JUNG , A METÁFORA ALQUÍMICA E A PSICOTERAPIA ANALÍTICA


Coagulatio et Sublimatio


[Dragão+Alquímico.JPG]
Dragão Alquímico




INTRODUÇÃO


"A alquimia representa a projeção em laboratório
de um drama ao mesmo tempo cósmico e psicológico."
C.G.Jung¹

Hoje, às vésperas do terceiro milênio, vemos despertar uma série de movimentos "religiosos" que possuem entre suas características a volta à natureza, o esoterismo, a busca do transcendente, etc. o que em outras palavras significa uma volta ao ser.
Dentro destes movimentos podemos perceber elementos ligados à alquimia os quais adquirem hoje atualidade e importância para a compreensão dos fenômenos naturais e individuais.
Neste sentido podemos perceber a visão profunda, aberta e profética de C.G.Jung ao aplicar ao processo de individuação, isto é, à busca da perfeita realização da pessoa humana, a metáfora alquímica de modo a iluminar o processo de integração psíquica, tantas vezes reduzido à técnicas dentro de uma visão empírica e cientificista, com a sabedoria milenar dos alquimistas.
Sua intuição tem produzido frutos e continua a ser desenvolvida no âmbito da psicologia analítica não só aplicada ao processo de individuação de cada pessoa, mas do próprio mundo. Neste sentido, a psicologia analítica com a metáfora alquímica tem hoje a palavra que o mundo anseia em todas as suas buscas do Ser.
Veremos neste trabalho em que consiste e como é que esta sabedoria alquímica milenar chegou até nós passando antes pelas mãos de Jung.



1 – A METÁFORA ALQUÍMICA ANTECEDENTE


A metáfora alquímica junguiana é o resultado de um processo metafórico antecedente e que constitui o processo alquímico em si mesmo conforme a sua realização num momento particular da história.A alquimia, tradição antiquíssima de origem incerta, consiste em uma série de ensinamentos práticos e teóricos voltados à transformação e ao aperfeiçoamento da matéria que se expressaria na transmutação de metais vis em ouro e na preparação do elixir da vida.
Sua origem, particularmente no caso da alquimia européia, parece proceder do Egito onde era associada ao culto do deus Thoth, que se tornou Hermes na Grécia antiga e Mercúrio, em Roma.
Nasce como uma ciência natural que busca a compreensão da própria natureza a partir de uma especulação filosófica, como se pode ver já na filosofia pré-socrática no século VI a C. É dela que nasce o conceito de prima matéria a partir da crença de que o mundo tinha origem em uma única substância que era subdividida nos quatro elementos terra, ar, fogo e água, os quais, segundo diferentes recomposições faziam surgir todos os objetos físicos existentes no universo. Esta idéia, a prima matéria, teve sua evolução chegando com Aristóteles a ser considerada como pura potencialidade, que em seguida adquire forma, quando é atualizada na realidade.

Assim:
"A alquimia é uma ciência natural que representa uma tentativa de entendimento de fenômenos materiais de natureza; é um misto da física e da química desses tempos remotos e corresponde à atitude mental consciente daqueles que a estudaram e se concentraram no mistério da natureza, em especial dos fenômenos materiais. Também é o princípio de uma ciência empírica"².
Este empirismo era como vimos nesta citação acompanhado por uma visão de mundo, por uma filosofia chamada "Hermética", nome derivado de Hermes (Mercúrio) que era o principal símbolo da substância que é transformada durante o processo alquímico.
Sua história, porém, é bastante complexa dada a extensão temporal, chegando até nossos dias e territorial, já que se espalhou por várias partes do mundo³. O que se sabe é que esteve em evidência nos séculos XVI – XVII, quando atingiu o seu desenvolvimento completo, graças, em grande parte ao trabalho de Paracelso(1493-1541) e seus alunos.
O século XVIII marca o desaparecimento da alquimia já que o seu "método de explicação: "obscurum per obscurius, ignotum per ignotius"- o obscuro pelo mais obscuro e o desconhecido pelo mais desconhecido, era incompatível com o espírito do iluminismo e particularmente com o alvorecer da ciência química, no final do século"(4).
Apesar de todas as diferenças encontradas nas instruções dos alquimistas, pode-se notar, contudo, uma concordância na maioria no que se refere aos pontos principais, isto é, os quatro estágios do processo alquímico, marcados pelas cores originárias já presentes em Heráclito: melanosis ( enegrecimento), leukosis(embranquecimento), xanthosis(amarelecimento) e iosis(enrubescismento) ou respectivamente nigredo, albedo, (...), rubedo(5).
A descrição destes processos aos quais é submetida a prima materia em vias de transformação não deixa de ser uma metáfora já que o alquimista não podia controlar o processo e nem mesmo prever o resultado final. É esta a metáfora alquímica que antecede a metáfora alquímica em Jung.



