ENSINAMENTOS DO XAMÃ : O SONHAR,OS SONHOS E OUTRAS DIVAGAÇÕES


Para a mentalidade ocidental moderna, os sonhos constituem realidades ilusórias. Em última instância, poderíamos dizer irrealidades. Isto é apenas mas uma das consequências da tendência moderna de concluir que tudo aquilo que não cabe dentro da descrição ordinária da realidade e do que se sabe dela não existe.

Então, se nos sonhos ocorrem coisas tão extraordinárias, como poder voar, transformar-se num ser estranho, ou comunicar-se com os animais, tudo isso tem necessariamente que ser irreal. O máximo que a ciência pôde fazer para tentar dar sentidos aos sonhos está na teoria psicanalítica que nasceu com os trabalhos de Freud no final do séculos XIX e princípio do XX. Uma dessas linhas dessa teoria trata da interpretação dos sonhos.

Deixando um pouco de lado as elocubrações de segundo, terceiro e quarto níveis, com seus Édipos, pulsões, obsessões fálicas e tudo mais, na sua expressão mais simples, esta teoria propões que os sonhos são, de certa forma, a expressão simbólica dos desejos reprimidos, temores e angústias do sujeito.

O simbolismo prende-se ao fato de os objetos de nosso medo ou desejo geralmente não se apresentarem na sua forma ordinária, mas representados por imagens que à simples vista nada têm a ver com eles. Assim a pressão de um pai autoritário poderia aparecer num sonho como um tronco enorme a nos esmagar, uma mulher desejada poderia aparecer na forma de um cavalo que foge, etc.

Apesar da teoria freudiana e suas possibilidades interpretativas da significação dos sonhos serem desconhecidas das pessoas comuns, a sua proposta básica é aplicável em termos gerais à maioria dos sonhos da maioria das pessoas, em nossas sociedades modernas. Com efeito, sonhamos os nossos desejos e temores.

Contudo, essa não é a única possibilidade. Um exame intercultural ou intertemporal revelaria que no caso da interpretação dos sonhos, como no da teoria psicanalítica em geral, suas conclusões não são necessariamente universais, na medida em que não são aplicáveis a todas as sociedades nem a todas as épocas da humanidade.

Um exemplo seria o do campo da repressão sexual, que tanto interessou a Freud; enquanto nas sociedades européias e seu campo de expansão a repressão sexual e a conseguinte obsessão por ela gerada têm sido e são uma constante, em grupos étnicos de orientações culturais diferentes há uma visão bem mais aberta e salutar perante a sexualidade. Também no que tange ao campo dos sonhos é fácil comprovar que nem todos os seres humanos sonham igual.

Nem todos os sonhos são “freudianos”. A minha experiência pessoal com os Pukinas e Kalawayas, por exemplo me fez comprovar o interesse que ele mostram em relação aos sonhos. Era comum deparar-se com os pais perguntando aos seus filhos pequenos, que mal começavam a falar:

O que você sonhou, meu filho?...lembre-se, lembre-se direito, o que sonhou? Dessa forma eles aprendem muito pequenos a prestar atenção nos sonhos, conseguindo com isso não só lembrar-se deles, mas dar-lhes um sentido de significação pragmática em suas vidas, que nada tem a ver com as interpretações freudianas.

Seus sonhos são mensagens, agouros, indicações, promessas; são tão importantes e tão reais para eles como podem ser a semeadura, a construção de uma moradia, ter um filho, fazer uma canção ou qualquer outra assunto de suas vidas; influem em suas decisões e no seu modo de viver. E é certo que eles encontram nos sonhos um sentido de continuidade e um âmbito de ação volitiva e pragmática que a gente das cidades nem sequer imaginam.

Isso quanto aos sonhos destes povos andinos que citei em geral. Se examinarmos os sonhos de um Mallku (maior grau de sacerdócio xamânico no Peru) ou de um guerreiro ou espreitador, encontraríamos possibilidades ainda mais surpreendentes, muito próximas das experiências de sonho relatadas por Castaneda. O mais incrível é que tanto a experiência do sonho dos povos andinos como as do sonho freudiano e até mesmo as possibilidades do sonho da Segunda atenção ou devaneio são, agora sim, universais.

Muito embora em nossa sociedade conheçamos apenas os sonhos freudianos, também é verdade que não estamos fadados a esse único tipo de sonho. Existem modos alternativos de sonhar. Modos que são a porta para a possibilidades insólitas de experiência. Modos que são a porta de entrada para a Segunda Atenção, o poder e a consciência do outro eu. Podemos aprender esses modos alternativos.

