DO GOZO AO AMOR


Duas frases de J. Lacan são muito caras para mim:
" Não existe a relação sexual" e " Só o amor pode fazer o gozo ceder ao desejo".


Lacan faz uma belíssima exposição acerca do amor em seu Seminário " Mais, ainda", exatamente aquele com o qual no momento tenho me deliciado.

Aquilo que a relação sexual promete ela jamais cumpre-- a sensação de completude, unidade, de plenitude; a sensação de que você pode realmente "comer" o outro, assimilá-lo, unir-se a ele, e , mais importante de todas, de que podemos sim usufruir do corpo alheio. O problema que Lacan coloca é que não temos acesso ao corpo como tal, ou o corpo real. Nosso acesso ao corpo do outro é mediado, irremediavelmente, pela linguagem. A linguagem, como todos sentem na pele, não comunica nada, ao contrário, “ trumbica”. Há maus-encontros na linguagem e a demanda que lançamos ao outro sempre cai no mal entendido. Assim, no sexo e no amor temos sempre o mal entendido como inimigo, por isso não existe a relação sexual. A “ trepada”, por assim dizer, existe, mas naquilo que queremos transformar o coito em “ fazer amor” infelizmente "isso" cai no impossível.

Mas, é gozado que tenhamos escolhido essa expressão “ fazer amor”. Isso nos leva à segunda frase que lhes expus: só o amor pode fazer o gozo ceder ao desejo. Nossa insistência em fazer com que a linguagem expresse nosso desejo em relação ao outro é tamanha, que queremos vencer o coito, a trepada, a foda, a angustia inominável de sermos animais, porém não tanto, com a tentativa de fazer amor. Do gozo, da angustia de “ comer” ser “ comido” queremos fazer, disto, amor. Diz Lacan também, que o sublime é a parte mais alta daquilo que está embaixo. De nossa pulsão animalesca de consumir e ser consumido queremos fazer amor, porque o gozo, em si mesmo, é mortífero. Comporta em si aquilo que há de mais mordaz da pulsão de morte: comer o outro, ser comido, ser consumido, consumir, fazer do outro nosso objeto de gozo. O amor, como liame de linguagem, como seda, invólucro de nossa cambaleante fala, nos dá acesso ao desejo. Só o amor pode produzir esta enganação, ludibriar o gozo e deixar o desejo dobrar a esquina.

O amor é o sublime, isto é, o mais alto que está embaixo. Porque sim, somos humanos, mas aquilo que nos faz humanos vem debaixo. De nossos gozo, excrementos, volúpias e agressões...Quando tudo isso é endereçado ao outro, velado pelo amor, pelo mal entendido..Quando o amor nos orienta ao mais além do gozo, o adiamento do prazer para o desejo que realiza uma vida...Em algum projeto de vida. O amor é a vida de resignação daquele que percebeu, finalmente, de que não se pode gozar todo, o gozo absoluto seria a morte. Aquilo que Freud chamou de sensação oceânica é levar o gozo ao ápice. É tentativa dos tóxicos, dos místicos, da religião, da ciência e do sexo. Todas fadadas ao fracasso, posto que a linguagem nos tira o acesso direto ao gozo. Agora, gozo perpassado pela linguagem é amor , é desejo, é alguma possibilidade de prazer, não toda. Amar é fazer um compromisso com o gozo, justamente que não se pode gozar tudo, sempre e o tempo todo. Mas, pode-se ter algum prazer; aquele que baixa sua fronte perante o gozo absoluto é o único que aprende finalmente a amar.

E você...tem aprendido a amar?


Fonte:http://www.ditoedizer.com.br/

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