O HOMEM DOMADO - O HORIZONTE FEMININO - POR ESTHER VILAR




































Podem os homens fazer seja o que for para impressionar as mulheres: no mundo delas, eles não valem nada. No mundo das mulheres só contam as outras mulheres. É óbvio que uma mulher sente-se feliz quando repara que um homem se volta na rua para ver. Se este homem estiver bem vestido ou se guiar um carro esportivo bem caro, a alegria é muito maior. É talvez comparável àquela sensação experimentada por um acionista, quando lê um boletim de cotações da bolsa em alta. Não tem importância para a mulher que o homem seja ou não bem parecido, simpático ou antipático, inteligente ou não. Para o acionista também é indiferente a cor das suas ações. Mas se, por outro lado, a mulher repara que outra se volta para a ver – o que sucede apenas em casos extremos, pois os padrões com que as mulheres se medem são muito mais duros que os dos homens – então, atinge o cúmulo da sua felicidade. Ela vive para isso: para o reconhecimento, para a admiração, para o “amor” das outras mulheres. No mundo das mulheres existem apenas as outras mulheres. As mulheres com quem se encontram quando vão a igreja, à reunião de pais e ao supermercado. As mulheres com quem conversam no elevador, à porta, nos jardins. As mulheres por quem passam, aparentemente sem lhes ligar nenhuma importância, quando andam nas compras percorrendo as elegantes artérias comerciais ou, à noite, nas festas. Medem-se com o que existe nas suas cabeças, não nas dos homens; e para um simples elogio da boca de outra mulher prescindem de bom grado de todas as cortesias desajeitadas dos seus amantes que não podem deixar nunca de ser superficiais.

Pois os homens não fazem a mínima ideia do mundo em que as mulheres realmente  vivem, e nos seus hinos de louvor não se dão conta de todos os pontos de vista que são,  de fato, importantes.

Então, as mulheres não querem agradar em nada aos homens? É preciso não esquecer que os homens são a sua base material.

Mas as necessidades dos homens poderiam ser satisfeitas com muito menos despesas, já que estes, no que respeita às mulheres, as consideram praticamente apenas às mulheres, as consideram praticamente apenas símbolos de sexo e reagem perante a pintura delas com certa estranheza. Bastariam, por exemplo, cabelos compridos, lábios pintados, camisolas apertadas, saias curtas, meias transparentes, saltos altos. Mas essas obras vivas de arte feminina que se encontram nas elegantes artérias comerciais de Paris, Roma ou Nova York estão muito para além dos desejos e da compreensão dos homens. Colocar uma boa sombra nas pálpebras e esbatê-la como mandaram as regras exige uma cultura elevada, a escolha de determinado batom, a técnica de o aplicar da melhor maneira, com pincel ou diretamente, em camadas ou não; equilibrar como deve ser as vantagens e inconvenientes das pestanas postiças, e por fim, harmonizar tudo entre si com o vestido, a estola, o casaco, a iluminação, exigem uma formação especializada. O homem não tem interesse nenhum por isso, não se especializou em nada relacionado com mascaradas femininas, e, assim, é-lhe radicalmente impossível apreciar adequadamente obras de arte ambulantes dessa natureza. Porque para tal é necessário tempo, dinheiro e uma limitação espiritual infinita – condições que encontram exclusivamente nas mulheres.

Por outras palavras: uma mulher só quererá impressionar um homem ao ponto de  ele ficar junto dela e de a alimentar – no sentido mais amplo, entenda-se. Tudo o que ela investe em si, para, além disso, visa as outras mulheres. Para além da sua função de sustentador, a mulher não liga qualquer importância ao homem.

Quando uma empresa anda em busca de um elemento de trabalho de elevada categoria, procurará atraí-lo, tanto tempo quanto for necessário, com as mais aliciantes promessas, até essa pessoa ceder. A empresa sabe que, assinando o contrato, verá as suas diligências bem recompensadas.

Tem sempre a faca e o queijo na mão. Com as mulheres passa-se o mesmo: deixam aos seus maridos a liberdade suficiente para que eles, mesmo assim, prefiram a sua companhia à rescisão do contrato. Em geral, pode-se comparar muito bem uma mulher com uma firma. Assim como a firma é um sistema neutral, para a obtenção do maior lucro possível, assim a mulher está ligada ao homem que para ela trabalha, sem amor pessoal, sem malícia e sem ódio. Se ele a abandona, é evidente que se enche de medo, pois a sua existência econômica está em jogo. Mas trata-se aqui de um medo racional, tem origens racionais e admite com a compensação exclusivamente racional – sem se abrirem precipícios. Por exemplo, a de ela poder fazer um novo contrato com outro homem. Esse medo não tem, por conseguinte, nada de comum com os seus sentimentos de um homem que, perante a mesma situação, se consome em ciúme, complexo de inferioridade ou compaixão por si próprio.

Como um homem só abandona uma mulher por causa de outra mulher e nunca para ser livre, não existe para a mulher qualquer motivo para o invejar ou sequer de situação. A aventura existencial que o seu marido vai viver em virtude de um novo amor para com outra mulher, observa-a ela da perspectiva de um pequeno empresário que perde o seu melhor empregado em favor de um concorrente e tem que se dar ao trabalho de arranjar um substituto útil. Desgosto de amor é para uma mulher, na melhor das hipóteses, a sensação de se esfumar um bom negócio.

Por isso, é igualmente absurdo que um homem considere a sua mulher fiel só por ela não o enganar com outros homens que, aos seus olhos, são mais atraentes quer ele próprio. Porque havia ela de o fazer enquanto ele próprio. Porque havia ela de o fazer enquanto ele trabalha bem para si e lhe proporciona aquela felicidade que realmente lhe interessa?