2 – A METÁFORA ALQUÍMICA EM C.G.JUNG


2.1 – O CONTATO
Pode se notar na vida de Jung que a alquimia ocupou um lugar de destaque seja pelo número quanto pela importância dos escritos que ele dedicou a este tema.
Além da busca do significado de alguns sonhos que levou Jung à constatação de ser "condenado a estudar a alquimia desde o princípio", o seu contato com a alquimia se dá através da leitura do Segredo da flor de ouro, texto esotérico taoísta chinês, pouco conhecido naquela época e traduzido parra o alemão por Richard Wilhelm, que o enviou em 1928 para que Jung fizesse uma apreciação(6). A partir deste momento Jung irá estudar a alquimia, estudo este que irá se estender por quase quinze anos antes que ele publicasse algo a respeito do tema(7).
É preciso considerar, no entanto, que Jung já possuía conhecimento alquímicos como pode ser demonstrado por seus escritos anteriores como Energética psíquica em 1928 quando cita a obra de Herbert Silberer, Probleme der Mystik un iher Symbolik de 1914. Há ainda uma indicação da Sabina Spilrein segundo a qual por volta de 1912, época da primeira redação de Transformação e símbolo da libido em 1912, Jung teve contato com a figura de Zozimo que irá desempenhar importante papel na interpretação junguiana da alquimia(8).
Por fim, cabe dizer que a biblioteca alquímica de Jung, suas fichas de trabalho, juntamente com as amplas bibliografias que completam suas obras Psicologia e Alquimia de 1944, Mysterium coniunctionis de19955-56, Aion de 1951 e o volume que recolhe os Estudos sobre Alquimia de 1943 mostram a vastidão da documentação sobre a qual se baseia a sua pesquisa. Daí a presença deste tema não só nestas obras citadas e que seriam as principais e que formam os volumes XII, XIII e XIV das Obras completas, mas também em outros escritos e citações espalhadas pelos outros volumes, bem como escritos fora deste âmbito(9).



2.2 – O SIGNIFICADO METAFÓRICO


O significado metafórico da alquimia para Jung poderia ser visto nesta suas palavras:
"O problema central da psicologia é a integração dos opostos. Isto é encontrado em todo lugar e todos os níveis. Em Psicologia e Alquimia (Obras 12) ocupei-me da integração de Satanás.[...] Isto se realiza por meio de um processo simbólico muito complicado que coincide a grosso modo com o processo psicológico da individuação. Em alquimia este processo se chama conjunção de dois princípios.[...] As operações alquímicas eram reais, somente que a sua realidade não era física, mas sim psicológica. A alquimia representa a projeção em laboratório de uma drama ao mesmo tempo cósmico e psicológico.[...]
Na linguagem dos alquimistas a matéria sofre até que a nigredo desapareça; então a cauda do pavão ( cauda pavonis) anunciará a aurora e surgirá um novo dia, a leúkosis ou albedo. Mas neste estado de brancura não existe verdadeira vida, é um estado abstrato, ideal. Para infundir-lhe vida é preciso infundir-lhe "o sangue", a rubedo, o vermelho da vida. Somente a experiência de todos os estágios do ser pode transformar o estado ideal da albedo em uma forma de existência plenamente humana. Somente o sangue pode vivificar o estado de consciência mais alto, no qual é dissolvida o último traço de negrume, no qual o demônio não tem mais existência autônoma mas é integrado reconstituindo a profunda unidade da psique. Então a opus magnum está completa: a alma humana está completamente integrada"(10).

É a partir do processo de individuação(11) que é possível compreender a presença difusa dos recursos ao simbolismo alquímico nos escritos de Jung a partir dos anos trinta. É preciso dizer que o uso das imagens dos alquimistas ( entendidas também muitas vezes em sentido próprio, ou seja como figura) e entre estas, algumas preferidas: a água, as centelhas, o redondo, o lápis, a árvore não acontece na ótica de explicações reducionistas, mas no contexto de amplificaçao nas quais entre os materiais oníricos e os produtos da imaginação ativa e as imagens dos alquimistas se estabelece uma circularidade ou reverberação de significados. Jung faz uma leitura que adentra na história mas não é uma leitura propriamente histórica do fenômeno alquímico. O "mistério" da alquimia na compreensão de Jung consiste na afirmação clara do caráter simbólico da coniunctio alquímica na qual propriamente reside a possibilidade de utilizá-la como termo de confronto real ( realidade objetiva, externa) e como instrumento de compreensão e de comunicação para as manifestações do inconsciente coletivo na psique individual.
Jung, a partir de seu trabalho de comparação, foi o primeiro a mostrar que o simbolismo alquímico conserva ainda hoje um significado vital, e que a verdade dos antigos alquimistas lançam luzes sobre fatos e processos descobertos no âmbito de uma psicologia marcadamente empírica(12).
É assim que todos os estágios psíquicos ligados ao processo de individuação podem ser vistos metaforicamente a partir dos estágios alquímicos, a começar pelo próprio processo de análise visto como um todo:

"O encontro de duas personalidades é semelhante à mistura de duas diferentes substâncias químicas: uma ligação pode a ambas transformar."(13)
"O alquimista ilustra não somente em seus traços gerais, mas muitas vezes em detalhes desconcertantes aquela mesma fenomenologia psiquíca que o terapeuta pode observar durante o confronto com o inconsciente."(14)
Podemos citar ainda outras formas de abordagem do inconsciente como os sonhos que Jung cita e explica em Psicologia e Alquimia a partir do seu simbolismo alquímico e individual.(15)
Podemos citar ainda o uso e o significado as mandalas, chamadas pelos alquimistas como quadratura circuli , por ser um quadrado no círculo e um círculo no quadrado.(16)
No que se refere à aplicação do simbolismo ou metáfora alquímica por Jung aos estágios do processo de individuação poder-se-ia fazer um logo elenco mas consideramos suficiente o acima exposto como exemplo desta metáfora.



