O DIABO É A SOMA DA ESCURIDÃO DA NATUREZA HUMANA - CARL GUSTAV JUNG EM SEU"LIVRO VERMELHO"



Abaixo,algumas imagens reproduzidas no livro






Inédito no Brasil e guardado durante décadas antes da primeira edição, o enigmático livro que está no centro da obra de Carl Gustav Jung (1875-1961) descreve a jornada interior do psicanalista suíço em busca do autoconhecimento.
"O Livro Vermelho" (assim chamado devido à cor da capa que cobria os originais deixados por Jung) é pontuado pela descrição de sonhos, fantasias e visões e foi concebido entre 1913 e 1930, como decorrência de um autoexperimento: o "confronto com o inconsciente". "O espírito dessa época em mim queria muito conhecer a grandeza e amplidão do sentido supremo, mas não sua pequenez. Mas o espírito da profundeza venceu este orgulho, e eu tive de engolir o pequeno como um remédio da imortalidade", diz Jung.
A obra, escrita em alemão arcaico, é intercalada por imagens criadas pelo próprio psicanalista. "Minha linguagem é imperfeita. Não que eu queira brilhar com palavras, mas por incapacidade de encontrar aquelas palavras é que falo em imagem. Pois não posso pronunciar de outro modo as palavras da profundeza", escreve.
Editado pelo historiador junguiano Sonu Shamdasani, "O Livro Vermelho" (Vozes,Trad. Edgar Orth, Gentil A. Titton e Gustavo Barcellos, 372 págs., R$ 480) só foi publicado pela primeira vez em 2009, na Europa e nos EUA. A edição brasileira, bilíngue, traz o fac-símile do texto original manuscrito.

Fonte:http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/


Jung costumava dizer “crie seu o próprio Livro Vermelho” como uma alusão para considerarmos, refletirmos e respeitarmos nosso próprio mundo interior, assim como ele fez magistralmente usando as criações ricas e complexas do seu próprio inconsciente no famoso “Livro Vermelho“, “The Red Book”, considerado uma das grandes referências da Psicologia. E, para o próprio Jung, seu mais importante trabalho. No ano em que foi lançado como obra pública comercial, em 2009, o jornal The New York Times se referiu a ele como “O Santa Graal do Inconsciente” (“The Holy Grail of the Unconscious“, 16/09/2009, por Sara Corbett).

O psiquiatra suíço Carl Gustav Jung (1875-1961) trabalhou nesse livro durante 16 anos, de 1914 a 1930, logo após seu conflito com o psicanalista Sigmund Freud, numa fase de forte confrontação e exploração do seu inconsciente, quase recluso, formulando suas teses de arquétipos, inconsciente coletivo e individuação, e terminou com uma obra de 205 páginas – 53 delas feitas de imagens inteiras, 71 contendo texto e arte, e 81 sendo texto caligráfico puro.

A Editora Vozes lançou o livro no Brasil traduzido para o português por Edgar Orth. A edição tem 4kg e custa mais de R$ 500. É possível ver um trecho em pdf aqui.
“Os anos durante os quais me detive nessas imagens interiores constituíram a época mais importante da minha vida. Neles todas as coisas essenciais se decidiram. Foi então que tudo teve início, e os detalhes posteriores foram apenas complementos e elucidações. Toda minha atividade ulterior consistiu em elaborar o que jorrava do inconsciente naqueles anos e que inicialmente me inundara: era a matéria-prima para a obra de uma vida inteira.” ~ C.G. Jung (1975)
O trecho abaixo segue o molde de alguns contidos no livro, com estilo ao mesmo tempo narrativo e auto-reflexivo, contendo descrições de imagens do interior e imediatas traduções e conclusões sobre seus efeitos na vida do indivíduo. O trecho abaixo não faz parte da edição brasileira citada acima, foi traduzido livremente da edição inglesa.