Podemos arrumar nossos sonhos. Na obra de Castaneda, uma das grandes correntes de práticas de espreita, é justamente o trabalho na área do sonho. Don Juan alude ao trabalho com sonhos e os considera uma das avenidas do Poder, atribuindo-lhe importância fundamental no conjunto de seu sistema de conhecimento. Ele diz que o devaneio é o sonho de quem sonha sem perder de todo a consciência e começa quando ele se dá conta de que está sonhando.

Além de referir-me à Arte de Sonhar ou devaneio com base nas colocações do livro de Castaneda, tratarei o tema mencionando alguns aspectos que se tornaram evidentes quando começamos a praticar, com certo sucesso, algumas das técnicas específicas que encontramos naqueles. Arrumar os sonhos começa com uma técnica muito simples, ao que parece: a pessoa sonha que olha suas próprias mãos.

Simplesmente assim. Antes de dormir, a pessoa ordena a si mesma encontrar suas mãos durante o sonho. Entretanto, a coisa não é tão simples como parece, quando experimentamos na própria carne e enfrentamos o fato na sua verdadeira dimensão. Quem já o tiver feito sabe do que eu estou falando; quando a pessoa encontra suas mãos durante o sonho, a sensação que experimenta é sumamente estranha e intensa.

Sente algo tão esquisito como se um leitor sentiria nesse exato momento o livro que tem em mãos, ou o quarto ou lugar onde se encontra se desvanecessem diante de seus olhos e desse lugar a algum tipo de realidade fantasmagórica. Naturalmente, à vista de um evento como esse, qualquer pessoa ficaria muito surpresa e abalada ao descobrir outro mundo, de cuja existência jamais cogitou.

Pois é exatamente isso o que sente quem encontra suas mãos no sonho. E nem podia ser diferente. Quando nosso corpo de sonhar (que Castaneda chama de sonhado) olha suas próprias mãos, o que na verdade faz é obedecer uma ordem que vem do outro mundo. De um mundo cuja existência desconhecia. Este mundo do dia-a-dia é o outro mundo do sonhado. É que o sonhado, como um dos aspectos da consciência do outro eu, não se lembra de modo algum do sonhador, nem sabe nada dele nem de seu mundo.

O sonhado nada sabe de nós nem do tonal que é a sua contra-partida, como o Nagual é a contra-partida do sonhador. Ele acha esta realidade tão inconcebível e irreal como nós achamos a dele. O fato é que sonhado e sonhador jamais se lembram um do outro. Vivem em realidades paralelas, porém separadas.

Nós somos o outro eu do sonhado e nosso mundo é sua realidade à parte. Nós também não nos lembramos do sonhado. O fato de saber que sonhamos não quer dizer que nos lembremos dele, porque, afinal, em nossa racionalidade situamos seu mundo como uma extensão fantasiosa da realidade que conhecemos, ou como um mundo ilusório, sem existência própria, ou simplesmente nem lembramos que sonhamos.

Lembrar mesmo do outro significaria nos darmos conta de que nós somos o sonho sonhado. E é precisamente isso o que faz o sonhado quando olha suas mãos, dá-se conta que está sendo sonhado, recorda-se do sonhador e do mundo que vive. E com esse ato tão simples está executando uma manobra insólita: está criando um ponto de contato entre os dois lados da consciência, entre mundos que jamais se tocam e se ignoram reciprocamente.

Por isso, Don Juan fala da Arte de Sonhar como de uma ponte em direção ao outro eu e à integração de ambos os lados da consciência, Tonal e Nagual, numa unidade existencial que chama de “totalidade de si mesmo”. Eis o sentido dos trabalhos de Espreita e Devaneio: lembrar-se do outro eu, para integrá-los nessa totalidade.

O devaneio é o não-fazer dos sonhos e é o complemento recíproco do não-fazer da vida cotidiana. Assim como a espreita tem o atributo de levar-nos a movimentar o ponto de encaixe e lembrar o outro eu, também o devaneio permite ao sonhado movimentar o ponto de encaixe até a posição em que pode lembrar-se do sonhador.

Ambas as formas de não-fazer são o esforço que cada um dos lados da nossa consciência realiza para lembrar-se de seu outro eu. Uma das vantagens do não-fazer no sonho é que, durante este, o ponto de encaixe se movimenta naturalmente, fora da sua posição habitual. Poderíamos dizer que ele fica mais frouxo, não tão enraizado na sua posição ordinária, mesmo nos sonhos comuns, sendo portanto relativamente mais fácil levá-lo a posições desacostumadas.

Para Don Juan, o devaneio é a melhor avenida rumo ao poder, porque é a porta imediata que conduz diretamente ao Nagual, restituindo-nos com isso o lado misterioso e desconhecido da nossa consciência. Na minha própria existência, as técnicas de devaneio trouxeram possibilidades de ação num tempo que a maioria das pessoas considera ocioso ou, quando muito, de descanso.