3 – A METÁFORA ALQUÍMICA CONSEQUENTE


Após Jung, outros estudiosos se serviram desta metáfora para estudar, descrever, explicar, desenvolver os estágios do processo de individuação.
Entre eles podemos citar inicialmente Marie-Louise von Franz, colaboradora de Jung e estudiosa da alquimia. Dentre suas inúmeras obras em que o tema aparece cabe citar como principal Alquimia. Introdução ao Simbolismo e à Psicologia de 1980 na qual se ressalta o estudo da obra alquímica Aurora Consurgens que constitui segundo os estudiosos, uma contribuição de primeira ordem às pesquisas históricas sobre a alquimia. Marie Louise von Franz diz que o trabalho dos alquimistas pode ser considerado um paralelo da imaginação ativa(17), mas a atenção à alquimia não se reduz no âmbito terapêutico. Ela conduz à indagar sobre a relação entre inconsciente e a realidade material. Na realidade o problema psique-matéria ainda não foi resolvido. O enigma de fundo da alquimia não foi ainda revelado.
Dando continuidade a estas questões temos a obra de Aniela Jaffé – The Influence of Alchemy on the Work of C.G. Jung,(18) que aborda o paradoxo do Mercúrio alquímico e a relação psique-corpo. Este tema foi também estudado por Edward Whitmont quando se refere à homeopatia.(19)
O uso do simbolismo alquímico como instrumento de compreensão das produções do inconsciente ( sonhos, imaginação ativa, etc.) e auxiliando no entendimento do processo de individuação pode ser vista ainda em outros autores, sendo destaque entre eles Edward F. Edinger com sua obra Anatomia da Psique. O simbolismo alquímico na Psicoterapia de 1978 na qual aparece de forma sistemática em relação com as passagens da psicoterapia os estágios alquímicos como calcinatio, solutio, coagulatio, etc. que definem os símbolos centrais da transformação.
Há ainda outra aplicação da alquimia como é o caso de David Holt que faz uma leitura a partir da relação homem-natureza dentro do grande tema da redenção da matéria.(20)
Merece destaque ainda a obra de Robert Grinnel, Alchemy in a Modern Woman(21) onde se trata do tema do inconsciente psicóide entendido como enraizamento profundo das manifestações psíquicas na realidade fisiológica. Seus estudos são classificados pelos estudiosos como ensaios de fenomenologia alquímica e de alguma maneira completam o caminho realizado por Jung em suas obras.
Por fim, dada sua diversidade é preciso citar James Hillman que partindo da metáfora alquímica junguiana vai além do seu uso como instrumento de terapia individual para chegar a uma terapia da cultura como se pode ver em o Mito da análise e nos dois ensaios dedicados aos símbolos alquímicos da albedo onde se fala da importância dos símbolos alquímicos para a superação da atitude unilateral na tradição ocidental.
"Se Jung propõe uma psicologia da alquimia, eu estou buscando uma psicologização alquímica" para expressar assim que não se trata somente de uma aplicação do simbolismo alquímico mas de uma psicologia alquímica(22). Vemos uma explicação do papel da alquimia em sua nova visão da psicologia em Revisão da Psicologia onde ela aparece como a base para patologização.(23)



