Uma revisão histórica do encontro do Budismo com a Psicologia
No
início de agosto estive na Convenção Anual da Associação Americana de Psicologia
da qual sou membro internacional. Durante 5 dias assisti apresentações de
inúmeros trabalhos acadêmicos, muitos dos quais relacionados ao tema da
integração do pensamento e prática orientais com a psicologia.
A
psicóloga Ana Popovska resumiu a história do encontro “leste-oeste” no seu
trabalho “Buddhism and Psychology in a historical review”. Foi muito
interessante ter uma visão geral de acontecimentos atualmente esquecidos ou
subestimados, mas de suma importância histórica para nós,
psicoterapeutas.
O
foco da psicóloga foi a história vivida nos Estados Unidos, mas como quase tudo
de nossa realidade brasileira, muitos
dados são válidos aqui. Escolhi alguns tópicos para divulgar agora e
acrescentei algumas observações (em itálico).
Na
segunda metade do século XIX:
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1863-1869
: Construção da primeira ferrovia transcontinental (que abriu a “fronteira” entre o leste e o
oeste dos EUA, estimulando a imigração de trabalhadores)
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1850: corrida do ouro na California.
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Primeira
onda de imigração asiática.
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Introdução de novas práticas religiosas e de novos templos.
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O
foco científico no racionalismo, a corrente positivista, impulsionou movimentos
como o espiritualismo, o misticismo e a teosofia. Estes buscaram idéias nas
religiões orientais.
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Em 1875 foi fundada a Sociedade Teosófica.
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Em
1893 o mestre Zen Daisetz Teitaro Suzuki (n. 1870) foi participar do “World
Parliament of Religions”, em Chicago, acompanhando seu mestre Zen.
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Nesta
mesma data o dr. Paul Carus contrata Suzuki como tradutor de textos budistas.
Suzuki introduz o estudo acadêmico do Budismo nos EUA.
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Estabelece contato com Carl
Jung.
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1952 – 1957: A Universidade de Columbia oferece seminários sobre Zen Budismo.
Suzuki conhece Erich Fromm e Karen Horney.
Sobre
o Zen Budismo:
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Caracteriza-se
pela simplicidade, pela reclusão monástica, pelo trabalho doméstico, e pelos
exercícios de meditação. Seu objetivo é conectar o homem com a natureza – o que
é considerado a origem fundamental do bem estar físico e mental (Suzuki, 1960).
“A abordagem Zen busca entrar direto no objeto e vê-lo, tal como é, a partir
dele mesmo” (daí a proximidade com a
Fenomenologia, contestadora da metodologia cientifica na construção do
conhecimento)
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Na
tentativa de conhecer objetivamente a realidade, o indivíduo se separa do objeto
de seu estudo, enquanto que o Zen conduz o indivíduo a tornar-se o objeto, dando
“permissão” para a experiência subjetiva do objeto.
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1933 – 1951: Jung participou ativamente dos seminários Eranos, criados com o
objetivo de reunir professores interessados nas idéias orientais.
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1939
: Jung escreveu a introdução do livro de Suzuki “Introdução ao Zen Budismo” e
outros textos relacionados às religiões orientais: “Yoga e o Ocidente” (1936),
“Psychology of Eastern Meditation” (1943), Comentários ao Livro Tibetano dos
Mortos (1953) e ao Livro Tibetano da Grande Liberação.
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Na Europa o interesse nas tradições asiáticas está refletido nos escritos de
Schopenhauer e Nietzsche, entre outros.
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Em
1939 Jung escreve sobre a experiência da iluminação (satori): “Satori corresponde, na esfera
cristã, à experiência de transformação religiosa… Ela é, sem dúvida, uma
experiência mística…(cujos) primeiros estágios consistem em “deixar-se levar”
(letting oneself go), em
“esvaziar-se de imagens e idéias” (1960, p.547).
O
Encontro de Suzuki com Erich Fromm e Karen Horney
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1952
– 1957 : Seminários abertos sobre Zen Budismo na Universidade de Columbia,
N.Y.
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Em
janeiro de 1957 a revista Vogue publica: “As pessoas estão comentando sobre … as
aulas na Universidade Columbia do grande professor Zen Budista, Dr. Daisetz
Suzuki. Ele se senta no meio de um monte de livros, balança seus óculos numa
elegância ceremonial enquanto mistura abstrações filosóficas com o concreto
familiar: “descobrir a si mesmo é uma grande conquista, descobrir o zero é um
grande salto”; em outro momento: “não ter objetivo ulterior no trabalho – aí
então você é livre”.
· » Em
1957 a revista New Yorker cita Suzuki : “Como você vê, neste ponto, zero se iguala a infinito e infinito se
iguala a zero. O resultado é o vazio.” (zero equals infinity and infinity equals
zero. The result is emptiness)
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Agosto,
1957: E. Fromm organiza o Congresso ‘Zen e a Psicanálise’, em Cuernavaca,
México. 50 proeminentes psicanalistas comparecem, incluindo Carl Jung. Suzuki
foi o palestrante convidado.
· » 1960: publicação de Zen
Buddhism and Psychoanalysis por D.T. Suzuki, Erich Fromm, Richard
DeMartino.
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Karen
Horney (1885-1952): em 1952 viaja para o Japão. Horney descobriu no Japão que a
vida pode ser muito diferente da que estamos acostumados. Escreve em 1952: “No
ocidente, um paciente vive segundo a vida “deve ser”. A mera aceitação dos
impulsos compulsivos não os faz desaparecer. Os “deves” têm que ser
experienciados e elaborados, e rompida toda a estrutura neurótica para que os
sentimentos genuínos possam surgir e forças construtivas possam ser mobilizadas.
Isto parece ser menos significativo na terapia dos japoneses que parecem ser
menos alienados e mais próximos da natureza. Abandonar o velho status quo
neurótico significa encarar o vazio. Em suas meditações, os japoneses estão
ávidos para encarar este vazio” (Horney, 1952, p.87)
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Horney
morreu em 1952, Jung em 1961 e Suzuki em 1966.
A
autora deste trabalho provavelmente não conhece a obra do psiquiatra suíço
Medard Boss. Ele é o criador da Daseinanalyse, abordagem psicoterapêutica
inspirada na obra dos filósofos Edmund Husserl e Martin Heidegger. Menciono-o
aqui por conta de suas viagens à India e à influencia das experiencias lá
vividas, nas três estadias não contínuas que fez. Tenho em mãos o livro,
traduzido do alemão para o frances, no qual Boss narra estas experiencias: “Un
psychiatre en Inde” (Um psiquiatra na Índia), Ed. Fayard. Infelizmente minha
cópia não tem dados importantes da publicação. Mas provavelmente essas viagens
aconteceram na década de 1960.
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