A ALMA DO CINEMA : REFLEXÃO DE FEDERICO FELLINI - "LA DOCE VITA"

A Alma do Cinema: reflexão de Federico Fellini

    
     "Acusaram-me de fugir à realidade e de refugiar-me no sonho.
     Penso que não se pode considerar a realidade como um panorama de uma superfície única, pois uma paisagem tem várias espessuras e, a mais profunda - aquela que somente a linguagem poética pode revelar - não é a menos real.
     Quero ir além da epiderme das coisas.
     Chamam a isso o gosto do mistério.
     Aceito de bom grado esta expressão, com a condição de escrevê-la com M maiúsculo. Não me refiro a certo mistério, cultuado por alguns, e que não passa de um sucedâneo poético com que querem salpicar a realidade. Para mim, este Mistério é o mistério do homem, as grandes linhas irracionais de sua vida espiritual: o amor, a salvação, a redenção, a encarnação... No centro dessas espessuras sucessivas está Deus que, para mim, é a chave dos mistérios.
     Creio que Jesus é não somente o maior personagem da História da Humanidade, mas que ele continua a sobreviver em todo aquele que se sacrifica pelo seu próximo.
     Ignoro os dogmas católicos. Sou, talvez, um herege.
     Meu cristianismo é bruto.
     Não frequento os sacramentos. Mas penso que a oração poderia ser considerada como uma ginástica que nos aproximaria cada vez mais do sobrenatural. Pratiquei-a antigamente. Agora, só sei rezar na hora do medo e da tristeza.
     É preciso saber rezar na hora da alegria.
     Entrevi o caminho certo da salvação.
     Antes, a religião era, para mim, uma simples suspeição da alma. Um dia, encontrei um anjo que me estendeu a mão. Segui-o. Mas, depois de ter dado alguns passos, deixei-o e voltei atrás. Ele, porém, permaneceu em pé, no mesmo lugar, esperando-me. Eu o revejo nos momentos de sofrimento, cada vez um pouco mais envolto em brumas. Eu lhe digo: "aspetta", "aspetta", como eu o faço com qualquer um.
     Receio que, um dia, eu o chame e não mais o possa encontrar.
     Mais do que Jesus, o anjo foi sempre aquele que me desperta do meu torpor espiritual.
     Quando eu era criança, ele era a encarnação de um mundo fantástico. Depois, ele se tornou a encarnação de uma urgência moral."


      
    

          
Federico Fellini, cineasta italiano
A alma do cinema
Fonte:http://transpsicanalise.blogspot.com.br/

Federico Fellini – La Dolce Vita

Acaba de ser lançada uma edição nacional, restaurada e remasterizada, de La dolce vita (1960), filme que é um divisor de águas na obra do célebre cineasta italiano Federico Fellini, um importante momento do cinema erudito e, em geral, da cultura ocidental posterior à segunda guerra.