CONCLUSÃO


Seriam muitos os outros exemplos e obras que, dentro da atualidade da psicologia analítica usam a metáfora alquímica,(24) no entanto, permanece o mistério da opus magnum até que se tenha alcançado o lápis, a pedra filosofal, a individuação.
Notas
¹C.G.Jung em entrevista com Mircea Eliade em agosto de 1952 in McGUIRE e HULL, 1995,194
²Franz, 1998, 15
³Encontramos elementos históricos na obra de C.G.Jung, Psicologia e Alquimia, Obras Completas 12, 1944/91 e ainda outros detalhes na obra de Marie-Louise von Franz – Alquimia. Introdução ao Simbolismo e à Psicologia, 1998 na qual a autora em meio às explicações de ordem simbólica e psicológica expõe alguns dados históricos relativos à alquimia grega, à alquimia arábica e à importante obra alquímica Aurora Consurgens.
(4)C.G.Jung, 1944/91,§ 332
(5)C.G.Jung 1944/91, § 333-334. O amarelo não aparece na Segunda enumeração dos processos porque foi posteriormente omitido, isto por volta do século XV ou XVI, ainda que alquimia tenha continuado a tratar dos quatro elementos e de quatro qualidades ( quente, frio, seco, úmido)
(6)Sua apreciação aparecerá em 1929 como Comentário ao Segredo da Flor de Ouro presente no volume XIII das Obras Completas – Estudos sobre alquimia (não traduzido para o português).
(7)C.G.Jung em entrevista com Mircea Eliade em agosto de 1952 in McGuire e Hull, 1995,294
(8)Pereira, 1992,417-118. Faz uma citação da obra de Sabina Spielrein Ueber den psychologischen Inhalt eines Falles von Schizophrenie de 1911 na qual ela confronta algumas imagens oníricas com aspectos da visão de Zozimo, cujo conhecimento, diz ela, recebera de Jung.
(9)Cita-se um prefácio para um catálogo de alquimia de Ziegler em 1946, o verberte Alquimia e psicologia para a Enciclopedia Hebraica em 1948.
(10)C.G.Jung em entrevista com Mircea Eliade em agosto de 1952 im Mcguire - Hull,
(11)Veja a obra de Jolande Jacobi – La psicologia de C.G.Jung onde a alquimia aparece dentro do capítulo dedicado ao processo de individuação, pag.173-178
(12)Tudo isto pode ser percebido no volume Psicologia e Alquimia, particularmente sua primeira parte.
(13)C.G.Jung em Os problemas da Psicoterapia moderna
(14)C.G.Jung em psicologia da transferência, Obras completas 16,358
(15)Trata-se de uma série de 59 sonhos escolhidos a partir de um trabalho sobre 400 sonhos na sua maioria de Wolfgang Pauli e recolhidos por uma mulher que era colega de Jung
(16)C.G.Jung na 3ª entrevista filmada com Richard I.Evans em agosto de 1957 in McGuire e Hull, 1995,409
(17)Este é o título de outra de suas obras sobre alquimia
(18) Publicada em VV.AA. – Alchemy and the Occult, A catalogue of books and manuscripts from the collection of Paul and Mary Mellon Given to the Yale University Library, New Haven, Yale University Press, 1969/77
(19)Omeopatia e psicoanalisi, Como, Red, 1987
(20)Entre outras Jung and Marx: Alchemy, Christianity and the Work Against Nature, in Harvest, 21, 1975
(21)Publicado em 1973, Dallas, Spring
(22)Conferir o ensaio Sale: un capitolo della psicologia alchemica in Stroud – Thomas, 1987, 132-164
(23)Hillman, 1983, 166-168
(24)Por exemplo Aldo Carotenuto usa abundantemente este simbolismo no seu livro La chiamata del Daimon. Gli orizzonte della veritá e dellámore in Kafka, Milano, Bompianu,1989. O mesmo com James A Hall em Messaggi dalla Tenebra. La’interpretazione junghiana dei sogni, Como, Edizioni Red, 1986 e por fim Nathan Schwartz – Salant em Borderline: Visione e Terapia. Un approccio junghiano al paziente borderline.Milano, La biblioteca do Vivarium, 1997

BIBLIOGRAFIA
CAROTENUTO, A – La nostalgia della memoria. Il paziente e l’analista, Milano, Bompiani, 1993
EDINGER, E.F. – Anatomia da Psique. O simbolismo Alquímico na Psicoterapia, São Paulo, Editora Cultrix, 1995
FRNZ, M.-L. –Alquimia. Introdução ao Simbolismo e à Psicologia. São Paulo, Editora Cultrix, 1998
HILLMAN, J. –Re-visione della psicologia, Collana Saggi nuova serie 10, Milano, Adelphi Edizione, 1983
JACOBI, J. – La psicologia e Alquimia, Obras completas 12, Petrópolis, Vozes, 1991
MCGUIRRE, W.-HULL, R.F.C.(ed) – Jung Parla. Interviste e Incontri, Milano, Adelphi Edizioni, 1995
PEREIRA, M. – L’alchimia e la psicologia di Jung in Corotenuto, A (de) – Tratatto di Psicologia Analítica. Volume primo. La dimensione culturale, Torino, UTET, 1992, pag.415-445
STEVENS, A –Jung. Sua vida e pensamento. Uma introdução, Petrópolis, Vozes, 1993
STROUD, J. – THOMAS, G. (ed) – L’intatta. Archetipi e psicologia della verginitá femminile. Collana Immagini del Profondo 12, Como, Edizioni Red, 1987




