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AS MOTIVAÇÕES HUMANAS E A BUSCA DE PLENITUDE


Há sempre uma motivação. E sempre agimos — mesmo quando não agimos, estamos fazendo algo. Mesmo as ações cunhadas como “sem interesse” ou “sem espectativa de ganhos” são motivadas por algo, mesmo que não seja um motivo egoísta ou não seja por um ganho nesta vida. Poderíamos criar uma lista infinita de motivos pelos quais todos nós agimos em diferentes situações. No entanto podemos agrupar todas as motivações humanas em quatro tipos. A compreensão desta questão dá clareza sobre a busca fundamental em todas elas, que é o foco aqui, e o meio adequado para a alcançarmos.

Segurança (artha)

Quando agimos para garantir uma integridade pessoal contra uma possibilidade de problema futuro, agimos por segurança. Juntar dinheiro em uma poupança como reserva para problemas inesperados pode ser uma expressão desta busca. Esta é uma motivação que todos animais compartilham. É natural à vida o instinto de mantê-la. Naturalmente buscamos um abrigo, como uma casa, roupas, bens materiais e até mesmo pessoas que nos dêem segurança. Precisamos deste instinto para nos preservarmos enquanto indivíduos.

Prazer (kaama)

Em alguns casos a motivação pode ser meramente a busca por prazer. Aqui também se incluem ações que nos colocam em menos segurança, porém que nos dão muito prazer. Arriscar-se em uma atividade esportiva pode ser um destes casos. Comer além do que precisamos, também. Todos animais têm esta busca. Sem prazer, a vida seria tediosa ou pesada demais.

Justiça (dharma)

Na busca por segurança e prazer, podemos levar em conta que os outros humanos — e animais — também têm o direito destas buscas. Assim, há uma motivação que regula nossas buscas primárias por segurança e prazer, e que aqui chamo de justiça. Por vezes agimos com a motivação de fazer o que é adequado, e não necessariamente o mais interessente para nossa segurança individual e nem por prazer. Isto ocorre quando refletimos sobre nossas ações dentro de um sistema mais amplo, dentro de uma sociedade. Esta é um busca onde nos diferenciamos dos animais — ou pelo menos poderíamos!

Liberdade (mokSa)

Em nossa busca por segurança, prazer e justiça, percebemos que não nos saciamos apenas com um pouco dos resultados. Queremos sempre ter segurança, todo o prazer e que nunca haja injustiça. Ou seja, além da busca por prazer, por exemplo, há agregado um fator absoluto (sempre, todo, qualquer lugar). Apesar de sabermos que nem sempre nossos momentos de experiência serão prazeirosos, não desejamos o desagradável. Aprendemos a conviver com este fato, porém nosso impulso é de ter prazer absoluto, sem limitações. O mesmo ocorre com a busca por segurança e justiça. E é justamente o fato de buscarmos um final definitivo para estas buscas que continuamos a nos mover por elas — pois isto nunca ocorre. Continuamos a repetir ações que achamos eficazes para repetir as experiências de segurança, prazer e justiça. De fato, se não temos segurança, precisamos fazer algo para tê-la. Porém ressalto que o que fundamentalmente impulsiona estas três buscas primeiras é a qualificação absoluta.
Neste ponto é que podemos continuar a buscar a plenitude através de ações ou dicernir o problema. Por mais ações que fizermos, sempre teremos um resultado, uma experiência, limitada pelo tempo, espaço e forma. Podemos ter segurança, prazer e justiça, mas não necessariamente a liberdade do desejo de buscar ainda mais segurança, prazer e justiça, mesmo quando nós mesmos percebemos que já os temos o suficiente.
A busca pela liberdade que aqui me refiro é a busca pelo absoluto, a plenitude em si, que geralmente temos misturado com as outras buscas. Esta busca pode ser definida como um desejo de estar livre dos desejos, no sentido de estar livre de ter que satisfazer nossos desejos para nos sentirmos plenos. Sob ignorância nesta questão, buscaremos sem cessar experiências que dão a sensação de estarmos plenos, uma sensação de suficiencia. As experiências podem de fato nos dar uma experiência de preenchimento, por algum tempo, em algum lugar, de alguma forma. Porém, como toda experiência, é algo que tem início, meio e fim.
Se o absoluto fosse irreal, algo impossível, não teríamos problema com o fato de nos sentirmos limitados pelas experiências da vida. Se esse fosse o natural, estaríamos muito bem com o fato de um dia termos prazer e no outro termos dor. Contudo este não é o fato. Temos sim uma percepção do absoluto, porém também uma confusão sobre como é que o temos.
É importante termos claro esta busca por algo absoluto, livre de limitações, para começarmos a discernir o problema. Primeiramente é importante perceber que, fundamentalmente, buscamos a plenitude. Depois de termos claro o que queremos, podemos nos questionar sobre os meios para conseguirmos esta plenitude, pois, como todos sabemos, os meios para conseguirmos mais segurança, prazer e justiça, que são as ações, não funcionam neste caso.

