MIGUEL GONTIJO : ARTISTA BRILHANTE QUE FALA COM IMAGENS E SÍMBOLOS

           Sangue de Urucum









 
             
Sem saída - 2008 - Miguel Gontijo

“Tudo o que faço é grotesco ou cômico, mesmo quando são coisas amargas. Valorizo o humor, mas não se trata de cartum ou quadrinhos”, esclarece Miguel Gontijo


Miguel Gontijo


     Miguel Gontijo, que é “a força de uma poesia sensível, refinada, sutil, que se aprende e se absorve pelo encanto desse doce contato lento e silencioso com a verdadeira obra de arte” (no dizer do crítico de arte,  poeta e artista plástico, Márcio Sampaio), nasceu em Santo Antônio do Monte na Década de 50, filho do empresário Miguel Lacerda Gontijo e da professora  Diva Souto.
     Passou a infância olhando revistas em quadrinhos, “O Cruzeiro” e o “Tesouro da Juventude”. Aprendeu a ler sozinho e os livros foram seus grandes companheiros. Aos nove anos já havia lido toda a obra infantil de Monteiro Lobato e grande parte dos romances de Machado de Assis. Aos domingos, as matinês do Cine Municipal eram sua paixão.
Aos 15 anos muda-se para Belo Horizonte, para dar continuidade aos estudos. Em 1968,  matriculou-se no “Curso Livre de Arte”, da Escola Guignard, mas em julho do mesmo ano abandonou a escola.
    
Leviatã
Acrílica sobre MDF
Em 1970, Miguel fez sua primeira exposição individual em sua terra natal, que contou com a presença do presidente Juscelino Kubitscheck. Participou do III Salão de Arte de Divinópolis, onde recebeu premiação. Integrou a exposição coletiva “Desenhistas Mineiros”, no espaço “Veia Poética”, em Belo Horizonte. Retomou, seus estudos, ingressando na Universidade para cursar História e Filosofia. Participou do V e VII Salão Nacional de Arte, no Museu de Arte de Belo Horizonte; do III Salão Global de Inverno e do II Salão Nello Nuno, da Universidade de Viçosa.
     Recebeu diversas premiações em vários desses salões, como: VIII Salão Nacional de Arte, no Museu de Arte da Pampulha, o que voltou a acontecer no ano seguinte; no IX Salão, como prêmio pelo conjunto de seus desenhos e também em parceria com a crítica de arte Maria do Carmo Arantes, com o audiovisual “O que o uso faz do costume”. Também foi premiado em Goiânia, no III Salão Nacional, e no II Salão Nacional do Artista Jovem de São Paulo. Em 1978, recebeu prêmio em dois salões no Recife; no I Salão de Arte do Conselho Estadual de Cultura, em Belo Horizonte, e no XXXIV Salão Paranaense, em Curitiba. Em 1979, aconteceram premiações no Salão de Arte da Cidade de São Paulo e no II Salão Nacional de Artes, realizado pela FUNARTE, ocorrido no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.
     Em 1977, fez sua primeira exposição individual “O que o uso faz do costume”, na Galeria do ICBEU. Em 1978, foi convidado para expor, no Museu de Arte da Pampulha, duas séries de desenhos intituladas: “Ciclo do Ouro” e “Ciclo das Batinas”. Miguel volta a expor em 1979, na Galeria do ICBEU, a série “Clínica Geral” (O Ex-voto).

      Em 1977, no “Balanço Anual” do jornal Estado de Minas, na coluna de Maristela Tristão, Miguel Gontijo é o “Destaque do Ano”. O mesmo ano, na coluna de Celma Alvim, o artista é agraciado com o título “Desenho do Ano”. Na “Retrospectiva da Década de 70”, também na coluna de Celma Alvim, Miguel Gontijo é mencionado como um relevante nome das artes plásticas em Minas.