Fonte do Artigo:Vitor P.Calixto dos Santos
http://www.symbolon.com.br/






REFLEXÕES SOBRE A ALQUIMIA E A PSICOLOGIA ANALÍTICA


Jung pensava que a alquimia, verificada à luz do simbólico e não do cientifico, poderia ser considerada como um dos precursores do moderno estudo do INCONSCIENTE e, em particular, do interesse analítico na TRANSFORMAÇÃO da personalidade. Os alquimistas projetavam seus processos internos naquilo que estavam fazendo, e, à medida que levavam a cabo suas várias operações, passavam por experiências profundas e apaixonadas lado a lado com outras, espirituais. Fundamentalmente, não procuravam separar experiência de atividade e, também, dessa forma, se ligam à atitude psicológica contemporânea, ao menos se interpretados retrospectivamente. Como a PSICOLOGIA ANALÍTICA e a PSICANÁLISE no seu tempo, a alquimia pode ser julgada uma força subversiva e subterrânea: suas vívidas e terrenas imagens contrastando com a expressão estilizada e assexuada do cristianismo medieval, de forma idêntica a como a Psicanálise chocava o puritarismo e a arrogância vitorianas.
Tanto quanto se pode fazer uma reconstituição, os alquimistas dos séculos XV e XVI tinham dois objetivos inter-relacionados: (a) alterar ou transformar materiais básicos em alguma coisa mais valiosa – variadamente referida como ouro ou um elixir universal ou a pedra filosofal; (b) transformar uma matéria básica em ESPÍRITO; em suma, libertar a ALMA. Inversamente, também se fez a tentativa de transformar ou traduzir o que estava na própria alma do alquimista em uma forma material – suas projeções inconscientes servindo a essa necessidade. Essas várias metas podem ser consideradas METÁFORAS para o crescimento e o desenvolvimento psicológicos.
O alquimista, cuidadosamente, deveria escolher elementos na base de um esquema organizado em termos de OPOSTOS. Isso porque a atração dos opostos acarretava sua eventual conjunção e, em última análise, a produção de uma nova substância, resultante das substâncias originais, porém delas diferente. A nova substância, após a combinação química e a regeneração se realizarem várias vezes e de modos diferentes, iria emergir como algo puro. É o fato de que uma tal substância não parece existir na natureza que levou Jung a entender que a alquimia devia ser abordada de um ponto de vista simbólico, mais que tomada como uma pseudociência até agora desacreditada (ver SÍMBOLO).
Essa última consideração torna-se particularmente relevante em conexão com a escrita alquímica. Lá, como em nossos SONHOS, podemos ver os vários elementos representados ou como pessoas ou como animais, e os chamados processos “químicos” (pois a alquimia também foi precursora da química moderna) representados nas imagens de relações sexuais ou outros eventos corporais. Por exemplo, a combinação de dois elementos pode ser representada por figuras masculinas e femininas que se engajam numa relação, produzem um bebê, se juntam como em um HERMAFRODITA, ou se tornam um ANDRÓGINO. O masculino e o feminino impressionavam o alquimista como, talvez, os opostos mais fundamentais (ou, antes, como a representação mais fundamental da existência de opostos psicológicos). Em virtude de o resultado da relação ser uma nova entidade derivada, mas também diferente, dos pais, podemos ver que os seres humanos e seu desenvolvimento estão sendo usados simbolicamente para se referir a processos intrapsíquicos e ao modo como uma personalidade individual se desenvolve.
Porém não se deveria pensar que o fator interpessoal é negligenciado. O alquimista (normalmente masculino) trabalhava em uma relação com uma outra pessoa (às vezes uma figura real, às vezes uma figura de fantasia), referida como sua sóror mystica ou irmã mística (ver ANIMA). O papel do “outro” na mudança psicológica é, por ora, bem conhecido – o “stade du miroir de Lacan (1949), a ênfase de Winnicott sobre a reflexão da mãe para o bebê de sua integridade de seu valor (1967) são apenas dois exemplos desse aspecto. Portanto, a alquimia elude a divisão interpessoal/intrapsíquica e é uma METÁFORA que elucida o modo como um relacionamento com uma outra pessoa promove um crescimento interno e também como os processos intrapsíquicos provêem as relações pessoais.
A alquimia torna-se uma metáfora pertinente quando consideramos o relacionamento entre ANALISTA E PACIENTE. A ênfase de Jung sobre o processo dialético e a questão da transformação mútua pode ser ilustrada a partir da alquimia (CW 16, “The Psychology of the Transference”). Na transferência, o analista está em relação com o paciente tanto como uma pessoa quanto como uma projeção de um conteúdo interior – genitor, problema, potencial. A tarefa da ANÁLISE é libertar a “alma” (isto é, o potencial) de sua prisão material (isto é, NEUROSE); aquilo que o psicoterapeuta moderno vê na psicologia humana de seu paciente, o alquimista via em forma química. “A personalidade é uma combinação específica de chumbo depressivo denso com enxofre agressivo inflamável, sal sábio amargo, mercúrio evasivo volátil” (Hillman, 1975, p. 186).
O núcleo conceitual da alquimia é a diferenciação entre a PSIQUE e a matéria. Saber até que ponto fatores psicológicos tais como SIGNIFICADO, propósito, emoção, podem ser considerados funcionando no mundo natural, físico, tem a ver com a análise de projeções e varia de acordo com o contexto (ver INCONSCIENTE PSICÓIDE; SINCRONICIDADE; UNUS MUNDUS). Para alguns, o interesse de Jung pela alquimia pode parecer questionável, até mesmo descabido, e sua vinculação de alquimia com um conceito chave clínico, tal como a transferência, pode parecer incompreensível. Não obstante, independentemente de dar a Jung certo grau de apoio emocional no sentido de que ele se percebia numa fraternidade com os alquimistas, a alquimia lhe possibilitava pesquisar o crescimento e mudança psicológicos, tratamento psicológico e a questão da ubiqüidade psicológica na natureza de um ponto de vista único, embora flexível, fora da medicina ou da RELIGIÃO.
Os escritos de Jung estão pontilhados de referências alquímicas e de um glossário resumido juntamente com sugestões quanto às implicações de determinados termos.
Adepto: O alquimista, sua participação consciente no trabalho, daí simbólico do ego e do analista.
Coniunctio: O acasalamento no vas (ver adiante) dos elementos díspares originalmente ali colocados. Quando a metáfora alquímica se aplica à analise, vários tipos diferentes de CONIUNCTIO podem ser observados. (a) A consciente aliança de trabalho que se desenvolve entre o analista e seu “oposto” analítico, o paciente; o desenvolvimento de um objetivo comum para a análise. (b) a coniunctio entre a CONSCIÊNCIA do paciente e seu inconsciente à medida que ele se torna mais autoconsciente. (c) O mesmo processo dentro do analista. (d) A integração crescente dentro do inconsciente do paciente de lutas e tendências lá encontráveis. (e) O mesmo processo dentro do analista. (f) A fusão gradativa daquilo que era totalmente sensual ou material com o que era totalmente espiritual, para produzir uma posição menos unilateral.
Fermentatio: Estágio no processo alquímico, uma fermentação dos elementos. Na análise, evolução da transferência-contratransferência.
Hierosgamos: Literalmente, “casamento sagrado”. Uma forma especial de coniunctio em que se coloca a ênfase tanto em “sagrado” como em “casamento”; daí, uma vinculação do espiritual com o corporal. No cristianismo agostiniano um hierosgamos, diz-se, existe entre Cristo e sua Igreja, consumado no leito nupcial da cruz.
Impregnatio: Estágio no processo alquímico, a alma é libertada de sua prisão corporal (material) e ascende ao céu. Na análise, mudanças no paciente, possivelmente emergência de um “novo homem”.
Lapis: Pedra filosofal, objetivo do alquimista. Às vezes, mesmo os alquimistas consideram a pedra uma metáfora para o objetivo. Daí, lapis fala de auto-realização e INDIVIDUAÇÃO.
Nigredo: Estágio no processo alquímico, um obscurecimento dos elementos sugerindo que algo de importância está prestes a se realizar. Na análise, pode assumir a forma de uma depressão logo antes do movimento ou do fim de um período inicial, de lua-de-mel. De modo geral, refere-se a um confronto com a SOMBRA.
Mercúrio: A capacidade do Deus assumir inúmeras formas e, contudo, permanecer ele próprio é precisamente o que se exige na mudança psicológica. Na análise, é descrito por Jung como “a terceira parte na aliança” e seu lado enfurecido e diabólico é equilibrado por suas propensões transformadoras (CW 16, parág. 384). Para os alquimistas, a importância de Mercúrio jazia no fato de que ele era, a um mesmo e só tempo, mau, vil, duvidoso e também divino, o deus da revelação e da INICIAÇÃO -  uma personificação da coniunctio (ver TRICKSTER).
Mortificatio: Estágio no processo alquímico, os elementos originais estão “mortos”, não existem em suas formas originais. Na análise, os sintomas podem adquirir um novo significado e o relacionamento analítico, uma nova importância
Opus: O processo e trabalho alquímicos. Também o trabalho da vida, isto é, INDIVIDUAÇÃO.
Prima materia (massa confusa): Os elementos originais em estado de caos.
Putrifactio: Estágio no processo alquímico, dos elementos em decadência exala-se um vapor que prenuncia a transformação.
Soror: Figura real ou simbólica com que o adepto se relaciona. Na análise, o paciente e o analista adotam esses papéis.
Transmutação de elementos: Idéia, básica para a alquimia, de que os elementos podem ser transformados e produzir um novo produto, ver ENERGIA.
Vas: Recipiente alquímico. Na análise, refere-se a aspectos continentes do relacionamento analítico.