La dolce vita separa a carreira de Fellini em dois períodos. Um primeiro marcado pelo neorrealismo – estética de vanguarda que se colocava, ao apresentar a realidade em sua suposta crueza, contra a estética representativa e ideológica do totalitarismo fascista – e um segundo período em que o cineasta (re)problematiza o conceito de “realidade/realismo”, dirigindo-se a uma cine-poética da farsa exuberante e do drama existencial, que, embora retome a representatividade, a reconduz ao estranhamento e ao questionamento da alma humana, bem como da sociedade europeia.
O filme se estrutura a partir de sete episódios, relativamente independentes uns dos outros, que narram uma espécie de saga moderna de Marcello (Marcello Mastroianni), um jornalista que faz de seu trabalho de especulação e aventura sexual em torno da Via Venneto – lugar das celebridades, da vida noturna e da “cena” cultural italiana dos anos 1960 – a metáfora felliniana do escritor-jornalista-narrador em crise frente a uma sociedade das aparências e do espetáculo.
A película é inteira construída por metáforas, sendo a alegoria um motivo organizador da poética de Fellini, sobretudo a partir de La dolce vita. A abertura do filme é altamente remissiva e alegórica: Marcello se apresenta às câmeras junto ao seu parceiro, o fotógrafo Paparazzo (de cujo nome, atualmente, deriva toda uma cultura da celebridade), pilotando um helicóptero em que está dependurada uma estátua de Cristo. Eles partem das ruínas romanas, atravessam a cidade nova e cosmopolita, e chegam à praça de São Pedro, em suposta missão para o próprio papa.
Essa abertura é, em si mesma, uma espécie de leitmotiv que vai se desdobrar pelo resto da narração. Nesse sentido, organizam-se também as personagens, que são planas, chapadas e que parecem se desdobrar umas das outras, ou ainda, cópias, réplicas quase inalteradas, umas das outras.
Marcello é um escritor que não escreve, que está dominado por certa impotência. Seu ofício passa a ser o de mediar a ação, especular sobre ela enquanto jornalista e, assim, ser um participante importante na construção da cena.
Dele se desdobra outra versão: Steiner, o músico e intelectual aparentemente bem resolvido. Pai de família e anfitrião de um renomado meio de artistas e pensadores, ele de súbito se suicida, abandonando contraditoriamente a solidez e a estabilidade que conquistara na arte e na vida, o que o torna uma antítese – e, portanto, afirmação negativa – de Marcello. Ao espectador, resta a questão do artista abismado entre uma esquerda artística adolescente e vazia e a direita católica e fascista, cuja família se encontra esfacelada.
As remissões vão para todas as direções. Cada figura se desdobra de Marcello e conduz um novo episódio: a herdeira (Anouk Aimée) e amante do jornalista que frequenta a vida noturna romana à procura de diversão casual e é “personaggio della cronaca”; a aristocracia decadente que organiza orgias circenses e, portanto, bufas, grotescas, realizando, por sua vez, a antítese – que, novamente, afirma – do show business, representado pela atriz sueco-americana Sylvia (Anita Ekberg), e sua comitiva de produtores, empresários e paparazzi.
É uma cadeia de metáforas que acaba por estigmatizar Fellini com a atribuição de “neobarroco”. É certo que as referências ao barroco são diversas, desde a Tocata e Fuga em ré menor,de Bach, até a Fontana di Trevi – onde o amor artificial e apenas aparente, mas deslumbrante, entre Marcello e Sylvia é semirrealizado e, logo, frustrado. A técnica do contraste entre alto e baixo também é constante: a aristocracia habita antigos castelos, mas comporta-se como gente do circo; as images/stories religiosas demonstram elevação num ambiente de cinismo e escatologia.
O dualismo plano de Marcello, que não sofre mudanças interiores, mas é conduzido e motivado, durante todo o filme, por uma única questão: a dualidade entre o baixo e o alto, a crônica barata e a alta literatura, a vida vulgar ou a fiel namorada, a fé católica ou a descrença da esquerda, pode ter origem nessa mesma técnica retórica do contraste, entretanto, a arte barroca sempre se conduz para cima em direção do signo único que é Deus; Marcello e toda a corja farcesca de La dolce vita são puramente modernos: se conduzem, em queda, para o vazio.
Assim, o filme está construído em sete episódios – número bastante irônico, que invoca as cosmogonias e os mitos religiosos; sete pecados, sete desastres, sete notas musicais, sete dias da criação etc. – 1. O caso de Marcello com a herdeira amante; 2. O amor artificial e teatral com a atriz Sylvia; 3. A sua relação com o músico suicida, Steiner; 4. O falso milagre, em que Marcello vai como jornalista cobrir um suposto aparecimento da Virgem no interior da Itália; 5. A visita de seu pai, que vai com ele passar a noite no cabaré; 6. A festa da aristocracia decadente; e 7. A orgia na casa de praia conduzida pelo próprio Marcello em seu último estágio de decadência. Os episódios são apresentados por um prólogo e encerrados por uma espécie de síntese, de metáfora central.