O ilimitado
Ao percebermos que buscamos a plenitude, algo ilimitado, surge a pergunta do que seria algo ilimitado. Tudo o que experenciamos no mundo é limitado basicamente por tempo, forma e espaço. Tudo passa a existir num momento, dura um tanto e depois não existe mais. Algo pode até durar por milhões de anos, o que soaria eterno perto da vida humana, porém, ainda assim, é limitado pelo tempo. Tudo é também limitado por uma forma, que diferencia um objeto de outro. A diferença entre um pote e uma casa de argila é a forma. Essencialmente são argila, mas devido ao formato, vemos diferentes objetos. Por último, algo está sujeito à um espaço, um lugar.
Portanto o ilimitado seria algo livre das limitações de tempo, forma e espaço.
O meio para conseguir o ilimitado
E a próximo pergunta pode ser como ter este ilimitado, já que não consigo perceber que o tenho. E naturalmente pensamos em como buscamos algo que ainda não temos. O que sei é que quando não tenho algo, preciso fazer algo para conserguir essa coisa que ainda não foi alcançada por mim.
Exemplo: Eu não tenho conhecimento de sânscrito e quero ter este conhecimento. O único meio para adquirir este conhecimento é através de uma ação adequada, feita pela duração certa, da maneira certa, no lugar certo. Ainda assim ela pode não se concretizar, mas estes são os únicos fatores que podemos controlar e que, no mínimo, nos dá a possibilidade de termos este algo que ainda não temos e o qual só obteremos por meio de uma ação.
Vejamos então o que queremos, algo que é total é absoluto, que nunca acaba, que é livre de limitações, é completo em si mesmo. Ele não pode ser algo que teremos só no futuro, em algum lugar ou em alguma situação específica. Ser produzido é uma limitação.
O que buscamos só pode ser algo que já temos, pois deve ser sempre existente. Se para alcançar algo que ainda não temos devemos fazer uma ação, como poderemos alcançar algo que já temos?
Exemplo: Uma mulher lia um livro em sua casa quando tocou a campainha, colocou os óculos na cabeça e atendeu a porta. Conversou bastante e depois voltou para ler seu livro. Não encontrou mais seus óculos. Como ela poderia resolver o problema dela? O problema dela é a ignorância de algo que já tem.
Nosso problema a ser resolvido não é a ausência de um objeto que devemos adquirir. É uma ignorância de que já somos aquilo que buscamos. Desta forma, a solução para esta gnorância é o conhecimento sobre este fato. Precisamos nos dar conta, perceber isso disso.
O resultado do conhecimento da plenitude
Este conhecimento que buscamos para acabar com nossa ignorância é uma iluminação, um reconhecimento de um fato. Assim como a luz simplesmente torna evidente objetos que antes estava no escuro, mas não os cria, precisamos apenas perceber algo que já temos. Não preciso colocar a mão na cabeça para encontrar os óculos que ali coloquei, mas só saber que estão ali. Este é um momento de iluminação, de libertação. É chamado, em sânscrito, de alambuddhi, uma percepção (buddhi) de suficiência (alam). Isto não quer dizer que não faremos mais nada no mundo, mas não faremos mais nada para ficarmos bem conosco mesmos. Faremos tudo por que queremos ou achamos adequeado. Não precisaremos continuar repetindo experiências. A única maneira de chegarmos neste ilimitado é entendermos nós mesmos, mas não a nossa pessoa. Não que não seja útil aprendermos sobre nossa personalidade, mas só resolveremos quando descobrirmos este nosso lado ilimitado.
Vedanta com um meio de conhecimento da plenitude
A intenção deste conhecimento não é produzir nada, mas nos ajudar a compreender algo que já somos, a estarmos bem conosco mesmos. O objeto de estudo não é distante, mas está aqui conosco o tempo todo. Não será preciso produzir nada novo em você, apesar deste conhecimento talvez gerar mudanças na sua vida prática. você não terá que ir a nenhum lugar, nem precisará meditar para encontrar este ilimitado. E para essa compreensão, buscamos jogar luz para nós mesmos, através do escutar, refletir e meditar sobre as palavras ditas sobre o ilimitado, mais e mais vezes. A meditação, neste estudo, é concomitante às aulas. Algumas meditações formais (sentar, fechar os olhos etc.) são ensinadas não para produzir um estado de experiência, mas para assentar o ensinamento e para aprendermos a lidar com nossa mente.
Exemplo: Uma pessoa que cresceu até a vida adulta sem conhecer os pais e só os conhece depois, precisa de um tempo para assentar esta nova realidade trazido por um conhecimento novo.
A cada vez, procura-se olhar para nós com um diferente ângulo. Não se busca compreender só nossa maneira de pensar ou sentir, nossa personalidade, mas uma parte mais profunda e essencial de nós mesmos, aquilo que sempre existe, é sempre sujeito e nunca objeto, e está em todo lugar.

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