Nada têm de comum, fundamentalmente, a fidelidade de um homem com a de uma mulher: as mulheres são, ao contrário dos homens, insensíveis ao aspecto exterior do seu companheiro. Se uma mulher paquera o melhor amigo do seu marido, pois apenas os sentimentos dessa outra mulher são importantes para ela (se lhe interessante o homem não o mostraria tão abertamente). As novas práticas sexuais em grupo não passam de uma variante da paquera, já ultrapassada em certos setores da sociedade. Também aqui só interessam à mulher as outras mulheres e não os homens. A história está cheia de anedotas de reis e príncipes que se divertiam simultaneamente com várias amantes. É raro aparecem historiazinhas picantes e iguais a respeito de potentados femininos. Uma mulher aborrecer-se-ia mortalmente praticando sexo em grupo só com homens. Isso foi e sempre será assim.

Se as mulheres reagissem ao aspecto exterior dos homens, já há muito tempo que a publicidade teria tirado proveito disso. Como as mulheres – graças ao dinheiro que os homens para elas ganharem – dispõem de um poder de compra de longe superior ao dos homens (existem a esse respeito estatísticas concludentes), os fabricantes procurariam obviamente estimular a venda dos seus produtos por meio de fotografias e “slogans” publicitários de homens bonitos e fortes com os caracteres sexuais secundários bem evidenciados. Mas verifica-se precisamente o contrário: para onde quer que se olhe, as agências de publicidade apresentam lidas jovens cuja missão é tornar tentadora a compra de excursões, automóveis, detergente em pó, aparelhos de televisão ou mobílias de quarto.

Os produtores de filmes só agora começam a descobrir que podem apresentar às mulheres, em vez dos costumados galãs, amantes feios como, por exemplo, Belmondo, Walther Matthau ou Dustin Hoffman com o mesmo resultado.

Os homens que sob o ponto de vista físico têm um conceito de valor sobre si próprios muito baixo e que só raramente se consideram “belos” – belos, são, a seus olhos, apenas as mulheres – podem identificar-se melhor com atores feios. Desde que os papeis femininos importantes continuem a ser desempenhados por estrelas belas, as mulheres consumirão esses filmes com tanto agrado como aqueles em que aparece Rock Hudson,  pois só lhes interessam verdadeiramente as mulheres que neles atuam.

Esta circunstância só não chegou antes ao conhecimento do homem porque ele assiste constantemente à difamação das mulheres umas pelas outras. Se ouve a todo o momento a sua mulher criticar o nariz torto, o peito liso, as pernas em “X” ou as ancas largas de qualquer outra, concluirá logicamente que as mulheres não se podem suportar umas às outras, ou que acham as outras totalmente destituídas de graça. Isso é, contudo, uma interpretação errada: um empresário que louvasse constantemente uma firma concorrente perante seus empregados, seria considerado louco. Certamente, dentro de pouco tempo, os empregados o abandonariam. Os políticos têm que representar a mesma espécie de comédia e caluniar-se mutuamente em público. No entanto, Nixon preferiria ser desterrado para uma ilha deserta com Fidel Castro ou Kosygin do que com o homem da rua que elogia e do qual recebeu o seu mandato. Nada o liga ao homem na rua.

Se as mulheres tivessem o suficiente, sob o ponto de vista material, de certo prefeririam juntar-se umas às outras do que aos homens. De forma alguma por serem todas lésbias, – repara -se. O que os homens chamam de disposição lésbica das mulheres tem, provavelmente, pouco a ver com o instinto sexual delas. Não – os dois sexos não têm nenhum interesses comuns. Portanto, que outra coisa senão o dinheiro manteria as mulheres junto dos homens?

Elas próprias teriam entre si muito de comum, pois o intelecto feminino e a vida emocional feminina estacionaram a um nível primitivo, ou seja, geral, e não existem, praticamente, mulheres com inclinações individualistas ou aberrantes. Podermos imaginar facilmente que vida animada elas levariam, umas com as outras, – uma vida paradisíaca talvez, se bem a um nível horrivelmente baixo. Mas quem se incomoda com isso?

* Esther Vilar. In O Homem Domado. Rio: Nórdica, 1972, 160 pp. Cap IV p. 27-33





Sobre a autora:

Esther Margareta Katzen, mais conhecida como Esther Vilar (16 de Setembro de 1935 — Buenos Aires, Argentina) é uma escritora argentino-alemã. É mais conhecida pelo seu livro de 1971, O Homem Domado, e suas continuações, que argumentam, ao contrário da retórica feminista e dos direitos femininos, que as mulheres em culturas industrializadas não são oprimidas, e que ao invés disso exploram um sistema bem estabelecido de manipulação dos homens.

Os pais de Esther eram judeus imigrantes da Alemanha. Ambos se separaram quando ela tinha 3 anos.
Ao terminar os estudos de medicina na Universidade de Buenos Aires, obteve uma bolsa e foi para a Alemanha Ocidental em 1960, tendo se especializado em psicologia e sociologia, e trabalhado como assistente-médica num hospital alemão por um ano. Antes de se estabelecer como autora, também exerceu as profissões de tradutora, vendedora, operária em uma fábrica de termômetros, modelo de calçados e secretária.
Esther se casou em 1961 com o autor alemão Klaus Wagn por dois anos e teve um filho chamado Martin, em 1964. Posteriormente o casamento terminou em divórcio, porém ela alegou: "Eu não terminei com o homem, apenas com o casamento como instituição".

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