     A década de setenta, finaliza com o casamento com Marilete Vasconcelos e o nascimento de duas filhas: primeiro, Mariana e, seis anos depois, Maria Clara.
Em 1980, Miguel recebe prêmios no Salão do Futebol, realizado do Palácio das Artes, em Belo Horizonte, e no Salão de Vitória, no Espírito Santo. Participa do XII Salão Nacional de Arte, no Museu da Pampulha. Integra várias exposições coletivas em Ouro Preto, Belo Horizonte, Patos de Minas e outras cidades mineiras. Também fez duas exposições individuais: uma em Brasília, na Fundação Cultural do Distrito Federal, e a outra, inaugurando a Galeria de Arte da Telemig, em Belo Horizonte.
A década de 80 deu a Miguel o reconhecimento no Brasil e no Exterior, pois grande parte de sua obra foi levada para a Itália, por intermédio do marchand Alberto Ruggiero, com quem teve contato até 1992, época em que resolveu abandonar seu trabalho em aquarela, que lhe rendeu vários prêmios, e incursionar pela pintura a óleo. Abandona, também, seu emprego no setor de informática e passa a atuar em áreas da cultura e educação.
     Em 1992 e 1996, participa e projetos da UFMG/JF, em exposições itinerantes. Após 19 anos sem expor individualmente, o artista, em 2001, decide fazer sua primeira exposição de pintura acrílica na Galeria Agnus Dei, em Belo Horizonte,  intitulada “Profanas Escrituras”, que foi considerada a “Exposição do Ano” pelo jornal Hoje em Dia. “Profanas Escrituras: Index Rerum et Verborum” tornou-se livro, editado pela Expressoarte”. No decorrer da década, Miguel Gontijo participa de diversas mostras, exposições itinerantes e individuais, uma delas em 2004, a convite do consulado português, integrando a exposição “Visões de Liberdade”, realizada em Belo Horizonte, Ouro Preto e Brasília.
     Em 2001, matriculou-se no curso de pós-graduação em Arte e Contemporaneidade da Universidade do Estado de Minas Gerais. Como trabalho de conclusão, redige a monografia “Do Sudário ao Ossuário”.
Em 2007, a convite da Prefeitura de Santo Antônio do Monte, Miguel voltou a expor em sua terra natal. A apresentação foi realizada em catálogo pela Secretária de Cultura do município, Dilma Moraes, e pela professora e artista plástica Yara Tupimambá. Seu pai, Miguel Lacerda Gontijo, aos 96 anos, esteve presente ao grande evento, emocionado e orgulhoso do talento do filho.

Instrução para fazer rodar a roda de Duchamp,
2007, ast,0,90 X 0,90 cm


Eis aí uma desconcertante exposição de doze pinturas em acrílica sobre tela, todas pintadas em 2007 na medida de 0,90 X 0,90 cm. A mostra leva o título geral de “Manual de Instrução”, mas tece sob a desculpa de instruir os mais contundentes comentários sobre a natureza humana. Vejam-se, por exemplo, os quadros “Instrução educativa para transformar Bad Boy em Pivete”, “Instrução para fazer rodar a roda de Duchamp” e “Instruções descumpridas em Avignon” (portanto, ocas e loucas instruções inúteis), nas quais os símbolos, que perfazem a linguagem, são buscados, por força da vivência, nos episódios particulares de cada vivente, por conseguinte plurais, d’onde resulta serem estas pinturas retratos psicológicos, já não mais do pintor, mas de todos nós, em decorrência do que o artista, magnânimo, consente que sejamos co-partícipes dessas criações.
No quadro do bad boy um adolescente tem na parede diante de si 4 reproduções: gravura medieval representando cena de caçada; cópia de gravura da fase erótica de Picasso, na qual um pintor (já que segura uma paleta) contorcionista, faz sexo com uma bela mulher; um príncipe vai a cavalo visitar a amante, que o recebe nua, na varanda da casa; e, mais abaixo, história em quadrinhos de Mandrake e sua turma. Sobre o tampo da mesa, na qual o jovem está encostado, pintaínhos saem da casca e põem-se a andar por ali; seria alusão à sexualidade nascente do rapaz? Para completar a cena tão enigmática, uma batedeira de bolo (outra alusão?) voa surrealisticamente pelo espaço do quarto. Tudo se passa como que dentro de uma vitrine com um grande vidro na frente, no qual o pintor jogou com pincel tinta vermelha, batendo-o numa das mãos.
Em “Instrução para fazer rodar a roda de Duchamp” mais uma vez o artista, driblando a própria indicação do título, instiga-nos a procurar entre os símbolos usados um caminho próprio, no qual nossa luta em face do mundo e da vida é a tônica. À direita e em cima, um revólver aciona a corrida da leitura, apontando para a ilustração de uma cena urbana ladeada por 2 balões de diálogo vazios, um ligado à roda, outro ao cavalo; abaixo, a lâmpada de Picasso, a luz de que precisamos para boas idéias; no centro um monstro de 7 cabeças fala de nossos medos, e tanto, que o monstro parece mais goa’uld’s predispostos a todos os ataques; à direita, cartas de tarô, pois a vida é sempre inevitável jogo; logo abaixo um animal eqüino de bela compleição, marcando a passagem do tempo, salta sobre o vazio, tendo as patas trazeiras cortadas; no 1º plano, uma adolescente, com as pernas também cortadas, está sobre a mesa e carrega no colo uma garotinha, a qual representa a luta de todos nós, sempre dificultada; e entre ela e o cavalo, fixada também nesta mesa, a roda de Duchamp, que não pode rodar, presa como está pelas rédeas do animal; tudo isto sob a égide do poder econômico, representado pela nota de um dolar rasgada em três partes, distribuídas pela superfície da pintura. Afinal, a vida de cada um de nós, como disse o poeta, “é uma luta renhida”.