Fonte:http://www.rubedo.psc.br/dicjung/verbetes/alquimia.htm



 



O PROCESSO ALQUÍMICO E A PSICOTERAPIA JUNGUIANA



A Alquimia, ao longo dos séculos, sempre assustou e confundiu as pessoas que tentavam compreendê-la. Mas esse era o propósito dos alquimistas. Eles queriam realizar seu trabalho sem correr o risco de serem queimados nas fogueiras da ‘Santa Inquisição’. Muitos alquimistas trabalhavam escondidos em porões e até usavam os subterrâneos das antigas catedrais; alguns eram padres, sacerdotes religiosos e cientistas famosos. Portanto, o encobrir e o iludir faziam parte da alquimia. Além disso, a obra alquímica mexe muito com a nossa alma e por isto nos atemoriza. Outra característica dos alquimistas é o uso das figuras (imagens), o que normalmente desestabiliza o Ego. Os termos alquímicos, desde os mais simples até aos mais complicados, não podiam ser catalogados em um dicionário, pois eram usados com sentidos diferentes, até por uma mesma pessoa. Como fazer, para que matéria inicialmente tão complexa, deixe de sê-la?

Podemos nos imaginar nos dias de hoje fazendo um churrasco dominical e tentando afastar aquelas figuras indesejáveis que perguntam a toda hora se o churrasco está pronto ou mexem na carne que você acabou de virar. A tia que não encontramos desde o Natal, quer saber o segredo do seu molho de alho, manteiga e pimenta do reino. O sobrinho capeta estica o olhar guloso e pergunta sobre o coração de galinha. Para não causar constrangimento nas indiscretas figuras que mais parecem sair de um conto de Nelson Rodrigues ou de Kafka, você responde: “Fui no mercado ‘Estadual dos Produtores Associados Independentes’ e comprei a ‘substância protéica bovina desnaturada’, com cortes ‘longitudinais transcendentes e oblíquos’”. Os chatos se afastam ou vão embora por alguns momentos achando que você é um grande cozinheiro e, você fica livre das desagradáveis companhias.

Na Alquimia aconteceu coisa parecida. Não acredito que os alquimistas estavam em busca de ouro nem do elixir da longa vida. Eram na sua maioria pessoas introvertidas em busca do seu caminho espiritual. Eles queriam ficar em paz sem sofrer perseguição por parte do ‘poder constituído’.

Vamos agora tentar simplificar bastante o ‘processo alquímico’ e tirar deles aquela aura de mistério. Vamos deixar o ‘pano preto’ para os tímidos ou os ignorantes. Ao mesmo tempo olharemos os processos básicos da alquimia com uma visão psicológica, para ver que o evoluir da alma é dolorido, mas no final vale a pena o sacrifício da jornada.

