjugadas à condição de cachorras e prostitutas, quantas famílias não se veriam desfalcadas de suas filhas queridas, quantas pessoas não teriam de abrir mão do sonho de levar uma vida decente para entregar-se à prostituição e a hábitos desregrados. Pasme lá! Só para atender a um capricho, à determinação tirana de um suserano demagogo, só para satisfazer à volúpia do rei e seus amigos, entre os quais, por acaso, me incluo.
Aliás, meu velho Bandeira, tenho a impressão de que você quis fazer um poema e acabou por fazer uma profecia. Não há nada mais parecido com sua Pasárgada, que funcionava à custa de mazelas, do que o Brasilzão de nossos dias. Com uma diferença fundamental: os amigos do rei daqui não são como o personagem de seu famoso poema. A ganância dos amigos do rei daqui não tem limites e não se satisfaz com agrados singelos, do tipo andar de bicicleta e subir em pau-de-sebo. O jogo aqui é pesado.

Edival Lourenço

Fonte:http://www.revistabula.com/108-nao-pra-pasargada-nao-2/#comment-45

 

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