Instruções descumpridas em Avignon, 2007, ast, 0,90 X 0,90 cm.
Instruções descumpridas em Avignon, 2007, ast, 0,90 X 0,90 cm.

Para a conclusão desta parte, detenhamo-nos em “Instruções descumpridas em Avignon, outra referência a Picasso. Nosso olhar percorre o quadro, elemento por elemento, à procura de conotações e intenções, e depois ocorre-nos perguntar: – que instruções ali não foram cumpridas? Impossível saber e isso nem mesmo chega a ter alguma importância. Importante sim é o belo quadro que aí temos, o mais comunicativo de toda a série, lembrando-nos que a vida não é só luta e sofrimento, mas também alegria. Do friso de figurantes, as duas figuras da esquerda foram trazidas de “Les Demoiselles d’Avignon”, de Pabro Picasso, sendo que a segunda, que está com o estetoscópio ligado à figura central, é repetida na figura da direita. Essas figuras, no original, são exatamente as duas que se encontram no centro das quatro prostitutas, que são apresentadas ao marinheiro sentado à direita, para sua escolha. As demais figuras, abrigadas sob  uma espécie de pálio feito com papel de parede, tendo na base 3 pimentões, estão todas sorridentes. Quando olhamos a parte de baixo, descobrimos que todos os figurantes com cara de gente não passam de meros galináceos. Bem no centro inferior, dominando a composição, está uma galinha, abrigando sob as penas seus pintinhos, ligada à composição pela diagonal que vai da taça azul inferior à sua gêmea sob as figuras picassianas. Taça? Dependendo de nossa vontade, pode também ser tanto o Santo Graal, quanto um pote de socar alho… Que disparate! Abaixo da galinha, um jornal anuncia que Batman deseja investir $1.000.000. Se o fêz, coitado! Perdeu seu rico dinheirinho. Ao lado da galinha, uma lata de fermento Royal, uma das 3 zonas em vermelho do quadro, que se procuram empaticamente, põe em destaque a cabeça branca da caveira de um pássaro, que triangula com a parte branca da taça da esquerda e com a coroa da figura acima, à direira.



Como Sangrar um Porco
     Na primavera de 2009, foi lançado o livro “Pintura Contaminada”, um dos projetos culturais incentivados pela V§M do BRASIL, que oferece ao leitor uma visão detalhada da obra de Miguel Gontijo, através de pinturas, desenhos e interferências de sua autoria. O livro, 350 páginas, capa dura, edição bilíngüe –português/inglês – é ricamente ilustrado com 500 imagens e textos. “Pintura Contaminada” foi lançado na Inglaterra em julho de 2010.
Também em 2010, Miguel Gontijo expôs no Palácio das Artes de Belo Horizonte, na grande galeria Alberto da Veiga Guignard, sua “Pintura Contaminada”, um grande sucesso de público.
     Além de artista plástico, pode ser visto como pensador. Ele mesmo afirma que “a poesia é uma pintura cega e a pintura é uma poesia muda. É de Miguel a afirmação:”Sou um pintor infiel. Estou a serviço da poesia, não da pintura.”