Eles diziam, que deveríamos pegar a ‘prima materia’ (matéria prima) e trabalhá-la de diversos modos até alcançar o ‘Lapis Philosoforum’ (pedra filosofal) e com essa pedra poderiam transformar metais em ouro ou preparar o elixir da longa vida a partir do sereno ou de outros líquidos da natureza. Vocês podem achar que a colocação está muito simples, mas é isso mesmo, ir de A até B; sendo que A é o ‘bruto’ e B o ‘elaborado’. O complicado e o difícil era o caminho de A até B, pois esse era próprio de cada indivíduo. O processo para ir da ‘matéria prima’ à ‘pedra filosofal’ era longo, trabalhoso e cheio de tortuosidades e muitas vezes, acidentado.
Um caminho muito parecido com a busca espiritual dos religiosos. Um caminho muito parecido com o da individuação de Jung. Um caminho muito parecido com o ‘conhece-te a ti mesmo’ dos gregos.

Se formos listar os materiais usados como matéria prima, vamos encontrar mais de 500 nomes e, alguns esdrúxulos com: esterco de vaca, leite de virgem, urina de criança, menstruação de prostituta, etc. A própria pedra filosofal possuía várias denominações conforme o alquimista que escrevia, o século em que viveu ou seu país de origem. Mas no fundo se tratava de transformar algo bruto em um material refinado, o que corresponde a nossa transformação psíquica. Como eu disse, a complicação maior estava nos processos usados para a transformação, agravada pelo uso de nomes em latim. Podemos citar alguns desses processos alquímicos: mortificatio (morte), sublimatio (passar do sólido para o gasoso – sublimação), coagulatio (coagulação), calcinatio (queima), solutio (dissolver com água), putrefatio (decomposição da carne), separatio (separação), coniunctio (união), tinctur (tintura ou união) e daí por diante.
Por outro lado, um grande número de alquimistas afirmava: “as vias usadas no processo são duas e as chamamos de seca e úmida”. A via seca era sempre mais rápida, realizada no Athanor (forno) aberto, com fogo direto, vivo e forte e numa espécie de panela que normalmente era chamada de ‘cadinho’. A via úmida era mais eficaz, porém mais lenta. Normalmente feita em um recipiente fechado que levava o nome de ‘retorta’ ou ‘pelicano’ e cozinhada em fogo brando por bastante tempo. O forno também era fechado e muito maior do que na via seca. Podemos perceber no caminho da via úmida uma equivalência com a nossa longa estrada espiritual e do auto-conhecimento.

A maioria dos escritores dividia a via úmida em quatro estágios e os associava a cores e suas vibrações. Como não podia deixar de ser, os nomes eram em latim: Nigredo (preto), Cauda Pavonis (cauda do pavão ou arco-íris), Albedo (branco) e Rubedo (vermelho). Esses quatro processos ou etapas, se observados de uma maneira global, lembram um pouco as quatro fases da psicoterapia que Jung descreveu: Confissão, Esclarecimento, Educação e Transformação. Antes de tentarmos ver um por um os processos acima citados, temos de ter em mente que esse processo é cíclico, qual uma ‘espiral ascendente’ e praticamente nunca termina; tanto na alquimia como no processo de individuação de Jung.
Ou seja, quando terminamos uma Rubedo voltamos à Nigredo; quando terminamos uma Transformação, voltamos a uma Confissão. É claro que esse retorno nunca é a um ponto inicial do processo e, sim, um pouco mais para dentro e um pouco mais para cima. Funciona como uma longa estrada para alcançar o topo de um morro. A estrada vai contornando o morro de maneira suave e imperceptível, e de repente percebemos que já ultrapassamos as primeiras nuvens. Além disso, nada nos impede, estando numa Albedo, de retornar para a Nigredo; assim com, da Educação, retornar ao Esclarecimento. O importante é sabermos que por mais lento que seja o caminho ele é sempre para diante!

A Nigredo, o negro, já nos sugere a morte, a sombra, o pesado, o denso, o sofrimento. Foi isso que nos disse Jung quando falou da confissão no consultório do psicólogo. Contamos nossa vida, nossos segredos, nossos aborrecimentos, nossos sonhos não alcançados e, na maioria das vezes choramos como um bebê que está com fome e quer mamar ou lhe tiraram o brinquedo predileto. Ou seja, morremos para uma vida que não valia a pena ou que simplesmente passou (valia a pena talvez naquela época, agora já não vale mais). Nessa ocasião ficamos parados, inativos, deprimidos, sem ânimo, introvertidos, quietos e sentimos que algo se ‘dissolve’ em nós. Por mais angustiante que seja o processo, o importante é seguir o que ele recomenda: ficar quieto e adiar tudo o que for possível.
Quando estamos jogando nossos ‘conflitos psicológicos’ nos problemas exteriores, ou seja, no mundo em que vivemos; eles se sobrepõem e se confundem, numa mistura homogênea. Podemos usar a metáfora do ‘copo com água e álcool’; você olha para aquela substância branca e não sabe quem é quem. Daí, as decisões nessa fase da vida possuírem uma chance muito grande de dar errado. Devemos identificar os problemas que são nossos e separá-los dos problemas do mundo. Continuando na metáfora do ‘copo’; é preciso colorir a água para poder separá-la com mais facilidade do álcool.