É que as formas de utilizar o sonho são praticamente ilimitadas. Um dos aspectos que fazem do sonho um âmbito de tanta utilidade na vida do homem é a sua reciprocidade com o da vida diária. O mundo dos nossos sonhos corresponde ao mundo que conhecemos quando estamos acordados. E não me refiro ao fato de o que sonhamos parecer com o que vivemos, mas propriamente ao fato de o que sonhamos parecer com o que vivemos, mas propriamente ao fato de que o tipo de vida que temos dá como consequência o tipo de sonhos que sonhamos.

Vidas freudianas têm como resultado sonhos freudianos. Da mesma forma, os não-fazeres da vida ordinária têm como consequência o não-fazer dos sonhos: o devaneio. O incrível nesta reciprocidade é que ela opera nos dois sentidos e, assim como a modificação da maneira de encarar nossa vida diária modifica nosso modo de sonhar, da mesma forma a modificação do modo de sonhar se reflete na modificação do nosso jeito de viver. É por isso que o espaço do sonho é também o espaço do trabalho pela mudança e pela liberdade.

Falando em termos operacionais, isto significa que podemos modificar aspectos de nossa vida cotidiana durante os sonhos. Traços de nossa pessoa que não podemos mudar por métodos convencionais, podemos mudá-los com a cooperação do outro eu e o poder da Segunda atenção que lhe cabe, bastando para isso focalizar nosso sonhar nesse sentido. Encontrar soluções não-ordinárias para problemas e necessidades que parecem insolúveis torna-se possibilidade concreta quando acionamos o poder que vem do lado “Nagual” da nossa consciência; seja se sonhando modificarmos o andamento dos acontecimentos, seja se sonhando descobrirmos soluções novas para nossos velhos problemas, não se pode esquecer que a verdadeira criatividade vem do lado esquerdo da nossa consciência.

Castaneda nos diz que os guerreiros de seu grupo desenvolviam e enriqueciam no devaneio as atividades básicas das suas vidas cotidianas; Pablito, como carpinteiro, aprendia como construir coisas, Nestor, que vendia plantas medicinais, encontrava formas de curar, e Benigno, que tinha um oráculo, achava soluções às preocupações das pessoas. Assim, qualquer pessoa que tiver uma tarefa a considerar verdadeiramente própria terá no devaneio um terreno fértil para colher segredos que possam enriquecê-la.

Encontrar objetos ou pessoas perdidas, aliviar doenças ou receber orientações para a ação são apenas algumas das coisas que se conseguem através do não-fazer de dormir, além de divertir-se e maravilhar-se com os incríveis mundos que podemos conhecer com nosso corpo de devaneio. Porque o devaneio pode focalizar tanto coisas deste mundo como do outro.

Quando conseguimos uma consciência controlada durante o sonho, não só conferimos a nosso sonhado a possibilidade de atuar com propósito e pragmatismo, como também se abre para nosso ser do dia-a-dia uma perspectiva diferente de vida e de si mesmo. Gostaria de acrescentar, à guisa de exemplo, um comentário sobre a primeira vez que encontrei minhas mãos no sonho. Eu estudava sobre antropologia.

Empolgado com a leitura dos livros de Castaneda, levava algum tempo tentando sonhar que olhava minhas mãos, mas não conseguia. Uma noite, porém, tive um sonho que no início não parecia não ter nada especial: eu estava no terraço de uma torre de um castelo. Achei uma porta que dava para uma escada de caracol, que descia pela torre. Entrei e comecei a descer pela escada. Tudo era pedra de uma cor cinza escura, as paredes e degraus. Havia pouca luz. Continuei a descer, animado por uma curiosidade que foi virando urgência.

Não havia janela nem nada que me permitissem ver além dos grossos muros redondos. Descia e descia e parecia-me que a descida se estendia até eu chegar a sentir que não alcançaria o nível da base do castelo, mas iria muito mais embaixo, talvez um porão ou calabouço. A sensação de urgência se converteu em uma certeza; lá embaixo, se conseguisse chegar, me aguardava algo completamente novo e desconhecido, algo que seria de grande importância em minha vida.

Por fim, cheguei ao fim da escadaria. Abri uma pesada porta e me vi num quarto de pedra completamente vazio, com enormes janelas na frente e nos lados, Elas consistiam em aberturas retangulares nos grandes muros. Não tinham vidro ou esquadria e seu tamanho era muito grande, tanto que ocupavam a maior parte do muro. Através das 3 grandes janelas dava para ver só uma coisa: o mar. O mar, o horizonte e o céu azul. O azul-turquesa do mar causava em mim uma profunda sensação de melancolia. Faltava alguma coisa em minha vida, sentia-me incompleto e a parte que faltava estava de alguma maneira para além desse azul profundo.