(Texto baseado em Norma Raquel Gontijo de Melo, irmã de Miguel Gontijo, no livro “Pintura Contaminada”. Norma é pedagoga, professora, ex-diretora de ensino da UNIPAC (Universidade Presidente Antônio Carlos)- Campus S.A.Monte. Foi secretária de Educação de Santo Antônio do Monte por três mandatos)

Clique na imagem abaixo e assista ao ensaio:
EXPO PINTURA CONTAMINADA - FOTOS DE ABERTURA

Clique AQUI para acessar o Blog de MIGUEL GONTIJO 

Fonte:http://culturasamonte.blogspot.com.br/

O ARTISTA


                  Auto-Retrato

Miguel Gontijo é formado em história e pós-graduado em artes e contemporaneidade. Participou de diversas exposições coletivas e salões oficiais. Foi premiado em vários deles. Seus trabalhos compõem coleções de diversas instituições públicas. Em 2004, ele publicou o livro Profanas escrituras; em 2009, lançou Pintura contaminada. Em 2010, Miguel recebeu o Prêmio Mário Pedrosa, na categoria artista de linguagem contemporânea.


Fragmentos da história cultural, econômica e política – esse é o material de que o artista plástico mineiro Miguel Gontijo se valeu para criar os 25 trabalhos da mostra que será aberta nesta quinta-feira às 20h, no Museu Inimá de Paula. “Violo imagens para fazê-las dizer o que não dizem, moldando diálogos, contextos e tempos”, explica o artista.

Longe de questões brasileiras – apesar de trazer personagens nacionais –, o artista observa, a respeito da exposição Miguel e o ornitorrinco: “É linguagem autocentrada, tentando enxergar o mundo e a mim. Assim como o ornitorrinco é feito de partes de vários animais, também sou feito de muitas coisas”, diz, lembrando que a mescla de imaginários sempre esteve presente em sua obra.

“Tudo o que faço é grotesco ou cômico, mesmo quando são coisas amargas. Valorizo o humor, mas não se trata de cartum ou quadrinhos”, esclarece Miguel Gontijo. Para ele, seu trabalho traz a vivência “do todo” por meio da fragmentação. Ele se interessa por contrapontos, choques de significado e irreverências.

LIVRO
O artista plástico também vai lançar livro com fragmentos de textos dele e de outros autores. Miguel evita definir sua obra como pintura ou desenho, pois usa tanto telas quanto superfícies de PVC. “Sou, essencialmente, um desenhista, mas no meu trabalho há de tudo: bico de pena, pintura a óleo e acrílica. Não tenho limites”, conta.

Miguel Gontijo vê o que realizou em mais de três décadas de atividades como um único conjunto. “Fiz, a vida inteira, um quadro só, fragmentado ao longo de minha existência. Gostaria de ter criado dois, mas não consigo”, brinca. “Sou prisioneiro de minha cultura – a ética –, não consigo me desvencilhar disso. Prefiro ser fiel a mim. É recorrente a busca – para mim mesmo, de forma egoísta – de imagens que me emocionem. Também é recorrente a frustração de não encontrá-las”, afirma.

Miguel situa suas obras além da crítica sociopolítica. “Meu objetivo essencial é falar com imagens”, enfatiza, ressaltando a natureza visual de seu trabalho. Essa argumentação, entretanto, não impede problemas para o artista plástico. Ele conta que, recentemente, dois trabalhos que levou para serem expostos no Congresso
Nacional, em Brasília, foram evitados pelos organizadores.


“Alegaram que era falta de espaço. Sugeri que tirassem outras peças, para que permanecessem essas duas obras, as mais fortes. Não aceitaram meu argumento”, afirma. De acordo com Miguel, mais tarde ele ficou sabendo, por meio da equipe do Museu Inimá de Paula, que também estava em Brasília, que organizadores da exposição consideraram que as peças poderiam ofender algumas bancadas. “Tenho visão libertária, sou filho da luta contra a ditadura. Essa situação me deixou chocado”, conclui.

