A MÚSICA SUPREMA : DEUS CRIOU O MUNDO A PARTIR DO SOM

Hafiz 01

Hafiz e Hazrat Unayat Khan –
Deus Criou Mundo a Partir do Som

Hafiz, um dos grandes poetas da antiga Pérsia, conta a seguinte lenda: “Deus fez uma estátua de barro à sua própria imagem e quis que essa estátua possuísse alma. Mas a alma recusou-se a ser aprisionada, pois é de sua natureza ser livre e voar à vontade. A alma não quer estar presa, nem admite que lhe imponham limites. O corpo é uma prisão e a alma recusou-se a adentrá-lo. Então Deus pediu aos anjos que tocassem sua música. E, à medida que os anjos tocavam, a alma ficou extasiada. Para poder sentir melhor a música e ouvi-la de perto a alma entrou no corpo.” Hafiz disse: “As pessoas dizem que ao ouvir aquele som, a alma entrou no corpo; a verdade, porém é que a própria alma era o som.”

Hazrat Inayat Khan 03

Ao que o sufi Hazrat Unayat Khan comentou: “Essa é uma bela lenda, no entanto ainda maior é o seu mistério, o seu significado. A interpretação dessa lenda nos explica duas grandes leis. Uma delas é que a natureza da alma é ser livre e, para a alma, a tragédia da vida consiste na ausência dessa liberdade que pertence à sua natureza original. O outro significado dessa lenda nos mostra que a única razão pela qual a alma entrou no corpo de barro ou matéria inanimada foi experimentar e ouvir a música da vida.”
Sempre nos deparamos com o fato de que a linguagem “sabe” mais do que aqueles que a usam. As duas primeiras frases da lenda do sábio poeta Hafiz dizem:
“Deus fez uma estátua de barro.
ele formou o barro à sua semelhança.”
O escultor modela o barro e temos uma estátua. O músico forma a matéria e temos a música. Deus forma o barro e temos uma estátua. O músico forma a matéria e temos a música. Deus forma o barro e surge o mundo. Em cada momento o barro é a matéria-prima, o elemento-primevo, a matéria-primeva daquilo que denominamos criação: a tensão-primeva. No princípio, era o barro. O tom como lógos. Já falamos disso: o “faça-se” contido no início da história da criação judeu-cristã era, antes de tudo, tom e som. Os sufis, místicos do islamismo, sabem muito bem: Deus criou o mundo a partir do som.

BERENDT, Joachim-Ernst. Nada Brahma, A música e o universo da consciência. Editora Cultrix. pp.215-6


O sufi Hazrat Inayat Khan (1882-1927) narra: ” Certo dia, Akhbar, o grande imperador dos mongóis, disse ao músico da corte, o famoso Tansen : ‘ Diga-me, ó grande músico, quem foi o seu mestre?’ E a reposta: ‘Majestade, meu mestre é um músico muito importante, aliás, mais do que isto. Não posso chamá-lo de músico, tenho de chamá-lo por obrigação  de música!’ O imperador insistiu: ‘ A propósito deste seu mestre, posso ouvi-lo cantar?’ Tansen respondeu: ‘ Talvez, posso tentar. Porém, não pense Vossa Majestade que vai poder chamá-lo para vir a corte.’ O imperador então quis saber: ‘Afinal posso ir até onde ele está?’ Ao que o músico respondeu: ‘Ele pode fica com o orgulho ferido ao imaginar que terá de cantar diante de um rei.’ Akhbar observou: ‘Mas eu poderia ir lá como seu servo.’ Tansen ponderou: ‘ Sim, essa é uma possibilidade, uma forma de esperança.’ Dito isto, ambos escalaram o Himalaia, até as mais elevadas montanhas onde o sábio erigira seu templo de música na abertura de uma caverna, em meio á natureza, vivendo em estreita harmonia com o infinito. O músico da corte havia viajado a cavalo e Akhbar andara a pé. Ao chegar na montanha, o sábio percebeu que o imperador havia-se humilhado para poder ouvir sua música, e mostrou-se disposto a cantar. E sua canção era extraordinária. Parecia que  as árvores e plantas vibravam todas. Era a canção do universo. A impressão que causou em Tansen e Akhbar foi muito profunda, mais do que podiam suportar. E, em consequencia disso, ambos entraram num estado de paz e transfiguração. E, enquanto se achavam nesse estado, o mestre saiu da caverna. Quando abriram os olhos, ele já não se encontrava mais à sua frente. O imperador tornou a falar: ‘ Mas que fenômeno estranho. Para onde ele foi?’ Tansen respndeu: ‘ Nunca mais o verá nesta caverna, pois assim que um homem chea a sentir o sabor deste fenômeno ele o procurará sempre, mesmo que isto custe a sua própria vida, pois essa experência é maior do que qualquer coisa na vida.’

Sufismo 01

“Após terem voltado para a sua terra, o imperador, um dia, perguntou ao músico: ‘Qual era a raga que o mestre cantou?’ Tansen disse o nome da raga e cantou-a para o imperador. Este, porém, não se deu por satisfeito, e observou: ‘Sim, é a mesma música, mas ela não tem o mesmo espírito. Por que acontece algo assim?’ Tansen replicou: ‘ A razão é esta: eu canto para Vossa Majestade, imperador deste país, mas o meu mestre canta para Deus. Essa é a diferença.’”
BERENDT, Joachim-Ernst. Nada Brahma, A música e o universo da consciência. Editora Cultrix. p.220

Fonte:http://projetophronesis.com/category/filosofia-oriental/sufi/hazrat-inayat-khan/

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