SABEDORIA E SIMPLICIDADE - JAY GURUDEV

 


Sabedoria e Simplicidade
 

Enquanto muito é falado sobre as questões “filosóficas” ou “técnicas” que envolvem o Yoga, mais sinto que o caminho é mesmo de uma simplicidade desconcertante… Especialmente quando olhamos a vida de alguém que o caminha de fato. Pois venho a compartilhar um relato pessoal e despretensioso, que talvez possa dar-lhes alguma inspiração nesse sentido…
Ao encontrar meu Guru- Sri Hanuman – no início dos anos noventa, tive uma primeira experiência deveras curiosa: Andando pelas ruas de Nice (França), repentinamente parei ao som de um violão que jamais escutara…em uma ruela do Vieux Nice (parte antiga da cidade) sentava um homem com olhar sereno, dedilhando arpejos com leveza e maestria. Não parecia um músico qualquer, e sua música parecia brotar de outros mundos…
Passou-se quase um ano, quando comecei a frequentar o Centro Sivananda em Nice,inicialmente como aluno e logo mais como residente. Eis que durante um satsanga (encontro/reunião) reconheci a mesma figura a qual tanto me encantara com o violão, agora despertando em mim o mesmo fascínio com a tabla (instrumento de percussão indiano) durante os bhajans (cantos devocionais) que ali aconteciam.
Em seguida pude apresentar-me,explicando a ele que era músico e percussionista, agora engajado em uma “busca espiritual”, ao que ele prontamente interrompeu: “you should learn to play tabla,come to my house tomorrow” – “você deve aprender a tocar tabla, venha a minha casa amanhã” ! Essa frase havia ressoado de forma firme e doce ao mesmo tempo. Era praticamente uma ordem, mas a recebi como um grande presente. Nascido no Gujarat (Norte da Índia), Hanuman (seu nome iniciático) me disse pertencer a uma linhagem espiritual,sendo auto-didata no violão desde a infância (passada em Paris) para que na sua adolescência e juventude seguisse estudando a tabla,o canto e os respectivos fundamentos da Música Hindustani e Karnatic na própria Índia.
Uma das primeiras impressões que tive de Sri Hanuman era a total ausência de ares “professorais” ou “eruditos”. Também percebi que não havia espaço para conversas banais. O tempo era bem aplicado no estudo e na prática,com ocasionais pausas para um tchai (chá indiano) ou refeição que ele mesmo preparava em total concentração meditativa. Minhas longas perguntas eram (e ainda são!) respondidas em poucas palavras que sintetizam profundos ensinamentos. Outra qualidade que ele sempre apresentou (não apenas comigo) é a paciência relacionada as ansiedades típicas dos “buscadores”. Enquanto livros poderiam ser escritos sobre formas de se lidar com a psicologia do aspirante, Hanuman sabia corresponder na medida exata de cada um que se aproximava dele. Na verdade não havia diferenciação entre aqueles que buscavam ensinamentos filosóficos, práticos ou musicais. Todos eram tratados de forma genuinamente espiritual*.
Poucos anos passaram e a minha vontade de tocar tabla passou a tomar alguma forma plausível, ao que foi correspondida pelo convite de tocar suas composições e acompanhá-lo em shows e viagens. Tive assim a oportunidade de vê-lo nos mais variados contextos. Quando haviam situações inócuas que envolviam qualquer tipo de injustiça ou mentira, suas reações eram sempre diretas, implacáveis e ao mesmo tempo desapegadas. Não guardava qualquer tipo de rancor,transmutando aparentes adversidades em sabedoria.
Mais adiante recebi a sua iniciação (diksha) em Naad Yoga (Yoga do Som),uma via fantástica de auto-conhecimento, quando pude aprender a apreciar a minha própria “voz” em múltiplos níveis desvendantes.
Viajamos pela América do Norte (Canadá e Estados Unidos) recebidos em vários Ashrams e Centros de Yoga. Nessa ocasião, muitas pessoas tiveram experiências relevantes ao contatarem o “Som” durante as práticas e também ao escutarem seus eloquentes ensinamentos filosóficos – os quais nunca eram preparados de antemão.
Aliás,um dado biográfico interessante: após viver vários anos na Índia com seus Gurus, Hanuman retornou a Paris, formando-se em filosofia pela Universidade Sorbonne. Não tenho recordação de qualquer paralelo traçado entre estes seus estudos e o seu sadhana (prática) assim como upadesha (instruções), particularmente no que diz respeito ao Tantra e ao Vedanta. Nesse quesito, percebi nele uma admiração especial por Sri Ramana Maharshi,o grande sábio de Arunachala (Sul da Índia).
Talvez este seja o único paralelo de perfil que eu possa traçar, embora o próprio Hanuman venha a considerar essa comparação como um exagero de minha parte.
Mas sim, existe algo de muito singelo na sabedoria essencial do Yoga,em especial naqueles que a vivem. Algo não verbalizado, também nem tão silencioso ao ponto de deixar-nos alheios. É uma vibração contínua, assim como o Pranava (Aum) em seu aspecto fisicamente inaudível (para-naad).
A expansão cósmica desta essência forma o corpo inter-dependente que inclui toda a manifestação.
Nela se encontram os sadhakas (praticantes) e também os leigos, aparentemente “surdos” ao seu movimento.Como na dança cósmica de Shiva em constante dissolução- Tandava Lasya – aprendemos a renovar nossos passos e percepções aos pés daqueles que já conhecem o “ritmo” da Alma.
Jay Gurudev
Gopala
*entenda-se como “espiritual” todo o estado de espírito elevado que possa aproximar-nos da verdade.
Texto original aqui: (http://surmeditar.blogspot.com.br/2012/08/sabedoria-e-simplicidade.html)

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