“O LIVRO VERMELHO” (trecho)
Por Carl Gustav Jung


“O diabo é a soma da escuridão da natureza humana. Aquele que vive na luz se esforça para ser a imagem de Deus; aquele que vive na escuridão se esforça para ser a imagem do diabo. Pelo fato de eu querer viver na luz, o sol desapareceu pra mim quando eu toquei as profundezas. Era escuro e aquilo parecia uma serpente.
Uni-me com aquilo e não o subjuguei. Tomei pra mim a parte da humilhação e subjugação, e assim incorporei a natureza da serpente. Se eu não tivesse me tornado com a serpente, o diabo, a quintessência de tudo que é ‘serpenticice’, teria mantido esse poder sobre mim. Isso teria dado ao diabo meu pulso e ele teria me forçado a fazer um pacto com ele, da mesma maneira como ele astuciosamente enganou Fausto. Mas me antecipei a ele me unido com a serpente, assim como um homem se une a uma mulher.
Então tirei do diabo a possibilidade da influência, que só pode passar através da própria ‘serpenticidade’ de nós mesmos, e que nós frequentemente relegamos ao diabo ao invés do próprio Mefistófeles ser Satã, tomado com minha ‘serpenticidade’. O Satã é a própria quintessência do mal, nu e por isso sem sedução, sem nem mesmo esperteza, mas pura negação sem força de convencimento. Assim eu resisti à sua influência destrutiva, peguei-o e segurei-o firme. Seus descendentes me serviram e eu os sacrifiquei com a espada.
E assim construí uma estrutura firme. Através dela ganhei estabilidade e longevidade e pude suportar as flutuações do pessoal. E então o imortal em mim está salvo. Atraindo a escuridão do meu outro mundo para dentro do dia, esvaziei meu outro mundo. Assim as exigências dos mortos desapareceram, assim que foram sendo satisfeitas.
Não sou mais ameaçado pelos mortos, desde que aceitei suas exigências e assim aceitei a serpente. Mas por causa disso também botei algo dos mortos no meu dia. Mas foi necessário, uma vez que a morte é a coisa mais duradoura de todas, aquilo que não pode nunca ser cancelado. A morte me dá durabilidade e solidez. Todo o tempo que quis satisfazer somente minhas próprias vontades, eu era pessoal e por isso vivia no senso do mundo. Mas quando reconheci as exigências dos mortos em mim e as satisfiz, entreguei meus esforços pessoais anteriores e o mundo teve que me aceitar como um homem morto. Um enorme frio vem para aqueles que no excesso de seus esforços pessoais reconheceram as exigências dos mortos e buscam satisfazê-las.
Enquanto ele se sente como se um veneno misterioso tivesse paralizado a qualidade de vida de suas relações pessoais, as vozes dos mortos permanecem silenciosas no seu outro mundo; a ameaça, o medo, e a ansiedade cessam. Tudo o que anteriormente aparecia faminto nele não mais vivia nele no seu dia. Sua vida é maravilhosa e rica, já que ele é ele mesmo. Mas aquele que sempre só quer a graça dos outros é feio, porque ele mutila a si mesmo. Um assassino é aquele que quer forçar os outros à bem-aventurança, uma vez que ele mata seu próprio crescimento. Um tolo é aquele que extermina seu amor por causa do amor. Esse é pessoal para o outro. Seu outro mundo é cinza e impessoal. Ele se força sobre os outros, e por isso é amaldiçoado a forçar ele mesmo sobre ele mesmo em um nada frio. Aquele que reconheceu as exigências dos mortos baniram sua feiúra do outro mundo. Ele não se impõe forçosamente sobre ninguém, e vive sozinho na beleza e fala com os mortos. Mas chega o dia quando as demandas dos mortos também são satisfeitas.
Se então perseveramos na solidão, a beleza se apaga para dentro do outro mundo e a terra perdida aparece nesse lado. Uma fase negra aparece depois da branca, e Paraíso e Inferno estão pra sempre lá.”
~ Carl Jung, Livro Vermelho “Red Book” (pgs 322-323)



Fonte:Nando Pereira-http://dharmalog.com/2012/04/03/

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