Era como um chamado de um mundo que eu não tinha visto, mas intuía. Sentia-o com clareza e essa clareza era saudade e melancolia. Saíam lágrimas dos meus olhos e de repente me dei conta: estou sonhando!... Isto é um sonho, minhas mãos! Preciso ver minhas mãos! Tentava levantar as mãos e pareciam pesadíssimas. Fazendo um grande esforço consegui levantá-las e me lembrei do outro mundo, do homem que dormia. O mundo do meu sonho ganhou outra natureza, a sensação de que algo insólito acontecia tomou conta de mim.

Toda a cena, que até então me parecera natural, se tornou estranha, fantasmagórica. Soube que as paredes e a cena toda poderiam desvanecer-se a qualquer momento, que dependia da minha vontade mantê-las, mas não sabia como. Olhava as paredes que tremiam como a imagem de um projetor de cinema. Voltava a olhar minhas mãos e meus dedos sumiam por momentos.

Depois de algum tempo, resolvi agir e aproveitar a situação ocupando-me de um assunto importante em minha vida... No dia seguinte, acordei e comecei as minhas atividades rotineiras. A tristeza e a melancolia do meu sonho ainda estavam comigo. Mas essa tristeza tinha um sabor de felicidade secreta bem no fundo. Era como Ter um tesouro. Eu descobrira um novo mundo.

Um mundo para olhar e para agir, onde podia encontrar segredos e do qual podia trazer coisas. Quantos mistérios guardava para mim? Quais seriam os limites que poderia ultrapassar nele? Ao entardecer daquele dia, eu me encontrava no trabalho. Falavam e discutiam sobre futebol e outras coisas relacionadas ao trabalho.

Eu que normalmente era muito participativo, olhava tudo de longe. Esse mundo das discussões intelectuais e da importância pessoal pareceu-me tão pobre...O que eles sabiam do meu sonho? Que importância podia ter tudo aquilo perto da emoção de ter descoberto um novo mundo? Ninguém sabia, mas eu estava feliz. Secretamente, sentia possuir um tesouro.

Estava inundado pela felicidade e pela melancolia de ter entrevisto o outro eu. Soube que, depois daquele dia, o meu mundo nunca mais seria o mesmo. Bons sonhos!!! Sonho de Segunda Atenção Bem, em termos gerais, o sonho de Segunda Atenção ou Devaneio consiste em conseguir um domínio sobre a situação geral de um sonho, no qual, diferentemente dos sonhos ordinários, pode-se agir propositalmente e até com premeditação.

Este tipo de sonho começa com a consciência de estar sonhando. Quando a gente se dá conta de que o que está vivendo é um sonho, incorpora à experiência de sonhar o que está vivendo é um sonho, incorpora à experiência de sonhar uma consciência extraordinária que lhe permite valer-se de sonhar pragmaticamente. O devaneio necessita de uma forma especial de atenção chamada Segunda atenção e tem a ver com a capacidade, geralmente desconhecida, de nossa consciência, de pôr ordem na realidade que está além da descrição ordinária do mundo.

Assim como a primeira atenção serve para ordenar e sustentar a percepção na consciência do lado direito, a segunda atenção serve para ordenar a percepção na consciência do lado esquerdo, onde ocorre o sonhar. Essa segunda atenção, não sendo algo que conhecemos como pessoas comuns, tem de ser aprendida, desenvolvida. No caso de sonhar, desenvolve-se aprendendo a sustentar a visão do sonho, para dar-lhe uma continuidade e congruência que normalmente não possui.

O não-fazer consiste ali em aprender a perceber como o fazemos no mundo cotidiano. Se nosso problema da vida diária é aprendermos a transformar uma realidade que geralmente se apresenta como fixa e imutável, no sonho nosso problema consiste em aprender a fixar ou sustentar uma realidade que é normalmente mutável.

Refiro-me ao fato de, nos sonhos, não ser possível olhar nada fixamente sem que se transforme em mais alguma coisa. É preciso uma forma de atenção especial para conseguir manter em foco o conteúdo de um sonho e estabelecer assim uma ordem operacional no caos dos sonhos comuns. Não deixa de ser interessante que nossa consciência do lado esquerdo seja como a realidade do outro lado do espelho.

Recíproca e no entanto oposta; se na realidade ordinária temos que alcançar a visão periférica para conseguir o silêncio interior e precisamos dela para perceber um mundo não fragmentado, não contraditório, na realidade do devaneio o necessário é a capacidade de focalizar, de segurar a visão, em contraposição à visão periférica que é normal nesse lado da consciência.