Depois disso é como se o preto que é a ausência de todas as cores transformasse no branco que é a presença de todas as cores. Só que é o branco decomposto em todas as cores por uma espécie de ‘cristal‘ e essa pedra cristalina é muitas vezes o nosso analista, outras vezes um padre, um sacerdote, um velho amigo ou até o travesseiro. É por isso que alguns alquimistas pulam a fase da ‘cauda pavonis’ e vão da Nigredo para a Albedo. Mas como Jung colocou muito bem, após a confissão de seus temores mais profundos, o paciente fica esvaziado e se fixa na figura do psicólogo; esse fenômeno levou o nome complicado de ‘Transferência’ (até a psicologia imita a alquimia em matéria de nomes complicados). Como o nome já sugere, transferimos para a figura do analista as figuras interiores que antes estávamos jogando no pai, na mãe, no irmão, no vizinho, na namorada, no marido etc. Essa transferência precisa ser ‘esclarecida’ e discutida com o paciente para que ele entenda o que está acontecendo em sua alma ainda conturbada, embora já bastante aliviada com o auxílio da confissão.
Muitos alquimistas representaram o desmembramento do branco com o desmembramento do corpo humano. Acontece na realidade o desmembramento de nossa psique; mas temos que manter essa dissociação da nossa psique sob o controle do Ego. É para isto que ele possui as características e a função de um ‘complexo gerenciador’. Um gerente de uma grande fábrica não olha diretamente o que cada operário faz, não consegue saber o nome de todos os seus 5.000 funcionários; mas, com uma rápida análise dos seus gráficos de produção ele sabe de tudo que acontece no seu negócio e pode se concentrar no que julga importante no momento.

Após esta etapa, naturalmente vem o branco, a Albedo, a brancura, o clareamento, o entendimento, o conhecimento, uma certa tranqüilidade. É como se todas as cores do arco-íris se fundissem e nos mostrassem a beleza do branco, da paz, do espiritual. Deve ser por isso que se diz que no fim do arco-íris está um pote de ouro. O problema é que nunca encontramos o fim do arco-íris, mas na maioria das vezes o caminhar é o verdadeiro tesouro. Nesse estado de brancura nos educamos e nos inteiramos que existe uma vida nova que pode ser seguida e quando olhamos para trás, o esforço já não parece tão grande.
Lembremos que educação é repetição, porque para assimilar alguma coisa precisamos repetir, precisamos tirar todos os véus dos preconceitos, precisamos entender que os problemas estão dentro de nós, precisamos ver que o outro está ali também na sua busca. Precisamos até entender que muitos buscam o mesmo Deus que nós buscamos, só que por caminhos diferentes, mas geralmente, também chegam lá. Corremos um risco de achar que o nosso gerente, o Ego, é o maior gerente do mundo, pois está tocando uma fábrica de grande porte. Cuidado com a estagnação, o equilíbrio é sempre dinâmico e só o conflito nos faz crescer e quando não crescemos, caímos. É mais ou menos como andar de bicicleta, quanto mais rápido mais equilíbrio, o movimento nos mantém em linha reta. Vocês poderiam dizer que algumas pessoas ficam em pé em um bicicleta parada. Mas o lugar deles é no circo e perdem o objetivo da locomoção, que é o objetivo da vida.

Quando estamos nesse processo de uma certa calmaria, as coisas vão entrando nos eixos. Mas é hora, por incrível que pareça, de colocar paixão, fogo, ardor, vermelho, Rubedo. Aí conseguimos transformação transformar é ser o que já era, sem precisar fazer força para isso. É quando não roubamos o vizinho; não com medo da prisão, mas porque acreditamos que isso não é o correto. É quando não batemos no inimigo; não com medo do revide, mas quando temos compaixão por outro ser humano. Na transformação conseguimos um movimento com um mínimo de atrito. É quando nos aproximamos dos pólos; lá o movimento como um todo é o mesmo, mas, o deslocamento menor. Temos mais consciência de fazermos parte de um mundo, percebemos que somos dependentes de tudo e ao mesmo tempo tudo é impermanente. Só nos resta a essência da alma, algo dentro de nós que não morre nunca. Estes processos nos levam a essência da vida por um caminho relativamente suave. Não deixem de buscá-la, senão a dor pode vir para nos lembrar de tudo isso. Quem já sentiu uma dor muito forte sabe que naquela hora não conseguimos pensar em mais nada, só em acabar com ela. Tentem lembrar de tudo que pensaram na hora da dor, tanto física quanto espiritual e estarão perto do que é a essência.



Podemos imaginar então que o processo está todo concluído… Vamos descansar. Ledo engano, a transformação ocorreu sim, mas em parte do nosso ser. Temos de voltar a Nigredo e a Confissão, temos de passar pelas cores até o branco e, de novo inflados com o esplendor da luz, vamos mais uma vez nos inflamar para chegar às brasas, ao rubro, a Rubedo. Esta é a roda da vida e não pára nunca, nela vamos girar sem parar por muito tempo. Mas posso garantir: quem fizer um primeiro ciclo vai aceitar todo os outros com galhardia, força e abnegação e principalmente com pequenos momentos de felicidade.



Autor do Texto:Paulo C. de Souza
Fonte:http://psiqueobjetiva.wordpress.com/2
 

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