Esta última cena – talvez a mais forte do filme – ocorre numa praia após uma insólita orgia, em que apenas se anuncia o sexo e não se chega a nenhuma realização a não ser a destruição do espaço onde se realiza e a completa decadência de todos os seus participantes. À luz da aurora, todos saem da casa e vão em direção a um grupo de pescadores recém-chegados do mar. Eles trazem uma raia gigante morta e de olhos bem abertos, a encarar os céus.
A força metafórica que dá impulso ao filme, por meio da imagem dessa criatura marítima que, da morte, os encara, pode simbolizar a condução de Marcello a si mesmo, a encontrar-se com sua própria imagem, com sua própria metáfora, com seu próprio vazio. Daí resta-lhe buscar comunicação com os céus – uma jovem virgem, que apenas cruzara o caminho da personagem durante o filme, lhe aparece do outro lado da praia, dividida por um canal –, mas, agora, a comunicação já não é possível por conta da grande intensidade do som das vagas: é o fim de Marcello e de La dolce vita.
Dessa maneira, por meio de uma unidade fragmentária e um cinema bastante narrativo e retórico em sua condução do tempo e trato das images/stories, Fellini aborda algumas das questões fundamentais à Itália dos anos 1960 e a toda arte do ocidente nesse período. Essa década representa um momento de virada no século xx. Diversas rupturas sociais, políticas e científicas, que a partir daí vão se desenvolver, são anunciadas pela rapsódia do cineasta.
Em sua tópica está a sociedade do espetáculo, já trabalhada por Adorno ao abordar a Indústria Cultural, mas que será retomada na obra de teóricos e artistas dessa década, como Guy Debord e Gilles Deleuze. La dolce vita questiona de frente a criação dessa cena e procura, em seus movimentos de câmera e gestos de personagens, o vazio constante por traz dela.
O filme situa essa questão no contexto do esfacelamento da família e da sociedade católica europeia frente a uma esquerda que demora em se organizar e demonstra-se, sobretudo, perdida em círculos intelectuais que, parafraseando Walter Benjamin, ao invés de discutir se cinema é ou não é arte, ainda não percebeu o quanto ele transformou profundamente a natureza da mesma.
Por fim, em termos formais, a montagem da película é narrativa e tende a uma câmera clássica e onisciente, a não ser por alguns trechos em montagem rítmica (“corte em movimento de imagem e som, choque acelerado”[1]). O filme é mais rico em recursos narrativos e retóricos do que propriamente cinematográficos, no sentido em que se preocupa mais em estabelecer, através de uma linguagem altamente cerebral, um drama da alma e da consciência humana. E o faz por meio das images/stories organizadas e regidas pela ação da personagem central.
Para Fellini o cinema é “a arte em que o homem se reconhece da maneira mais imediata: um espelho no qual deveríamos ter coragem para descobrir nossa alma”, e, portanto, a expressão, em forma de imagem, de uma condição ou circunstância existencial humana. Sua obra, em geral, produz a caricatura e o aspecto grotesco da alma humana e da sociedade em que esta se insere, o que acaba por conduzi-la a discutir a sua cultura, ou melhor, sua capacidade de produzir uma cultura.
No ano de estreia do filme, Gian Luigi Rondi escreveu: “[La dolce vita] é a ‘comédia humana’ de uma crise que, como nos desenhos de Goya ou nas histórias de Kafka, está ocupada em transformar os homens em ‘monstros’ sem que eles tenham tempo para ter consciência do fato”[2].
Faz sentido que se relance está obra-prima de Fellini, pois suas questões permanecem atuais uma vez que a maior parte dos problemas contemporâneos, não apenas no campo da cultura, são desdobramentos de muitos dos fenômenos ocorridos na década de 1960, como a guerra fria, a massificação global do espetáculo e a decadência dos valores culturais e sociais da ordem capitalista.

[1]. Rogério Sganzerla, Por um cinema sem limite, Rio de Janeiro, Azougue, 2001.
[2]. Gian Luigi Rondi, ii Tempo, Roma, 5 fev. 1960.

Fonte:Marcelo Flores-http://www.sibila.com.br/

A Doce Vida é a grande obra-prima do mestre Federico Fellini e também um dos maiores filmes da história do cinema. Roma, início dos anos 60. O jornalista Marcello (Marcello Mastroianni em desempenho memorável) vive entre as celebridades, ricos e fotógrafos que lotam a badalada Via Veneto. Neste mundo marcado pelas aparências e por um vazio existencial, freqüenta festas, conhece os tipos mais extravagantes e descobre um novo sentido para a vida.





Fonte:http://www.youtube.com/

 

Comentário sobre o final de "A Doce Vida" de Fellini falando sobre o tema do filme.

Nesse vídeo comento sobre a estrutura narrativa de "A Doce Vida" de Federico Fellini e explico o porquê do final do filme ser do jeito que é.

Por quê Fellini decidiu colocar um final aberto nessa história? Esse final está de acordo com o resto do filme?

Analisando um pouco a trama e o tema principal de "A Doce Vida", encontram-se rapidamente as respostas para essas perguntas.



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