O fazer de um lado da consciência é o não-fazer do outro lado e é evidente que os dois têm a finalidade de criar pontos de contato que nos levem gradativamente a integrar ambas as partes numa só unidade. Finalmente, a prática do devaneio conduz ao desenvolvimento do que na obra de Castaneda chama-se “corpo de devaneio’ e que começa a existir no momento em que a prática do devaneio começa a ter uma continuidade que se torna operativa para o manejo do nosso mundo do dia-a-dia. O desenvolvimento do corpo de devaneio é acumulativo.

Ou seja, quanto mais devaneamos, mas concretude e eficiência damos ao nosso sonho, pois vamos aprendendo como sustentar novas posições do ponto de encaixe, correspondentes ao devaneio. Vida Plena e Liberdade Longa! Técnicas Aloha! Agora vamos as técnicas. No caso do devaneio, mais do que um conjunto de técnicas para chegar a realizá-lo, o que encontramos na obra de Castaneda é uma séria de tarefas a serem realizadas após alcançar a consciência de estar sonhando, ainda que na verdade não haja passos específicos para se chegar a essa consciência.

É por isso que irei apresentar primeiramente os diferentes passos que o praticante deve realizar a fim de consolidar a sua consciência de corpo de devaneio, para depois detalhar algumas das técnicas que na realidade, mais do que técnicas são ajudas para levar nossa consciência à recordação do outro durante o sonho.

Afinal, não há maneira de dizer como isso se faz, acontece é que em certo momento nosso corpo simplesmente o faz, ele se lembra. Ver as próprias mãos Tudo começa pela recordação do outro eu. O sonhado, simplesmente, num dado momento, recorda que deve executar uma ordem, como olhar suas mãos ou qualquer outra coisa. Não importa o tipo de ordem, mas dar a ordem estando acordado e executá-la sonhando. Ao fazer isso, percebe que essa ordem vem de algum lugar e então se dá conta do outro mundo. Lembra-se do sonhador.

A partir desse ponto começa o devaneio e todas as tarefas a serem executadas durante o mesmo podem acontecer. A utilização das mãos é muito apropriada porque elas sempre estão aí e não é preciso incomodar-se procurando. Além do mais, qualquer outra coisa que acharmos, um objeto qualquer, nossos pés ou qualquer parte do corpo pode servir. O truque é lembrar-se da ordem e cumprí-la.

Contudo, apesar de parecer simples, o primeiro passo costuma ser o mais difícil. O que acontece nesses casos é que no mundo do sonho, sendo recíproco do mundo da vida diária, a prática do não-fazer demanda um afrouxamento das estruturas do fazer; Logo, enquanto mantivermos fixa e repetitiva a prática mecância do fazer da vida diária, será praticamente impossível desenvolver a liberdade necessária para praticar o devaneio.

E o inverso também é válido, isto é, a pratica do não-fazer do sonho nos proporciona melhores condições para os não-fazeres de nossa vida diária. Portanto, precisamos é de um trabalho conjunto de sonhador e sonhado no âmbito de não-fazer. e vivemos na Urbes. O procedimento mais geral consistiria em passar o dia todo fazendo coisas completamente inusuais.

Isto é particularmente eficiente se as atividades forem chocantes para nosso ego pessoal, como passar um fim de semana completo convivendo bem perto de pessoas e atividades diametralmente opostas ao nosso jeito de ser, ou realizando tarefas que não gostamos, que exigem grande esforço físico e mental e nas quais sejamos bastante inábeis; se isso nos tornar alvo de crítica dos demais, melhor ainda.

Este tipo de abalo do ego reduz o tonal e portanto é muito propício ao devaneio. Naturalmente, é preciso manter o mínimo de senso comum para não se colocar em situações de perigo que possam ocasionar um dano verdadeiro, e não apenas maltratar o ego. Por outro lado, todos os exercícios de atenção, não-fazer, parar o diálogo interno etc., podem facilitar o devaneio.

A partir do momento em que a pessoas encontra suas mãos pela primeira vez, as seguintes tentativas tornam-se relativamente mais fáceis. Cada vez que praticamos o não-fazer dos sonho, nosso corpo se enche do próprio efeito acumulativo de não-fazer, que vira matéria-prima para continuar em frente. Sustentar a visão Já dizíamos, de modo geral, que a base sobre a qual se desenvolve o devaneio é a capacidade de sustentar a visão.

E justamente nessa tarefa nos debruçaremos assim que tivermos a lembrança do outro eu e estivermos olhando as mãos. A técnica consiste em focalizar diretamente objetos da cena onde estivermos, começando por nossas mãos. Ao contemplar as mãos percebemos que é difícil mantê-las em foco, mesmo o simples fato de levantá-las até a altura do rosto, podem ser muito pesadas ou sumir quando as olhamos diretamente.