MIGUEL E O ORNITORRINCO
Trabalhos de Miguel Gontijo. Abertura nesta quinta-feira, 25, às 20h, para convidados. Museu Inimá de Paula. Rua da Bahia, 1.201, Centro, (31) 3213-4320. Terça, quarta, sexta-feira e sábado, das 10h às 19h; quinta-feira e domingo, das 12h às 21h. Até 7 de janeiro. Entrada franca.
Julio Hubner/Divulgação

Trabalho de Miguel Gontijo, artista que promete imagens além da crítica sociopolítica  

Fonte:http://www.divirta-se.uai.com.br/html/sessao_7/2012/10/25/








Miguel Gontijo e o Ornitorrinco com texto de Paulo Laender




Miguel Gontijo (1949-) Nasceu em Santo Antônio do Monte. Em 1969, iniciou seus estudos na Escola Guignard. Em 1978, graduou-se em História pela Faculdade de Filosofia de Belo Horizonte. Pós graduado em Arte e Contemporaneidade pela UEMG, Belo Horizonte. O artista tem trabalhos em importantes coleções e acervos  públicos no Brasil e no exterior. Recebeu inúmeros prêmios, entre eles o Prêmio Mario Pedrosa 2010. Exposições individuais e coletivas em diferentes museus importantes. Vive e trabalha em Belo Horizonte.

Gontijo, Miguel e Melo, Norma Raquel. Pintura Contaminada. Belo Horizonte, Valourec & Manesmann do Brasil, 2009.http://www.miguelgontijo.com 



Exposição - Miguel e o Ornitorrinco





na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma.

Lavoisier

“Kant e o Ornitorrinco” é o título de um livro de Umberto Eco, sobre semiótica.
O que tenho eu a ver com Kant e com ornitorrincos e esse livro?
Pensei e descobri que sou, há muito tempo, um cara indeciso. Mesmo agora não sei se estou tão seguro assim; portanto deixarei que Umberto Eco explique essa minha exposição:
O que mostram esses quadros? Além do ornitorrinco mostram outras coisas que vemos todos os dias e as razões pelas quais distinguimos um elefante de um tatu.
O que tem Miguel a ver com o ornitorrinco? Nada.
E isso bastaria para justificar o título dessa exposição e a nossa incoerência totalizante.
Nesses quadros explico (Miguel explica) por que o ornitorrinco não é horrível, mas prodigioso e providencial. Ele é um animal estranho, que parece concebido para desafiar qualquer classificação, quer científica quer popular.
É ele uma toupeira?
um castor?
um pato?
um peixe?
um pássaro?
uma abelha?
animal marinho ou terrestre?
é o Superhomem, ou uma vítima da criptonita?
Partindo de percepções sensíveis, como podemos colocar num mesmo animal um bico junto com patas espalmadas, pelos e uma cauda de castor?
Ou a ideia de castor com a ideia de um animal ovíparo?
Como podemos ver um pássaro onde aparece um quadrúpede?
Por sua aparição muito remota no desenvolvimento das espécies, digo que ele não é feito com pedaços de outros animais, mas que os outros animais é que são feitos dos seus pedaços.
Kant nada sabia sobre o ornitorrinco, paciência! Posto que ele – o ornitorrinco - é um animal e não uma ilusão dos sentidos, nem uma criatura dos infernos, eu, Miguel, para resolver a minha crise de identidade, faço esses quadros, procurando saber de Kant, de Eco e, principalmente, de ornitorrincos.

Miguel Gontijo
26\08\2012



As Três Graças II


Ensaio sobre a Loucura. 






Mulher Nua Homem Pelado. 






 Por Paulo Laender*

Ao iniciar estas linhas sobre Miguel Gontijo e sua obra, parte dela agora em exposição no Museu Inimá de Paula, na mostra intitulada “Miguel e o Ornitorrinco”, me dei conta da dificuldade de fazê-lo.

