DE CORAÇÃO PARA CORAÇÃO


A líder espiritual e humanitária Mata Amritanandamay, ou simplesmente Amma (Mãe, em sânscrito), chega ao Brasil para distribuir abraços ­ sua forma de transmitir o imenso sentimento amoroso que sente por todos os seres e ajudar a despertar nosso próprio amor incondicional, pois é no abraço que um coração vai de encontro ao outro coração.

Na fila, o jovem repórter inglês Louis Theroux esperava pacientemente o abraço de Amma, a pequena senhora indiana de pele escura e sorriso aberto que estava ali para receber em seus braços milhares de fiéis numa cidade do sul da Índia. Ele acabava de percorrer o território indiano, entrevistando gurus, sem manifestar a mínima emoção ou qualquer indício de uma experiência espiritual marcante e estava ali para registrar francamente suas impressões para uma série inglesa exibida pela TV a cabo, inclusive no Brasil. Mas a presença de Amma, o clima de devoção e fé, os mantras e os incensos e perfumes de flores pouco a pouco começaram a atuar sobre Louis. Sem mais nem menos, diversos episódios importantes de sua vida surgiram em sua mente e ele passou a sentir um turbilhão de emoções. E começou a chorar. Quando finalmente chegou a abraçá-la, disse que experimentou um sentimento jamais provado de amor e aceitação incondicional. Amma foi o único guru da Índia a tocar verdadeiramente seu coração.
Essa cena se repetiu com milhões de pessoas em todo o mundo. Várias delas sentiram a mesma coisa que o jornalista inglês. Outras não perceberam absolutamente nada. Mas durante os 45 segundos que dura o abraço, às vezes acompanhado de palavras de conforto e estímulo, muita gente garante que sente uma transformação. E por muito tempo o efeito desse abraço pode permanecer. “A sensação é indescritível e muito poderosa. O fluxo de meus pensamentos parou completamente”, garante o terapeuta Wilton Gaya, que hoje representa Amma em um pequeno grupo de adeptos em São Paulo. Em Araruama, no Rio, Amma tem um templo dedicado a ela e, no restante do Brasil, outros grupos se reúnem semanalmente para fazer o satsang ­ a partilha de ensinamentos, cantos e mantras.


MÃE DIVINA UNIVERSAL
Calcula-se que mais de 26 milhões de pessoas já tenham tido a experiência do abraço carinhoso de Amma. Numa sessão, ela pode dar mais de 18 mil abraços e permanecer até 40 horas assim. É nesse ato que ela oferece a bênção divina, ou darshan, como dizem os indianos. Embora sua espiritualidade se expresse por meio das figuras sagradas do hinduísmo ­ ela é considerada pelos seus adeptos como a encarnação da Mãe Divina Universal, na forma de Devi, esposa do deus Shiva ­, Amma insiste no respeito a todas as tradições. “Ela não quer conversões, mas sim que a pessoa encontre a fé dentro de sua própria religião”, garante Wilton. Essa intenção ecumênica é reconhecida: ela presidiu, em 1993, o Parlamento Mundial das Religiões da Organização das Nações Unidas (ONU) e no seu ashram, ou comunidade, na Índia, circulam rabinos e rabinas, padres e freiras e monges budistas.
Vários corações se sentem motivados a doar recursos para sua instituição, a Missão Mata Amritanandamay Math, criada em 1981, cuja ação também é reconhecida pela ONU. A instituição arrecada, ainda, fundos com a venda de livros e CDs e tem a sua disposição um dos maiores, senão o maior, voluntariado do mundo. Mantém escolas e hospitais na Índia e é a líder humanitária e espiritual de maior expressão de seu país, superando até outro guru igualmente famoso por suas obras, o indiano Sai Baba.
Hoje Amma é conhecida como um dos principais líderes humanitários do planeta: foi a que fez a maior doação (US$ 23 milhões) às vítimas do tsunami, em 2004, na Ásia, e a que distribui refeições a pessoas carentes em mais de 33 cidades dos Estados Unidos, sem falar das 53 escolas, dezenas de asilos e centenas de obras assistenciais que mantém na Índia. Atualmente, 22 universidades americanas firmaram convênios de colaboração com a universidade fundada por ela. E seu hospital, especializado em medicina aiurvédica, é considerado o melhor da Ásia.


MENINA FRANZINA
Amma nasceu em Kerala, uma aldeia de pescadores ao sul da Índia, há 54 anos. Como em outros nascimentos divinos, seus adeptos contam que sua vinda foi anunciada com sinais auspiciosos: sua mãe sonhou que dava à luz ao deus Krishna e o bebê nasceu com um tom azul-escuro, a cor com que a divindade é representada.
Mesmo amada pelas crianças, que queriam sempre brincar com a menina que cantava mantras em voz alta e dramatizava cenas do livro sagrado Vedas, sua família a rejeitou pelo seu estranho modo de ser. E houve tempo em que a menina viveu na rua, abandonada. Mas o amor de Amma, ainda chamada de Sudhamani, era tão grande que desde os 8 anos ela começou a atrair outras pessoas para ouvi-la.
Sua união com a Mãe Divina Universal se tornou tão grande que, ainda jovem, Amma conseguiu transcender a si mesma e, segundo seus adeptos, transformar-se na expressão desse ser divino. Diz ela em sua biografia: “Sorrindo, a Divina Mãe se tornou um corpo de luz e se fundiu comigo. Daí em diante, eu mais nada reconheci como separado de meu próprio Ser”. Adotou então o nome de Amritanandamayi, ou Mãe da Eterna Felicidade.
Vestida sempre com sáris brancos e usando um diamante no nariz, Amma vive num quarto de cerca de 6 m2, onde estão uma cama e uma penteadeira. Quando não está no seu ashram, percorre o mundo, distribuindo bênçãos em forma de abraços. “Para Amma, só existe o amor”, diz a própria mestra.


Ágape, o amor divino
O amor incondicional, ou agapé (ágape, em português), já era identificado pelos antigos gregos, que o distinguiam da philia, a amizade, e de eros, o amor carnal. “É o amor que transcende os dois primeiros porque na amizade se amam os ‘meus’ amigos e, no amor carnal, o ‘meu objeto de desejo’”, diz o pensador francês André Comte-Sponville no livro Pequeno Tratado das Grandes Virtudes (ed. Martins Fontes).
Na amizade e no amor mais erótico, o sentimento nos inclui em primeiro lugar. Mas o amor incondicional é intransitivo: ama-se e pronto, a tudo e a todos com seus limites, defeitos e idiossincrasias. Como diz Sponville, é o amor que Deus tem por nós e que nasce no coração quando Deus ali está presente, quer chamemos pelo seu nome ou não. “É um amor espontâneo e gratuito, sem motivo, sem interesse, até mesmo sem justificação”, afirma o pensador Anders Nygren. Ágape é um amor criador. O amor divino toma como objeto o que não tem nenhum valor em si e lhe dá um valor. Agapé nada tem em comum com o amor que se fundamenta na constatação do valor do outro (como faz o amor erótico e como faz a amizade, quase sempre). O amor incondicional é, portanto, um princípio criador de valor. É o único amor capaz de abranger esta frase de Cristo: “Ama teus inimigos” porque os inimigos são sempre destituídos de valor.
Há um amor que se parece com uma fome, o de eros. Outro que se nutre da alegria, o de philia. Mas há um amor, o de ágape, que se assemelha a um sorriso. Ou, quem sabe, a um abraço.


Fonte:
Texto de Liane Alves-Revista Bons Fluidos
http://bonsfluidos.abril.com.br/livre/edicoes/0100/05/05.shtml

Comentários