Mas também descobrimos que existe um fator em n´pos próprios que pode forçar a visão a sustentar-se: a vontade. Temos que aplicar a vontade para as coisas não sumirem. Existe, porém, um procedimento para tornar as coisas mais simples. Consiste em desviar a vista para outros objetos quando o que estamos olhando começa a sumir ou mudar.

Logo, de nossas mãos passaremos a outro objeto qualquer, quando este começar a mudar voltaremos as mãos e depois de novo ao objeto. Aos poucos, iremos abrangendo mais objetos, até sermos capazes de sustentar a visão de toda a cena. Uma vez aprendido, o truque é contentar-se com olhadas momentâneas, dando uma geral em toda a cena em vez de parar e focalizar indefinidamente. Deste jeito, a cena permanece e o mundo do sonho ganha continuidade.

Aprender a movimentar-se A seguir vem o deslocamento. Movimentar-se no devaneio exige um aprendizado. Não tem nada a ver com o movimento durante os sonhos comuns, quando nos deslocamos mecanicamente sem aplicar nossa intenção no que fazemos. A primeira coisa que a gente tenta é mexer-se como faria normalmente. Só que isto não é possível desde que a própria solidez do corpo físico, que é nosso referente básico para movimentar-nos, não faz sentido no devaneio; não sentimos essa solidez e, não sabendo do que somos feito, muitas vezes não sabemos como movimentar-nos.

Mais uma vez, vem à baila essa palavra cujo conteúdo é tão sutil e misterioso: a vontade. No devaneio, a gente se movimenta por meio da vontade, que tem mais a ver com um sentimento ou certeza do que com o pensamento. Também posso acrescentar que esse sentimento é gerado debaixo do umbigo. É dali que a sensação sai. Com a prática, a gente aprende a fazê-lo de modo natural, embora no princípio nos movamos dando trambolhões. Espaço e tempo

A fase seguinte se refere ao controla das coordenadas da viagem: o espaço e o tempo. Onde tem lugar o devaneio e em que momento específico. Em princípio, escolhemos o lugar aonde queremos ir devaneando. Podemos chegar a ele de duas maneiras: ou iniciamos o devaneio no lugar escolhido, ou o iniciamos em outro lugar e nos deslocamos até ele durante o mesmo. É mais recomendável a primeira forma, porque a segunda leva mais tempo, além de depender de um apurado controle do deslocamento e um bom sentido de orientação.

Os lugares conhecidos são de longe os mais apropriados para começar. Aqueles onde desenvolvemos nossas atividades cotidianas e especialmente aqueles onde nos sentimos mais à vontade. Para chegarmos a esses lugares durante o devaneio, é muito adequado concentrarmos nossa atenção neles durante o dia. Não devemos dispersá-la por todo o lugar, mas centrar-nos num objeto específico do lugar que a absorve e depois funciona como guia “puxando” nosso corpo de sonhar.

Algumas horas contemplando o objeto em questão podem ser suficientes, contanto que no decurso dessas horas de observação tenhamos pelo menos alguns instantes de silêncio interior em que a visão do objeto se torne um verdadeiro comando para o devaneio. Quando já estivermos sonhando, tudo o que temos a fazer é lembrar do objeto e permitir que nosso corpo do sonhar seja puxado pela atenção que depositamos no objeto. Para a questão do tempo não há muita ajuda.

Pode-se começar escolhendo devanear o lugar de dia ou de noite. Se conseguirmos, o passo seguinte é escolher devanear na mesma hora em que estamos dormindo e devaneando. E esse é o ponto exato do controle do tempo: fazer com que coincidam o tempo do nosso devaneio e o dos acontecimentos externos de nossa vida diária. Uma maneira de trabalhar com o tempo é experimentar dormir na hora que se quer comparecer ao lugar escolhido com o corpo de devaneio. Uma soneca matinal ou vespertina podem muito bem ser aproveitada para este exercício.

Quando podemos fazer coincidir o tempo e o espaço com o mundo de nossos assuntos cotidianos, estamos prontos para começar a influir em nosso dia-a-dia mediante nosso corpo de devaneio. Encontrar-se a si mesmo Aqui chegamos à verdadeira prova de fogo, pela qual o devaneio sabe que o que está fazendo é de verdade: o encontro cara a cara entre sonhador e sonhado.

Quando somos capazes de controlar o tempo e o lugar do nosso devaneio, podemos ir direto à constatação fundamental pela qual tomamos conhecimento de que nosso devaneio está tendo lugar no mesmo tempo e espaço de nosso mundo do dia-a-dia: o encontro de nosso corpo adormecido. Chegados neste ponto, a tarefa consiste em procurar-se. O sonhado sabe que está sendo sonhado e agora precisa ter a inteireza e o controle para encontrar quem o está sonhando.