Possuidor de primorosa capacidade de articulação das suas idéias, reveladas num depoimento claro e conciso, e na própria execução de suas obras, este artista nos deixa pouco espaço, poucas janelas, por onde conduzir um pensamento indagativo, uma reflexão inquiridora sobre seu trabalho.

Os depoimentos pessoais de Miguel, presentes no documentário, no livro e no catálogo que acompanham a mostra, revelam, com clareza e lucidez a que veio. Resta-nos portanto não tanto escrever ou especular sobre , mas sim, “ ler” suas palavras e a obra apresentada.

Digo “ler a obra” pois ela está composta por imagens simbólicas tão fortes que , para uma sensibilidade mais apurada, elas se apresentam, além da visão estética, como páginas a serem decifradas.

Apesar de afirmar sua descrença na significância da sua própria existência e dos sinais que utiliza em suas composições é, ele mesmo, que nos diz que “a vida não passa de matéria prima sobre a qual imprimo significados”.

“Sempre tive que inventar coisas para me tornar feliz”. Frase que poderia ser expressa também como: é preciso criar um mundo para se viver o mundo.

Pensamentos que resumem o que artistas de fato fazem para suportar a realidade:

“A arte existe porque a vida não basta” (Ferreira Gullar)

“Temos a arte para não perecermos” (Nietzche)

Um mundo particular

E tem sido assim desde que aquele menino de Santo Antonio do Monte, no seu confinamento geográfico, estabeleceu sua estratégia para superar a síndrome mineira de transpor as montanhas em direção ao mar, ao horizonte aberto e às estrelas.

Para tal desde logo Miguel iniciou a criação do seu mundo particular. Estabeleceu sua cumplicidade com seus heróis.Tarzã, Mandraque, Zorro, Fantasma não eram apenas interlocutores mas ícones a serem incorporados e aperfeiçoados pela criação de novos superpoderes como a invisibilidade, o teletransporte e outros que tais que sua imaginação criava para ampliar os limites da sua pequena vida interiorana.
Lembro-me aqui e, anoto, um depoimento de Carl Gustav Jung, em seu livro autobiográfico Memórias, Sonhos e Reflexões, onde ele afirma que o artista nasce da necessidade de suprir a própria carência.

Para tal ele exemplifica com uma situação, vivida por ele próprio quando criança carente , se refugiava no sótão da casa dos seus pais onde criava, montava e escondia pequenos bonecos com os quais dialogava e estabelecia o seu mundo à parte.

O quadro de uma vida
Voltando a Miguel nos identificamos muito com ele no relato da sua passagem pelos bancos escolares quando, ao começo dos anos letivos, iniciava os novos cadernos com as primeiras páginas organizadas, contendo bem intencionadas anotações que, pouco a pouco, iam se transformando em desenhos e suporte para os projetos e heróis do seu mundo paralelo.


E nos episódios em que relata a busca pelo mistério sob o vestido da santa na sacristia e a descoberta da pornografia através dos quadrinhos de Carlos Zéfiro, mestre de todos nós, cujas consequências trouxeram-lhe a necessidade de “ver o interior das coisas” e a cumplicidade com o ato de desenhar , conferindo-lhe, segundo o próprio, sua “patente de artista “.

Dessa escola de tudo desenhar, copiando os heróis dos quadrinhos e, aprimorando cada vez mais o traço, é que Miguel nos trouxe e, apresenta hoje, sua técnica apurada capaz de registrar, com precisão, as imagens e os sinais que a história , por ele contada, o exigem.

No depoimento gravado no documentário, apresentado junto com a mostra, ele afirma que “ A vida inteira tenho pintado um só quadro e que, para fazer outro, teria que nascer novamente.”

Nada mais verdadeiro na performance de um grande artista. Fellini só fez um filme como Rosa também só escreveu um livro embora ambos estivessem registrados em vários rolos , vários volumes.

Leio um pouco mais e constato que a história de Miguel aporta os anos 60 e daí para cá ele se deslancha.

Apesar de “negar” a pintura e a função do pintor, chegando mesmo a amaldiçoá-la em detrimento a outros seguimentos artísticos e estigmatizá-la como trabalho manual a denegrir aquele que o faz, numa clara referência a padrões sociais da antiguidade que, embora longínquos, ainda pairam por agora.