Se o encontrar, em vez de assustar-se ou acordar, o devaneador sabe que a hora do poder chegou e aproveita a experiência para fazer o impossível: influir no seu mundo do dia-a-dia com seu corpo de devaneio. Chegar a encontrar-se dormindo pode ser ainda mais difícil que encontrar as mãos. Pelo menos, comigo foi assim. Eu já vinha algum tempo trabalhando com meus sonhos.

Já conseguia dar-me conta de estar sonhando, olhar as minhas mãos e até aprender a movimentar-me. Em muitas ocasiões, empenhei-me em procurar meu corpo adormecido, que sabia estar em algum lugar. Mas geralmente não conseguia chegar a casa ou ao lugar onde estivesse dormindo. Sempre alguma coisa me impedia. Em outras ocasiões chegava a casa, mas bem antes de entrar no meu quarto acontecia algo espantoso e meu devaneio virava pesadelo.

Em certo momento, dei-me conta de que havia uma constante em todos os meus fracassos: o medo. Cada vez que o meu sonhado estava prestes a encontrar meu sonhador, dominava-me um medo incontrolável. Não sabia por que, mas assim que identifiquei o inimigo resolvi enfrentá-lo. Tinha que continuar em frente apesar do medo que me barrava a passagem. Finalmente, um dia consegui chegar ao meu quarto em devaneio.

Sim, era o meu quarto, meus objetos pessoais estavam lá, cada detalhe me era familiar, minha esposa estava também ali dormindo, e ao lado dela havia mais alguém: era eu. Nesse momento descobri o que temia: meu medo era descobrir que tudo isso fosse verdadeiro. Era bem assim. Todas essas práticas eram, ao mesmo tempo que atrativas, altamente ameaçadoras para a estrutura do meu ego, para a minha visão do mundo e o meu senso de realidade e normalidade.

Apesar de eu estar há bastante tempo explorando as possibilidades do devaneio, no fundo tudo não passava de uma espécie de jogo comigo mesmo. A minha razão, minha visão ordinária da realidade se refugiavam, sem que eu soubesse, na possibilidade de que afinal tudo aquilo fossem coisas da imaginação ou fantasias. Mas tudo ganhava um sentido bem diferente no momento do encontro frente a frente entre sonhador e sonhado.

Não havia para onde fugir. Era verdade, enfim. Existia outro eu, o outro mundo. Era certo que ambos os mundos podiam tocar-se. Não restava outra saída senão aceitar o que havia de terrorífico mas também de maravilhoso nesse fato. E foi isso o que eu fiz, aceitar a maravilha e o terror.

Quando por fim se aceita algo tão incrível e estapafúrdio como a existência do corpo de sonhar ou dúplice, o que se segue é passar à ação, deixar os questionamentos e medos de lado e aproveitar a situação pragmaticamente. Aplicação é que não faltam, como veremos a seguir. Aplicações A partir do momento em que o devaneador encontra seu corpo adormecido, pode começar a aproveitar a experiência de modo mais pragmático. Cabe assinalar. De passagem, que nunca se deve acordar o corpo adormecido.

Na obra de Castaneda esta dito que fazer tal coisa significaria a morte. Em qualquer caso é bom não experimentar. Em vez disso, temos que dar meia-volta e resolver ou realizar algo que seja útil para nós. Podemos reviver cenas problemáticas da nossa vida diária e descobrir como as resolve o corpo de devaneio, para depois aplicar essas soluções durante a vigília. Outra opção é desenvolver possibilidade criativas da nossa tarefa pessoal: pintar, cantar, escrever, dançar, etc.

A questão é que a criatividade não tem limites no mundo do nagual. Podemos indagar coisas sobre as pessoas ou sobre nós mesmos, observando do ponto de vista do devaneio. No caso da auto-observação, ela deverá ocorrer em sucessão de tempos diferentes da do devaneio. Não aprendemos muito sobre nossa vida ao nos observarmos enquanto dormimos.

Também podemos fazer, no devaneio, algo que almejamos para nosso dia-a-dia. Se tivermos energia suficiente, o que acontecer em nosso devaneio pode virar diretriz dos acontecimentos em vigília. Resolver o rumo a tomar em qualquer tipo de encruzilhada que a vida nos apresenta tem resultado muito mais eficiente a partir da totalidade do devaneio, onde se vive uma maior integração entre os dois lados da nossa consciência. Pode-se tentar devanear um dos rumos possíveis e obter indícios do eventual resultado propício ou inadequado.

Perdoar, aliviar ressentimentos e aproximar-se de outros seres humanos são algumas das muitas coisas que podemos fazer com nossos devaneios, desde que tenhamos o controle necessário para saber chegar até essas pessoas. Naturalmente, toda aproximação deverá ser equilibrada e desinteressada.

Afetações em termos de dano ou abuso seriam altamente autodestrutivas, além de não estarem à altura do caminho do guerreiro que, ao contrário dos feiticeiros negros, nunca pode pensar em seus semelhantes em termos de danos, uso ou gratificação pessoal. Partilhar a experiência do devaneio com alguém depende de que as duas pessoas tenham, a princípio, o controle necessário para controlar o tempo e lugar em que devaneiam, e que sejam pessoas muito próximas, altamente familiarizadas com a energia e a tonalidade do outro.

Brincadeiras como puxar os pés do amigo ou colega de serviço com o corpo de devaneio são admissíveis somente à maneira de constatação entre pessoas próximas que também estão envolvidas neste tipo de prática, desde que não passem de simples cócegas ou puxões. Na obra de Castaneda, a exploração do outro mundo é talvez a aplicação mais importante e é obviamente uma possibilidade para todo aquele que penetrar nos intricados caminhos do devaneio.

Em qualquer caso, é bom saber que para focalizar por meio do devaneio o mundo do dia a dia é preciso ter o equilíbrio e a austeridade do caminho do guerreiro para não cair em excessos que possas ser contraproducentes. Alguma sugestões técnicas Na obra de Castaneda, encontramos algumas sugestões que eu considero de ordem técnica, cuja finalidade seria obter as melhores condições para o exercício do devaneio.

A meu ver, não é indispensável cumprir todas elas, visto que descobrimos em nossas práticas que os procedimentos específicos e iguais não são o habitual no aprendizado do devaneio. Entretanto, menciono as seguintes para o praticante aproveitar as que estiverem mais ao seu alcance e achar mais convenientes.

Não examinarei a fundo e sugiro caso queira saber mais sobre elas, vá direto as obras de Castaneda e, acima de tudo praticá-las.

1. Estando pronto para dormir, procurar concentrar-se na ponta do esterno, até cair no sono, pois é esse o ponto onde surge a atenção necessária para o devaneio.

2. Para devanear, é útil dormir com um boné ou uma bandana na cabeça, de preferência que tenha sido encontrada num devaneio primeiro e no nosso mundo depois.

3. Recomenda-se dormir sentado, as mulheres de pernas cruzadas e os homens de pernas estendidas, se possível dentro de um berço estreito, o que será ainda melhor.

4. As melhores horas para devanear, nas etapas iniciais, são as da madrugada, quando a atenção das pessoas sobre nós é mais fraca. Isto nos dá maior liberdade de ação.

5. É recomendável evitar locais amplos e planos, como vales descampados. Grande lagoas e o mar também não são propícios. São mais convenientes os lugares fechados e estreitos, como cavernas, grutas, baixadas, o leito seco de um rio, ribanceiras ou simplesmente um quarto fechado.

6. A prática de rituais pode ser útil para fixar a atenção; mais do que o conteúdos simbólicos, a repetição monótona de palavras ou movimentos pode Ter efeito conveniente para concentrar a atenção especial requerida no devaneio.

7. Massagear as batatas das pernas tem como resultado uma sensibilização adequada para devanear, pois essa área desempenha um papel relevante no devaneio. Uma técnica que vale a pena estudar à parte é a observação de objetos de devaneio. Ela serve para exercitar a Segunda atenção necessária para transformar os sonhos comuns em devaneios.

Castaneda a explica em o Segundo Círculo de Poder e consiste no seguinte: O Observador estará sentado em posição descontraída e se dedicará durante horas a contemplar um objeto específico, tentando alcançar um estado de silêncio interior. Mais tarde, durante o sonho, procurará o mencionado objeto.

Finalmente, procederá a influir no objeto mediante seu devaneio. Os passos sugeridos são:

1.A contemplação de uma folha seca; observar os mínimos detalhes até chegar a distinguir, só com a memória, as diferenças entre uma folha seca e outras. Continuar o exercício por vários dias, trocando a folha. Durante o sonho, tentar achar a folha observada.
2.Contemplar uma pilha de folhas secas, traçando desenhos em espiral com o dedo. Observar as figuras e desenhos formados em seus detalhes, para depois tentar encontrar esses desenhos no sonho.

3.O passo seguinte é fazer desenhos nas folhas secas durante o devaneio, até encontrar esses mesmos desenhos na pilha de folhas secas que contemplava acordado.

4.Posteriormente, a observação pode visar outras coisas, como plantas pequenas, árvores, insetos, rochas, chuva, névoa e nuvens, nessa ordem.

É preciso levar em consideração que o exercício não é apenas para achar o objeto observado no sonho, mas também para cultivar a Segunda atenção.

Por isso é um exercício muito apropriado como apoio do ato de ver as próprias mãos.

Vida Plena!


Wagner Frota – Jaguar Dourado

Fonte:
http://palavrascaminhandocomosventos.blogspot.com.br

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