Mãos, vida, inteligência

Permito-me lembrar-lhe o que David Hockney, um dos maiores expoentes universais da pintura contemporânea, no sentido real e verdadeiro do termo, há poucos meses atrás quando, simultaneamente a Damien Hirst, o mago do ilusionismo da outra arte contemporânea, realizavam exposições distintas em Londres; comentando sobre as obras de Hirst, que utiliza dezenas de auxiliares na produção quase industrializada de suas telas.

Disse Hockney: que as mãos do artista são parte vital na criação da pintura.

São elas que transportam, com precisão, todo o processo captado pela visão , transformado pelo cérebro e a emoção do artista, à sua resolução na tela.

No meu entender, por mais preconceituoso e arcaico, este ranço da diminuição do homem pelo seu trabalho manual é um falácia ainda a justificar intenções de segregação.

Basta computar o quanto as mãos acrescentaram historicamente à evolução humana.

Desde o machado de pedra, a flauta de osso, a panela de barro até a nave espacial quantas idéias foram desenhadas, esculpidas ou moldadas por meio delas?

Prezado Miguel, chego mesmo a acreditar que nossas mãos têm vida e inteligência próprias superando , por si só, a muitos seres que por aí proliferam e se julgam algo mais.


 Em cartaz no Museu Inimá de Paula, a mostra ‘Miguel e o Ornitorrinco’, que reúne desenhos e pinturas do premiado artista plástico mineiro Miguel Gontijo. Paralela à exposição, o artista lançará o livro homônimo de texto e imagens. O evento tem curadoria de Robson Soares

Mesmo reconhecendo a incapacidade da pintura contemporânea de equacionar e resolver seus problemas nestes momentos em que vivemos, Miguel Gontijo tem manifestado grande confiança neste meio expressivo. Sua pintura não é uma mera representação da realidade, mas uma inspiradora recriação onde se conjugam a história, os mitos e as lendas, elaborados em superfícies diversas, e por outros procedimentos experimentais. Com humor, ironia e sarcasmo, suas pinturas nos levam a várias sequências privilegiadas da história, fazendo um relato dinâmico do nosso mundo.

Em julho deste ano, o artista apresentou, com sucesso, na Câmara dos Deputados, em Brasília, a série de pinturas intituladas “Miguelianas”, onde ele viaja através dos olhos dos profetas de Congonhas a vasculhar as novas realidades mineiras. Agora, para o Museu Inimá, Miguel Gontijo apresenta um mundo em pedaços, à procura de um todo.

‘Miguel  e o Ornitorrinco’ são desenhos-pinturas, que se norteiam através do livro de Umberto Eco: Kant e o Ornitorrinco. O artista, ao usar um fragmento de um texto de Umberto Eco, conduz ao seu universo criativo, dizendo: “ Posto que o ornitorrinco seja um animal e não uma ilusão dos sentidos, nem uma criatura dos infernos, eu, Miguel, a fim de resolver a minha crise de identidade, fiz esses quadros procurando saber de Kant, de Eco e, principalmente, de ornitorrincos”.

Fonte:http://www.domtotal.com/noticias/523124

Livros Objeto

A série de livros de Miguel Gontijo foi criada a partir de intervenções em velhas enciclopédias. Conta o artista que tentou por várias vezes fazer a doação do material defasado, mas não encontrando novos donos transformou as páginas em arte e reformulou a toda a coleção.
“ As interferências que faço na Enciclopédia Britânica são altamente indiciais de pistas, pegadas, adivinhas, burlas e fugas, nas quais, em cada tópico, ponho um ponto de partida. Um lugar onde posso habitar entre inúmeras provas que não sei de quê. Ali, a guerra começa com a conquista da palavra. O livro que produzo são asilos de anotações, lascas de palavras, silêncios. Assume a forma de paráfrase ora ampliada, ora miniaturizada, ora totalmente desviada.”  

Veja abaixo esses e outros livros objetos de Miguel Gontijo.





















As imagens são parte do livro "Pintura Contaminada - Miguel Gontijo".
Fonte:http://www.miguelgontijo.blogspot.com.br/#!http://miguelgontijo.blogspot.com/2012/11/livros-objeto.html

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